Sem cerimônia, milhões de moléculas estranhas invadem a fábrica de sangue do organismo – a medula óssea. Ali, as invasoras vão alterando as células sanguíneas em formação. E o que acontece nos casos de benzenismo, doença provocada pela contaminação por benzeno, extraído do petróleo ou do carvão mineral. Recentemente, o hematologista Milton Artur Ruiz, da Faculdade de Ciências Médicas de Santos, no litoral de São Paulo, publicou o primeiro trabalho brasileiro sobre esse mal. O médico examinou 95 funcionários da Companhia Siderúrgica Paulista (Cosipa), em Cubatão. Constatou que 80% deles têm a medula afetada. “O principal sintoma é a diminuição drástica dos glóbulos brancos do sangue, como os linfócitos, em um fenómeno que chamamos leucopenia”, diz Ruiz. O problema é conhecido dos médicos desde 1887.
No Brasil, a doença começou a despertar a atenção por volta de 1984, com a eclosão de uma epidemia de leucopenia na Baixada. E a principal acusada foi a Cosipa. Seus operários, então, trabalhavam num ambiente com 2 500 ppm (partes por milhão) de benzeno – ou seja, 2 500 moléculas de benzeno em cada milhão de moléculas do ar.
Para se ter uma idéia, a legislação européia e americana não permite que um operário fique exposto, durante 48 horas por semana, a mais do que 0,1 parte de benzeno por 1 milhão de partes de ar. No Brasil, considera-se satisfatória a exposição a 8 ppm de benzeno, no mesmo período. Ainda assim, a legislação brasileira não reconhece que a substância é cancerígena. “Quem sofre de leucopenia tem vinte vezes mais probabilidade de desenvolver tumores de medula, as chamadas leucemias”, afirma, seguro, Milton Artur Ruiz. Essa, porém, não é a única seqüela da contaminação.
Como despenca a quantidade de glóbulos brancos no sangue, o sistema imunológico deixa de ser eficiente e a pessoa fica frágil a todo tipo de infecção. Na medula, o benzeno também ataca a linha de produção de plaquetas e glóbulos vermelhos. As plaquetas são as principais responsáveis pelo processo de coagulação do sangue. Resultado: a vítima de benzenismo corre o risco de hemorragias. Os glóbulos vermelhos modificados, por sua vez, não transportam o oxigênio direito. Daí, as células do sistema nervoso são as primeiras a padecer.
O benzeno pode contaminar um ser humano de dois modos. Ou entra pelos pulmões ou pela pele, mas sempre cai na corrente sanguínea em direção à medula. Ele é usado em diferentes processos de fabricação. “Metade da produção é transformada em estireno para a indústria de carros e de plásticos”, informa Ruiz. Outros empregos: fibras de nylon, borracha sintética, pesticidas, indústria de couro, bronzeamento, prateamento de metais, remoção de tintas, colas e vernizes e – ufa! – alguns processos de lavagem a seco. Estima-se que existam, hoje, cerca de 2 000 pessoas, só na Baixada, com sinais de benzenismo.