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Apostas online: a regulamentação será suficiente para proteger o bem-estar dos brasileiros?

A futura legislação promete um ambiente mais controlado para as bets. Mas pesquisadores alertam que ela dificilmente vai afastar os riscos à saúde relacionados à pratica.

Por Francisco Cláudio Freitas Silva, Sérgio Fernando Loureiro Rezende, Ramon Silva Leite e Marcelo de Rezende Pinto*
Atualizado em 15 Maio 2024, 11h36 - Publicado em 14 Maio 2024, 18h00

*Este artigo foi escrito por pesquisadores do Programa de Pós-Graduação em Administração da PUC Minas (MG).

A regulamentação do mercado de apostas online deverá enfim ser concluída até o início do segundo semestre, como decorrência da Lei 14.790, sancionada pelo presidente Lula em dezembro de 2023. 

A Secretaria de Prêmios e Apostas (SPA) do Ministério da Fazenda estabelece quatro etapas para a regulamentação. Uma delas diz respeito à implementação de políticas do chamado ‘Jogo Responsável’, que visa prevenir danos relacionados às apostas e promover uma publicidade mais ética das bets. 

Contudo, é improvável que as propostas abranjam de forma satisfatória os desafios sociais que acompanham o aumento das apostas online no país. 

O crescimento do mercado de bets também faz aumentar o número de pessoas que enfrentam danos decorrentes a elas. As apostas online têm um alto potencial de dependência e podem causar problemas significativos, principalmente em grupos vulneráveis como jovens, pessoas de baixa renda e indivíduos que já tenham histórico patológico de apostas.

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Notícias já mostram que os problemas decorrentes de apostas online viraram uma nova (e preocupante) tendência entre os mais novos. Reuniões de grupos como os Jogadores Anônimos, antes frequentadas majoritariamente por adeptos de apostas físicas para lidar com a dependência, agora recebem um público cada vez mais jovem.

Não é todo mundo que busca ajuda, porém. Há uma tendência de que as pessoas sejam mais tolerantes com as apostas online em comparação com outros tipos de apostas (caça-níqueis, por exemplo). Os apostadores online não costumam reconhecer o seu comportamento compulsivo, tanto pela falta de posicionamentos contrários mais contundentes quanto pela natureza intangível do produto. Como resultado, muitos deles (e também seus familiares) não vão atrás do apoio adequado para lidar com o vício.

No Brasil, as apostas e o esporte estão agora indissociavelmente ligados – um fenômeno que ficou conhecido como “gamblification” (“gamble”, em inglês, significa “apostar”). A publicidade dos sites de bets está por toda parte no Brasil, principalmente no futebol. Dezenove dos vinte times da Série A do Campeonato Brasileiro são patrocinados por casas de apostas.

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A onipresença das bets contribui para a sua normalização – e, nesse processo, pode atingir crianças. E esse fenômeno torna-se especialmente problemático quando consideramos o fato de que os sites também oferecem cassinos online. Os cassinos são a principal fonte de renda dessas plataformas. Contudo, não aparecem na publicidade massiva vinculada ao futebol – as propagandas dão destaque apenas para as apostas esportivas.  

Também, é preocupante a tônica adotada pelo governo federal, enfatizando unicamente o “jogo responsável”, pois ecoa o discurso promovido pela indústria de apostas, em que se substitui a palavra “apostas” por “jogo”. Isso confere uma conotação mais leve e de entretenimento à atividade, minimizando a percepção de risco e responsabilidade da indústria nas práticas de apostas.

Além disso, essa abordagem desvia a atenção dos danos das apostas e salienta a responsabilidade individual dos apostadores, isentando a indústria e o poder público de abordarem questões sistêmicas, mais abrangentes.

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As regras para a publicidade do setor, divulgadas pelo Conar (Conselho Nacional de Autorregulamentação Publicitária) e endossadas pelo governo, são influenciadas diretamente pela indústria de apostas e impõem a inclusão da mensagem “Jogue com Responsabilidade” nas propagandas. Ou seja: uma mensagem que deveria alertar sobre os riscos atrelados às apostas apenas as normaliza – e as associa a uma atividade de lazer.

Para uma abordagem mais efetiva, as próximas regulamentações deveriam cobrir integralmente as complexidades das apostas online, adotar uma linguagem alinhada aos interesses coletivos, bem como incluir uma perspectiva ampla de saúde pública, abrangendo todos os aspectos pertinentes desse mercado.

Há a necessidade urgente de uma estrutura nacional de supervisão, prevenção e tratamento para pessoas afetadas por danos relacionados às apostas no país, semelhante aos sistemas encontrados no Reino Unido e Austrália. Além disso, é crucial estimular pesquisas baseadas em evidências para orientar as decisões políticas e regulatórias sobre o tema, o que irá contribuir para um ambiente de apostas mais transparente. 

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Como pesquisadores e cidadãos preocupados, atentamos para que as futuras regulamentações sejam formuladas com uma visão mais holística e realmente responsável, garantindo que o desenvolvimento da indústria das apostas no Brasil não ocorra à custa do bem-estar de sua população.

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