Parece Frankenstein, mas é vida real. No primeiro semestre de 2015, o médico italiano Sergio Canavero, diretor do Gruppo Avanzato di Neuromodulazione, em Turim, anunciou um ambicioso projeto: realizar até 2017 o primeiro transplante de cabeça em humanos. A proposta é encontrar um paciente que esteja com o corpo comprometido (por câncer ou alguma doença incurável), mas com a cabeça e o cérebro intactos, e substituir o corpo inteiro pelo corpo saudável de um doador que teve morte cerebral – como são os casos de doadores de órgãos. Agora, a cirurgia já tem data e paciente.
O escolhido foi Valery Spiridonov, um russo de 30 anos que sofre com uma doença terminal chamada Síndrome de Werdnig-Hoffman, que causa atrofia muscular e deteriora neurônios. Spiridonov será operado em dezembro de 2017. A cirurgia vai durar 36 horas e envolver mais de 150 profissionais. Para o procedimento funcionar, a cabeça do paciente e o corpo do doador serão refrigerados. Assim, há menos risco de deterioração dos tecidos. Aí, o próximo passo é reconectar as veias das duas partes.
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A parte mais difícil é a junção da medula espinhal, para estabelecer as conexões nervosas. Canavero explica que as extremidades da medula espinhal são como feixes de espaguete, que, segundo ele, podem ser “colados” com polietileno glicol, um éter. Assim como a água quente faz o macarrão ficar grudento, o polietileno glicol estimularia as membranas celulares a se unirem. Para ele, a rejeição do novo corpo pode ser evitada com drogas imunodepressoras. O neurocirurgião Harry Goldsmith, professor da Universidade da Califórnia e especialista em recuperação de medula espinhal, não acredita que seria possível. “São tantas as implicações e os problemas, que isso nem sequer é imaginável”, diz Goldsmith, um dos únicos que já conseguiram recuperar uma medula rompida – a de uma jovem de 24 anos que havia ficado paraplégica.
“Quando percebi que poderia participar de algo realmente grande e importante, não tive dúvidas e comecei a me esforçar para que isso acontecesse”, disse Spiridonov em entrevista ao Central European News.
Onde estamos com a cabeça?
Entenda a empreitada, que já foi bem-sucedida em ratos.
1. Corpo são: O doador precisa ter tido morte cerebral. Em seguida, induz-se o paciente com a cabeça saudável ao coma. As duas cabeças são cortadas com lâmina fina.
2. Cuca fria: A cabeça transplantada fica congelada, enquanto se costuram músculos, pele, vasos sanguíneos e a medula espinhal. O paciente fica um mês em coma.
3. Choques: Choques elétricos são dados para estimular a conexão neural entre cabeça e corpo novo. Ao acordar, o paciente manterá seus pensamentos e memórias e precisará de fisioterapia para reaprender a se movimentar.
Perguntas sem pé nem cabeça
Dúvidas existenciais surgidas depois do anúncio do transplante.
O quanto da identidade (ou a alma) de uma pessoa está localizada no cérebro ou no corpo?
Trata-se, afinal, de um transplante de cabeça ou de corpo?
Se a pessoa transplantada tiver filhos, ela não vai se parecer com eles?
Trocando de corpo eternamente, é possível atingir a imortalidade?
Qual país vai topar sediar a cirurgia?
O transplante vai ser praticado por questões estéticas?