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As fake news talvez não sejam tudo isso

A guerra contra as notícias falsas se mostra cada vez mais difícil. Por outro lado, estudos indicam que elas são um ameaça menos grave do que se imaginava.

Por Pedro Burgos
Atualizado em 5 nov 2018, 16h51 - Publicado em 28 set 2018, 19h27

Luiz Fux parecia otimista em junho deste ano. Em uma cerimônia para o lançamento de uma campanha contra a desinformação, com a ajuda de gigantes como Facebook e Google, o presidente do Tribunal Superior Eleitoral garantiu: “Temos a inteligência do poder público e dos órgãos mais significativos para detectarmos a tempo as fake news trazendo esse ambiente limpo para a democracia e para as nossas eleições.”

Para Fux, com o esforço combinado das empresas de tecnologia, do governo, das agências de checagem e da imprensa estabelecida, as eleições seriam limpas – em termos informacionais.

Corta para a primeira semana de setembro. O atentado contra Jair Bolsonaro gerou uma infinidade de teorias da conspiração que ganharam tração nas redes sociais. Um vídeo de 18 minutos no qual um anônimo “prova” com ângulos diversos e uso de slow-motion que a faca não havia sequer ferido o capitão chegava a  80 mil visualizações no YouTube. No WhatsApp, uma mensagem que dava detalhes de um fantasioso acerto com seguranças, policiais e médicos para criar o “teatro do ataque” circulou em tantos grupos que teve de ser desmentida por grandes portais de notícia, como o UOL.

A lista é imensa. Um estudo da Diretoria de Análise de Políticas Públicas da FGV mostrou que mais de 40% das interações no Twitter nas horas pós-atentado era de gente duvidando da própria existência do ataque.

O que esse tipo de delírio tem a nos ensinar sobre a inglória guerra contra as tais fake news?

Cabeças feitas

A primeira lição é que, paradoxalmente, essa é uma guerra ao mesmo tempo mais difícil de se vencer e menos importante do que se imaginava – ao menos quando tratamos de eleições majoritárias, como a presidencial.

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Pesquisas recentes mostram que as notícias falsas só são realmente críveis para quem já está firme em algum extremo ideológico (seja à direita ou à esquerda). E o fato de informações falsas serem negadas posteriormente (por jornalistas ou pelo próprio bom senso) não muda a cabeça dos consumidores de notícias no que importa: suas convicções políticas ou escolhas eleitorais. As pessoas que espalharam os boatos sobre um atentado fake contra Bolsonaro, por exemplo, já não votariam nele de forma alguma. E é difícil imaginar que indecisos acreditaram nessas fantasias.

“A informação que vem de uma checagem [a negação de um boato] pode reduzir percepções erradas, mas ela tem um efeito mínimo no eleitor sobre a avaliação dos candidatos ou a decisão de voto”, escreveram pesquisadores americanos da Universidade de Ohio, Dartmouth e George Washington em um artigo sobre o assunto no ano passado.

Fake news de política só são realmente críveis para quem já está firme em algum extremo ideológico.

O medo sobre o efeito eleitoral das notícias falsas ganhou muita força ao fim de 2016, depois da eleição de Donald Trump nos EUA. Como muitas notícias falsas a seu favor viralizaram nas redes sociais, jornalistas e acadêmicos atribuíram a elas um grande peso para explicar algo que parecia inexplicável à primeira vista. A “notícia” de que o papa Francisco apoiaria Trump teve 960 mil curtidas e compartilhamentos no Facebook. Isso deve ter tido algum efeito, certo? Provavelmente não. Estudos posteriores indicam que as notícias falsas tiveram impacto ínfimo na escolha dos eleitores.

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Nesse sentido, o fenômeno das fake news é mais um sintoma do que a causa de uma enfermidade social. Caímos nelas porque estamos mais tribais nas escolhas políticas, e o viés de confirmação nos predispõe a crer nas ideias pelas quais já temos opiniões fortes. Em outras palavras, os produtores de notícias falsas e páginas ultrapartidárias vieram para ficar. Eles podem ser banidos das redes sociais (como começou a acontecer em 2018), mas sempre poderão se esconder em uma corrente do WhatsApp.

Abuso do termo

O problema maior talvez então não seja o uso que eleitores fazem de notícias falsas. Mas sim como os políticos abusam do termo. Em todos os matizes ideológicos. Neste ciclo eleitoral, Guilherme Boulos, do PSOL, denunciou o que chamou de fake news 15 vezes no Twitter. Álvaro dias fez isso em 29 momentos. Trump usa o termo quase que diariamente.

Há um espaço para políticos falarem de notícias falsas, quando precisam desmentir boatos infundados – e isso é legítimo. Mas quando políticos colocam a pecha de fake news em qualquer notícia que os desabone, estão eles próprios espalhando uma informação falsa.

E nestas eleições vimos novidades nesse campo: as falsas fake news. Um exemplo: em agosto, membros do Partido dos Trabalhadores “denunciaram” uma montagem que mostrava Pablo Vittar como vice da então chapa encabeçada por Lula. Mas pesquisadores – como eu – que monitoram os grupos mais polarizados à direita e esquerda não viram essa imagem viralizando.

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Ou seja, o desmentido tinha uma outra finalidade: implícita na denúncia estava a ideia de que os eleitores anti PT são homofóbicos e seriam ignorantes a ponto de acreditar em uma chapa estapafúrdia. E virou notícia, republicada em grandes veículos de comunicação.

Na prática, a estratégia de denunciar fake news é útil para contar uma história maior: a de que o candidato é um inocente na mira de uma indústria da desinformação. Dá a ideia de que todos estão lutando contra ele, em uma grande conspiração.

Em julho deste ano, durante um comício, Trump atacou os veículos de mídia que fazem uma cobertura crítica da sua administração, e falou para o público: “Apenas lembre-se que o que você está vendo e lendo não é o que está acontecendo. Apenas fique com a gente, não acredite no lixo que você vê dessa gente, as fake news.”

Ao deslegitimar tudo que vem da mídia organizada, políticos como Trump condicionam seus apoiadores a descartar críticas legítimas e notícias genuinamente negativas. E este é um risco maior para a democracia – e algo mais difícil de ser combatido – do que uma página do Facebook que publica notícias falsas com montagens toscas. Ao aplicar uma definição ideologizada sobre o que é “fake news”, políticos contribuem para criar uma sociedade não saudavelmente cética, mas cínica – que não acredita de antemão em coisa alguma, a não ser nas coisas que beneficiam o seu grupo

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