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Internet: Armadilha na rede

O hábito de ficar muito tempo conectado à internet pode causar dependência. O pior é que pouca gente consegue se dar conta de que se tornou um usuário compulsivo

Por Da Redação Materia seguir SEGUIR Materia seguir SEGUINDO
Atualizado em 31 out 2016, 18h31 - Publicado em 28 fev 2006, 22h00

Texto Cacilda Guerra

Três anos atrás, numa lan house na Coréia do Sul, dois rapazes passaram, respectivamente, 32 e 86 horas jogando um game na internet, sem nenhuma pausa para se alimentar ou dormir. O grau de exaustão atingiu tal ponto que os dois acabaram morrendo. Outra história espantosa envolvendo a web veio a público no início de 2005, quando um casal da cidadezinha escocesa de Montrose foi preso por manter os quatro filhos pequenos, um deles ainda bebê, trancados num quarto durante dias seguidos, enquanto o marido e a mulher jogavam on-line.

No Brasil, não há notícia de episódios como esses. Mas um fato ocorrido em várias cidades do litoral paulista, no auge do verão deste ano, chamou a atenção de muita gente: todos os dias, em plena manhã, crianças, adolescentes e adultos formavam filas – que chegavam a durar três horas – à espera não de um lugar ao sol para pegar um bronze, como seria razoável imaginar, já que eram turistas em férias, mas sim de uma vaguinha em frente a um computador em lan houses e cibercafés. Aparentemente, ninguém nesses lugares estava se importando de deixar a praia de lado para curtir jogos pela web, bater papo no Messenger (comunicador instantâneo) ou acessar o Orkut (site de relacionamentos). Uma navegada rápida pelo Orkut na mesma época mostrava a existência de 56 comunidades de “viciados em internet”, com cerca de 10 mil membros, à primeira vista inspiradas em associações como os Alcoólicos Anônimos. A esmagadora maioria, contudo, funciona na verdade como qualquer outra comunidade virtual e não foi criada para ser levada a sério – pode-se considerá-las equivalentes, digamos, a um hipotético grupo de fanáticos por livros, cujos encontros para se livrarem do “vício de ler” acontecessem numa biblioteca. Mas, apesar do tom de gozação presente em quase todas as mensagens postadas, alguns “orkuteiros” admitem um certo exagero quanto ao tempo que permanecem conectados, bem como a dificuldade de ficar longe do computador. Para se ter uma idéia da fissura que a rede provoca em certos usuários, há até quem deixe sua máquina ligada dia e noite e a reinicie apenas uma vez por semana, para ganhar minutos preciosos de navegação. Ou quem faça um pedido de ajuda, confessando ter parado de sair de casa e perdido todos os amigos de baladas por causa da web.

Ciberdependentes

Serão esses casos um sinal de que está surgindo uma nova categoria de viciados? Especialistas que observam o comportamento dos internautas dizem que sim. A dependência, termo que no jargão psiquiátrico substitui o que popularmente é chamado de vício, vem crescendo em todo o mundo desde que foi estudada pela primeira vez, em 1995, pela psicóloga americana Kimberly Young, diretora do Center for On-Line Addiction, com sede na Pensilvânia, e autora do livro Caught in the Net (“Preso na Rede”, sem tradução em português). Estima-se que, dos quase 190 milhões de usuários da internet nos Estados Unidos, entre 6% e 10% sejam ciberdependentes. “Com o advento da banda larga, o acesso foi facilitado e o preço mais baixo em relação às conexões discadas deixou de ser um freio para os usuários que gostam de passar horas seguidas na rede”, explica a psicóloga e antropóloga Ivelise Fortim de Campos. Colaboradora do Núcleo de Pesquisas em Psicologia e Informática (NPPI), pertencente à clínica-escola da Pontifícia Universidade Católica de São Paulo (PUC-SP), Ivelise diz que, apesar desse aumento, não se conhece exatamente a extensão do problema no Brasil. “Pouca gente se dá conta de que faz um uso compulsivo da internet. Tanto é assim que o número de pessoas que procuram atendimento na clínica, comparado aos de outras patologias, é muito pequeno”, explica.

Da mesma forma que na compulsão por jogo, comida, compras, sexo, álcool e drogas, o que caracteriza o dependente da internet é a falta de controle sobre o comportamento. Como conseqüência, ele passa a enfrentar dificuldades significativas na área amorosa, nos relacionamentos em geral, nos estudos, no trabalho e na vida financeira, que correm paralelas à perda do interesse pelos assuntos do dia-a-dia. Aquilo que a princípio era um hobby prazeroso e inofensivo se transforma em fonte de ansiedade, tensão e culpa, já que, para obter o mesmo grau de satisfação, a pessoa precisa permanecer cada vez mais tempo conectada. A diferença do uso patológico da web em relação às demais dependências é que a internet pode ter uma função de mediadora de outros comportamentos compulsivos. Assim, alguém que é dependente de sexo também pode dar vazão a seus impulsos na rede, seja buscando parceiros para um encontro real, seja praticando sexo virtual e navegando em sites pornôs.

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Segundo o psiquiatra Aderbal de Castro Vieira Jr., do Programa de Orientação e Atendimento a Dependentes (Proad) da Universidade Federal de São Paulo (Unifesp), os indivíduos mais propensos a se tornar internautas compulsivos são aqueles cuja vida é insatisfatória do ponto de vista afetivo, profissional, social e intelectual. “De modo geral, eles têm um perfil que inclui características como curiosidade e destreza para lidar com novas tecnologias, mas também apresentam uma tendência a se sentirem solitários, dificuldades nas relações interpessoais e sentimentos de insegurança sobre si mesmos.” Ivelise acrescenta que o principal motivo que leva o internauta a fazer um uso abusivo da rede é a oportunidade de fuga. “Enquanto está ocupado com atividades do mundo virtual, ele não tem tempo para pensar nos problemas de sua vida real, sejam eles quais forem”, afirma.

Diagnóstico

Aderbal chama a atenção para o fato de que, embora a quantidade de horas passadas diante do computador possa ser um dos indicadores do uso patológico, é a natureza das atividades on-line que deve servir de critério para definir se alguém deve ou não ser diagnosticado como dependente. “Um profissional que fica três dias praticamente seguidos de olhos grudados na tela, fazendo uma pesquisa exaustiva sobre determinado assunto para um trabalho, não está usando a internet de forma compulsiva”, ressalta o psiquiatra.

O tratamento mais indicado para livrar o internauta da compulsão é a velha e boa psicoterapia, complementada, conforme o caso, com medicamentos de uso controlado. Orientado pelo psicólogo ou psiquiatra, o paciente tem a oportunidade de se conhecer melhor e entender os motivos que estão por trás de sua dependência.

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Levando-se em conta que o uso da rede tende a se disseminar cada vez mais entre nós – segundo pesquisa do Ibope/NetRatings, o uso da internet em residências no Brasil cresceu 12,4% em 2005 em relação ao ano anterior, colocando o país como líder do ranking mundial de horas navegadas –, conclui-se que o melhor mesmo é prevenir do que remediar. Para quem se preocupa com a possibilidade de os filhos se tornarem ciberdependentes, o psiquiatra Aderbal dá um conselho: mostrar a eles que, por mais interessantes que sejam as conversas no Messenger e os games on-line, existem outros passatempos prazerosos, de modo que a criança ou adolescente perceba que tem à sua disposição um grande leque opções de entretenimento longe do computador. “Já os adultos correm menos riscos de cair nas armadilhas da rede se procurarem ter uma vida mais rica, lançando-se em projetos gratificantes, cultivando interesses variados e buscando o contato com outras pessoas”, afirma.

Identidades virtuais

Anonimato permite ao internauta fingirser o que não é
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A proteção garantida pelo anonimato permite que o internauta brinque com a própria identidade. Em salas de bate-papo e sites de relacionamento, ele pode falar coisas que jamais diria em outras circunstâncias, inventar pequenas mentiras para tornar sua personalidade mais interessante

ou fingir ser alguém totalmente diferente do que é na realidade.

Para a psicóloga e antropóloga Ivelise Fortim de Campos, essa expressão mais livre e criativa de pensamentos, sentimentos e fantasias propiciada pelo ambiente virtual tem aspectos positivos. “Ao encarnar atributos diferentes dos vividos no seu dia-a-dia, a pessoa pode entrar em contato com facetas de si mesma das quais nunca teve consciência, o que contribui para seu autoconhecimento”, diz ela.

O aprendizado de novos comportamentos é outro benefício. É o caso de uma mulher insegura sobre seu poder de atração que, num bate-papo virtual, se descreve como ruiva embora não o seja, a fim de passar uma imagem sexy. “Se para ela o cabelo ruivo simboliza sensualidade, o fato de ‘se enfeitar’ com esse símbolo pode levá-la a ter uma atitude mais desinibida no chat. E isso pode servir de estímulo para que, no cotidiano, ela expresse melhor o seu lado sensual”, diz a psicóloga Márcia Maranhão Limongi. Mas a criação de personalidades idealizadas se torna prejudicial se a pessoa não consegue transpor para sua rotina diária o que aprendeu na rede. Nesse caso, acontece uma cisão: na internet o indivíduo tem um jeito de ser e fora dela tem outro. “Ele passa a usar o ambiente virtual para fugir do mundo real, já que o primeiro é visto como muito mais interessante”, diz Ivelise.

Você é um webmaníaco?

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Embora só um especialista possaavaliar se uma pessoa é dependenteda internet, esteja atento aos sinaismais comuns dessa compulsão

Se você se identifica com as situações abaixo, é aconselhável consultar um psicólogo ou psiquiatra, para saber se o caso necessita de ajuda profissional:

• Ao acordar, o desejo de acessar a internet é maior do que o de tomar o café da manhã.

• Você costuma “pular” refeições ou comer rapidamente, para ter mais tempo livre para navegar.

• Mudou sua rotina diária ou os horários de suas atividades por causa da internet.

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• O tempo que passa conectado está aumentando.

• Quando está off-line, pensa obsessivamente no que pode estar acontecendo na rede na sua ausência.

• Deixa de sair com os amigos e de fazer programas de lazer para surfar na internet.

• Não conseguiria passar mais de uma semana longe de um computador.

• Está tendo problemas de relacionamento com o namorado(a), o cônjuge ou os familiares por causa da internet.

• Já tentou diminuir suas conexões, sem êxito.

• Alguém próximo já criticou seus hábitos com relação à internet.

• Sente mais prazer na rede do que em outras atividades do dia-a-dia.

• Só desliga sua máquina quando está exausto ou tem algo a fazer que não pode mais ser adiado.

• Usa a internet para não pensar nos seus problemas ou para buscar alívio para sentimentos como solidão, desânimo, ansiedade.

• Sente que o hábito de usar a internet prejudica sua vida, mas hesita em pedir ajuda ou acha que pode resolver o problema sozinho.

• Gosta mais de se relacionar com os outros por meio de e-mails, salas de bate-papo ou Messenger do que pessoalmente.

• Tem mais amigos virtuais do que reais.

Fontes Márcia Maranhão Limongi, psicóloga clínica; Kimberly Young, psicÓloga e diretora do Center for On-Line Addiction

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