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Deixem os alcoólatras beber

A melhor maneira de lidar com sem-teto viciados em álcool? Dar abrigo, apoio e bebida liberada. Sai mais barato para o governo e é mais saudável para eles

Por Da Redação Materia seguir SEGUIR Materia seguir SEGUINDO
Atualizado em 31 out 2016, 18h36 - Publicado em 19 dez 2011, 22h00

Joshua Ginzler*

Quando garoto, eu escutava o ex-presidente americano Ronald Reagan dizer que os sem-teto tinham “escolhido” viver nas ruas. E que isso era problema deles. Hoje, muita gente tem a mesma impressão quando vê alcoólatras vagando pelas cidades. O raciocínio é: “Beberam até perder tudo. Precisam tomar rumo sozinhos. Não temos nada com isso”. Essa ideia, além de trágica do ponto de vista humanitário, carece de fundamento científico. Não há dados indicando que alguém luta mais contra o vício se for deixado nas ruas. Aliás, o consumo diminui quando o dependente recebe um lugar para morar – mesmo se puder beber à vontade.

É o que mostra um estudo realizado em Seattle, nos EUA, por uma equipe de especialistas da qual participei. Analisamos 95 integrantes do 1811 Eastlake, programa que oferece alojamento, roupa e comida para moradores de rua alcoólatras. Nos últimos 20 anos, eles haviam sido internados em média 16 vezes, sem sucesso. No Eastlake, eles não fazem tratamento, não precisam estar sóbrios nem procurar emprego, como exigem os centros de reabilitação tradicionais.

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Iniciado em 2005, o programa gerou polêmica porque permite que os participantes consumam álcool. Assistentes sociais compram as bebidas e distribuem. Isso evita que haja 50 indivíduos comprando cerveja na esquina, o que causaria um impacto negativo na vizinhança. No primeiro ano, o Estado economizou US$ 4 milhões. Faz sentido: quando estão nas ruas, os alcoólatras demandam internações constantes e costumam se envolver em crimes que decorrem dessa situação. Isso gera imensas despesas com hospitais, cadeias e tribunais.

A pesquisa também demonstrou que a ingestão média de álcool caiu de 15,7 doses por dia para 10,6 (uma dose equivale a 44 ml de vodca, 148 ml de vinho ou 355 ml de cerveja). Eles continuam bebendo muito – tomam mais cerveja do que eu e você tomamos água -, mas o consumo diminui. E é possível que a redução tenha sido fruto da inclusão social. Afinal, ter um mero quarto onde dormir já significa muito para eles. Nove participantes morreram ao longo do estudo, e certamente a morte não foi uma experiência tão agonizante como teria sido nas ruas.

Programas como esse, chamados housing first (algo como “alojamento antes de tudo”), mostram que é preciso satisfazer as necessidades básicas dos alcoólatras sem-teto antes de tentar ajudá-los a deixar o vício. Ao contrário do que se pensa, raramente eles vão para as ruas por causa do álcool. Quase todos não tinham dinheiro para manter a casa e, na rua, começaram a beber para lidar com a situação.

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Estamos falando de pessoas que bebem há décadas e sofrem se deixam de beber. Não faz sentido exigir que parem de repente nem esperar que seja fácil como para quem mora em uma casa confortável. Podemos fazer como Reagan e continuar fingindo que não é problema nosso. Mas há razões de sobra para fazer o contrário.

*Joshua Ginzler Psicólogo e pesquisador do Departamento de Psicologia da Universidade de Washington, EUA.

Os artigos aqui publicados não representam necessariamente a opinião da SUPER.

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