Uma breve história da ansiedade
Foi a sensação de insegurança que criou o homem moderno. Entenda aqui as origens, a importância e os efeitos da ansiedade para nós
Há muito em comum entre a ansiedade e o medo. Os dois são estados aversivos causados por uma ameaça e que têm como objetivo proteger o organismo. Mas há também uma diferença bastante clara entre os dois. O medo é uma emoção engatilhada por algo muito específico e imediato – por exemplo, a visão de um urso faminto. Lá está a ameaça, e é então iniciada uma reação de luta e fuga. Já a ansiedade não é exatamente uma emoção primária. Enquanto o medo é uma disposição corporal momentânea, a ansiedade é um estado mental e corporal mais espalhado no tempo. Ela é causada por uma ameaça diluída: não o urso, mas a possibilidade de que um lugar tenha ursos. Não um assaltante com uma arma na cabeça no caixa do banco, mas a possibilidade de que alguém possa assaltá-lo, ou que você um dia possa perder o emprego e ficar sem fonte de renda. Enquanto o medo torna nosso corpo apto para se defender ou fugir de uma situação de frente para nós, a ansiedade antecipa essa prontidão.
Se a depressão é uma reação a uma perda passada, a ansiedade é a reação a uma perda futura. Com ela, nós permanecemos preocupados, mas não sabemos por quê. Não identificamos qual o gatilho, pois ele realmente não existe. Ele poderá vir a acontecer. Ou não. E isso basta para que nós nos preparemos. Para que fiquemos ansiosos.
Ela é como o guarda de trânsito – sua fiscalização vai fazer o motorista perder tempo e recursos, mas também vai protegê-lo de riscos futuros.
A história da humanidade é também a história da ansiedade
Qualquer incerteza ou imprevisibilidade é gatilho de ansiedade. E, como a vida é cheia de incertezas, não é de admirar que tantas pessoas vivam ansiosas. Dentre os transtornos mentais, os de ansiedade são os mais frequentes, segundo a Organização Mundial de Saúde. Na região metropolitana de São Paulo, 19,9% das pessoas já tiveram ao menos um quadro clínico de ansiedade, segundo um levantamento do Instituto de Psiquiatria do Hospital das Clínicas da USP. Mas será que vivemos em tempos mais ansiosos do que a média da história humana? É impossível afirmar que sim ou que não. Cada época teve grandes problemas que causaram ansiedade. O que dá para afirmar é que a ansiedade sempre foi um estímulo para resolver esses problemas.
Entre grupos de caçadores e coletores, havia a ameaça constante de ataque de predadores e inimigos, e o risco de perder território, de faltarem animais para caçar e de acabarem os vegetais comestíveis. A ansiedade levou nossos antepassados a buscar abrigos contra predadores, a se unir e se prevenir contra inimigos externos, a guardar provisões e a antecipar a procura por fontes alternativas de alimento.
A busca por novas fontes de comida levou à fixação na terra e à formação das primeiras sociedades rurais. Nelas, as incertezas das chuvas e das secas eram fontes muito fortes, assim como a disputa por áreas cultiváveis. A ansiedade diante do risco de seca levou à criação de sistemas de irrigação, que diminuíram os riscos da irregularidade das chuvas, e à armazenagem de alimentos, que protegeu populações do risco de desabastecimento.
Só que, para isso, foi necessário uma grande centralização de poder – ou seja, a criação do Estado. Agricultores em Estados de modo de produção asiático não viveram livres da ansiedade – muito menos os escravos. Por um lado, havia a ansiedade diante da autoridade de um chefe de Estado e das divindades (que, em geral, incluíam o próprio chefe de Estado). Por outro, havia a ansiedade diante da ameaça da guerra com outros Estados. Ou de invasões bárbaras.
No caso do Império Romano, venceram as invasões bárbaras, que conduziram a Europa à Idade Média. Se você fosse um romano, ficaria muito ansioso com a regressão para uma sociedade feudal. Tchau, tchau, Pax Romana, banhos públicos e trigo egípcio chegando em casa. Lá vai mais ansiedade diante dos conflitos entre senhores feudais e da escassez. Mas essa mesma ansiedade diante da escassez também levou à criação de inovações tecnológicas na agricultura. Resultado? Aumento da produção agrícola, que, por sua vez, impulsionou uma explosão demográfica.
A ansiedade é uma reação positiva – para agir e fazer a diferença ante uma ameaça
Muita gente em pouco espaço significa duas coisas: urbanização e ansiedade. A população rural estava ansiosa para comercializar sua produção excedente. E parte dela estava ansiosa para trabalhar em outras atividades, já que na terra não havia mais oportunidades. Isso deu origem às cidades medievais.
Cidades medievais significam divisão de trabalho em guildas e o florescimento do comércio. O comércio aumentou a circulação de dinheiro. Algumas pessoas conseguiram acumular muito ouro com isso. Muito ouro mesmo. O que trazia mais uma ansiedade – o medo de ele ser roubado. Então, esses ricaços passaram a deixar a grana guardada com uma pessoa – o ourives, que tinha cofres seguros o suficiente para manter os materiais preciosos com os quais fazia joias. Em troca, dava um recibo. Esse recibo deu origem ao dinheiro de papel e todo o sistema financeiro que bancaria as grandes navegações e alimentaria os Estados modernos.
Os Estados modernos viam uns aos outros como rivais. A ansiedade diante do que um poderia fazer alimentou a formação de exércitos nacionais, de alianças de uns contra outros. De tempos em tempos, ela entrava numa escalada de ânimos e culminava numa guerra. Até que, durante a Segunda Guerra Mundial, a ansiedade diante do risco de a Alemanha nazista produzir uma arma nuclear levou ao Projeto Manhattan, um esforço de engenharia que culminou no bombardeio de Hiroshima e Nagasaki. Consequentemente, a ansiedade causada pelo risco de a espécie humana ser eliminada da Terra num conflito nuclear levou ao fim das guerras entre países que possuem bombas atômicas.
Ou seja, a história da humanidade é a história da ansiedade.
Hoje, vivemos os tempos com as taxas mais baixas de homicídio, maior segurança alimentar e mais alta expectativa de vida de toda a nossa existência. Mas continuamos ansiosos.
Lutar ou correr
Quando você sente ansiedade, o corpo se comporta como em uma situação de perigo iminente
Cérebro
Uma parte do cérebro chamada eixo hipotálamo-pituitária-adrenal (HPA) é ativada, liberando “mensageiros químicos”, como dopamina, norepinefrina e epinefrina. Eles ativam a amígdala cerebral, que dispara o mecanismo de luta e fuga.
Garganta
Espasmos nos músculos da garganta fecham o esôfago e dificultam engolir a saliva – humanos em perigo prendem a respiração.
Músculos
Tensão muscular – os grandes grupos musculares recebem atenção especial do cérebro e do sistema neurológico, enrijecendo e ficando pronto para ser usado. Depois de passado o evento causador da ansiedade, a sensação é de afrouxamento muscular.
Fígado
O sistema suprarrenal produz uma quantidade excessiva de cortisol. Esse hormônio leva o fígado a produzir mais glucose, o “açúcar sanguíneo” que dá mais energia em caso de ameaça.
Cabeça
O sangue do tecido epidérmico é desviado para o coração e os músculos, para diminuir a perda em caso de ferimento.Os poros do couro cabeludo contraem-se e dão a sensação de “ficar de cabelo em pé”.
Suor frio
Assim como na sensação de cabelo em pé, a diminuição de sangue na derme produz a sensação de “suar frio”.
Boca
Boca seca – fluidos são desviados de locais não essenciais, como a boca, para auxiliar a circulação sanguínea e os tecidos musculares, causando secura na boca e dificuldade para falar.
Baço
Para distribuir mais oxigênio pelo corpo, o baço trata de descarregar uma dose extra de glóbulos vermelhos e brancos, fazendo o fluxo sanguíneo aumentar até 400%.
Afinal, a ansiedade não é causada apenas pelo risco de morrer de fome, de doença ou de assassinato. Somos hoje expostos a muito mais estímulos que colocariam nossos ancestrais em estado aversivo. Ambientes fechados repletos de desconhecidos (imagine como ficaria um homem da savana andando de metrô em horário de rush…), veículos em alta velocidade, ruídos altos, procedimentos médicos que cortam nossas peles, reviram nossos órgãos internos, perfuram nossos ossos, e uma profusão de informações que fazem nossa intuição acreditar que o mundo é muito mais perigoso do que de fato é – ameaça terrorista, acidentes de avião, epidemias de gripe, violência urbana, produtos tóxicos, preconceito.
Claro, viver com uma ansiedade clínica é terrível. Principalmente se ela for tão grande que a pessoa não consiga interagir socialmente, trabalhar, sair de casa. Ela aumenta os níveis de hormônio do stress, faz subir a pressão sanguínea, tem impacto no sistema imunológico… e por essa e outras razões está relacionada a problemas cardiovasculares, transtornos imunológicos, obesidade…
Pior: o transtorno de ansiedade é um dos poucos em que o próprio sintoma é o diagnóstico. Se você tem dor nas costas, pode ser por causa de uma hérnia de disco. Aí você trata a hérnia. Se tem ansiedade, é porque é ansioso. Isso mostra o quão longe a ciência ainda está de desvendar os transtornos mentais. Mesmo assim, há medicamentos eficazes. E o melhor jeito de lidar com a ansiedade aguda é procurar ajuda médica o quanto antes.
Mas, em níveis normais, a ansiedade pode ser uma mão na roda. É ela que nos faz traçar planos alternativos e nos cercar de cuidados para que tudo saia bem, mesmo diante de imprevistos. Em situações estressantes – como aqueles dias no trabalho em que mil coisas acontecem ao mesmo tempo -, ela nos faz reagir com mais rapidez e foco. Ela não é em si um problema. É, na verdade, o primeiro passo para resolver um problema. Por maior que seja o sofrimento causado por ela, não estaríamos numa situação melhor sem a ansiedade. Antes de mais nada, ela é uma reação positiva, um botão vermelho, uma urgência para agir e fazer a diferença para que as coisas mudem. No conforto, ficamos parados, estáticos, sem motivação para transformar nossa vida. A ansiedade nos dá o foco necessário para virar a mesa. Nos deixa espertos para buscar oportunidades novas.
A questão não é deixar de sentir ansiedade, ao menos a ansiedade em níveis moderados, mas saber qual resposta a ela pode ser a mais positiva para a sua vida.”
Darwin para ansiosos
Operadores da bolsa em Wall Street sorriem. Um bebê que nasceu cego, idem. Aborígenes também. Para manifestar alegria, relaxamento ou afeição, o sorriso tem a mesma função para todos eles. Boa parte das expressões faciais que fazemos ao longo da vida são inatas, ou seja, não foram aprendidas. No livro A Expressão das Emoções no Homem e nos Animais, Charles Darwin compara as diferentes formas de exprimir sentimentos e sensações – e seu valor adaptativo. A ansiedade é um deles – uma resposta fisiológica à antecipação dos perigos. Uma zebra sofre de stress enquanto é perseguida por um leão.
Mas, assim que consegue se safar, o stress também acaba. Já os humanos vivem permanentemente sob alerta. “Nós temos a mesma resposta de stress para coisas puramente psicológicas; pensamos sobre a camada de ozônio, os impostos que teremos que pagar. A diferença aqui é que não temos esse stress por uma razão fisiológica real – e ficamos estressados sem parar”, diz Robert Sapolsky, neurocientista professor em Stanford. Mas, se a origem e a manutenção da ansiedade é adaptativa, como sugere Darwin, é possível que os transtornos possam ser resolvidos via terapias genéticas. Há dez anos, uma pesquisa de cientistas americanos e alemães publicada na revista Behavioral Neuroscience, da Associação de Psicologia Americana, identificou uma variação genética que pode estar ligada à ansiedade. As variações acontecem no gene COMT, que quebra a molécula de dopamina, e são chamadas Val158 e Met158. Metade da população possui uma cópia de cada variação. O resto da população traz duas cópias da Val158 ou duas cópias da Met158. A pesquisa atestou que quem tinha as duas cópias da Met158 era mais propenso à ansiedade.
A variação Met158 pode estar associada a níveis maiores de dopamina na região pré-frontal do córtex cerebral – os portadores não conseguem se desligar de algo que produz uma determinada emoção, mesmo que se trate de uma emoção ruim. Uma outra pesquisa, de 2010, entre alunos da National Taiwan Normal University, em Taipei, identificou que quem possuía duas cópias da Met158 tinha melhor memória e maior QI verbal. Outros estudos indicam que são pessoas mais criativas e com maior compreensão de leitura. Porém, lidam mal com stress e dor, são mais impulsivas e com mais tendência à depressão. Para os pesquisadores, essa pode ser a chave para “receitar a dose certa da droga certa, relativa a uma composição genética, para tratar transtornos de ansiedade”.
Como num cartoon
Os desenhos animados são pródigos em transformar em imagens emoções que temos, embora elas sejam, obviamente, invisíveis. São sensações que descrevemos no dia a dia e que fazem todo o sentido, mesmo que pareçam um simples modo de dizer. Pois essas sensações têm um motivo, não são apenas fruto da imaginação.
Ficar de cabelo em pé
Embora os cabelos não fiquem de fato arrepiados, essa sensação ocorre porque, nos momentos de ansiedade, o sangue das células cutâneas é desviado para outras partes do corpo, fazendo com que o couro cabeludo se contraia.
Suar frio
A escassez de sangue na epiderme provoca uma queda de temperatura nos tecidos da pele.
Boca seca
Em um momento de ameaça iminente, os líquidos do corpo se deslocam de locais menos essenciais a fim de ajudar na preparação do corpo. Por isso, diminui a saliva, e a boca seca.
Nó na garganta
Também o deslocamento de fluidos atinge os músculos da garganta, causando espasmos e dando a sensação de nó na garganta.