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Bozo: a história real por trás do mito

A saga e as intrigas dos homens que viveram o palhaço mais lucrativo de todos os tempos

Por Marcelo Bortoloti
Atualizado em 25 ago 2017, 18h57 - Publicado em 25 ago 2017, 16h36

Wanderley Tribeck, o Wandeko Pipoca, tentava a vida no Show de Calouros, do Silvio Santos, quando fez o teste para ser o primeiro Bozo do SBT. Desbancou gente consagrada, como Moacyr Franco. Pegou o papel em 1980 e ficou até 1983. Não poderia ser melhor: “Eu tinha o maior salário da televisão brasileira”, diz. Wandeko afirma ter deixado o cargo por vontade própria: “Os diretores do SBT queriam estragar o programa, fazendo o Bozo com corrida de cavalo, com batalha-naval… Isso é coisa para um palhaço decente fazer?”. Wandeko seguiu na carreira de humorista: escreveu um livro de piadas e montou um serviço de disque-anedotas. Depois, montou uma agência de propaganda e uma choperia em Balneário Camboriú, no litoral catarinense. “[Os outros Bozos] são todos uns sem-vergonha. O povo sabe que eu sou o Bozo. Eu entreguei na mão deles [Arlindo Barreto e Luís Ricardo, que viveriam o palhaço depois] e eles acabaram com tudo”, lamenta.

Luís Ricardo, eterno promotor da Telesena e intérprete da música dos Duck Tales (“Aí vem um furaca-ão/te-em emoção”… ) começou a se vestir de Bozo aos 16 anos. Ele entrava para fazer malabarismos fantasiado de de Bozo no lugar de Wandeko Pipoca – mas não falava, para que ninguém percebesse a troca. Com a saída de Pipoca, em 1983, Luís foi efetivado no cargo. Foi Bozo até 1990. Foi com ele, aliás, que começaram as participações por telefone. Logo de cara, a rebeldia de alguns “amiguinhos” começou a aparecer. “Às vezes, o garoto ligava e dizia ‘vai tomar no cu’…”, conta Luís, confirmando a lenda. Mas a audiência do programa cresceu, e a duração também. Após meses de ralação, Luís ficou encarregado de selecionar outros Bozos para dividir a labuta com ele. “Primeiro chamei o Arlindo Barreto, depois o Décio Roberto e o Marcos Pajé. Às vezes, nós cinco revezávamos ao longo do dia.” Mas o ambiente estava longe de ser amigável. “Tinha muito desentendimento. Saiu até porrada, de quebrar o camarim e tudo”, afirma. Luís é o único ex-Bozo que segue trabalhando no SBT, quase 30 anos depois de ter pendurado a fantasia.

Arlindo Barreto, o sujeito que inspirou o Bozo do filme de Daniel Rezende, teve um destino bem diferente: durou pouco como funcionário de Silvio Santos. Depois de participar de 15 pornochanchadas, como Palácio de Vênus (1980), Me Deixa de Quatro (1981) e A Noite das Taras (1981), Arlindo vestiu a roupa do palhaço de 1983 até o final de 1986, sempre revezando com Luís Ricardo. Glória máxima, inventou o bordão “Dá uma bitoca no meu nariz”. Acabou afastado em 1987 por conta de seus problemas com cocaína. “De repente, eu não tinha mais nenhum desafio, era um grande sucesso, tinha dinheiro. As coisas ficaram repetitivas. Caí num vazio existencial enorme. Primeiro, tentei preencher isso com sexo. Tinha todas as mulheres que eu queria. Depois veio o álcool, que dava uma certa alegria, mas os efeitos colaterais eram devastadores. Aí eu conheci a cocaína.”, disse numa entrevista em 1999 para a revista Putz. Pouco antes de ser dispensado, Arlindo caiu no banheiro de casa depois de ter cheirado. Quebrou o box com o braço e foi parar na UTI. Depois do baque, virou pastor evangélico.

Mas não é por conta da biografia atribulada que Arlindo grudou na memória coletiva como o Bozo dos Bozos, o maior de todos. Um pouco pelo jeito desleixado e espontâneo, um pouco pela rapidez de raciocínio (como você vê na cena aqui embaixo), ele realmente criou um Bozo mais marcante que os dos colegas:

Outro Bozo, menos conhecido, foi o amazonense Marcos Pajé. Ele era músico da Banda do Bozo quando fez teste para interpretar o palhaço. Pajé ficou no cargo menos de seis meses em 1987. Diz que foi prejudicado porque não era protegido por nenhum diretor da casa. “O Luís Ricardo e o Arlindo ficavam quebrando o pau porque cada um se achava o Bozo oficial do Brasil. O Arlindo queria até fazer uma tatuagem do Bozo no rosto. Eu não, sempre me considerei apenas mais um ator que interpretou o palhaço”, diz. Ele conta que havia disputa acirrada entre os Bozos para ver quem ficava mais tempo no ar. Isso porque além do salário, cada um ganhava comissão sobre as ações de merchandising de que participava. “Quando a gente fazia alguma coisa errada, ou quando tomava umas a mais e não ficava bem disposto para acordar, o pessoal da emissora pegava no pé. Às vezes eles aumentavam o horário do outro, e te colocavam uma semana na geladeira”.

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A pré-história do palhaço

Lá fora, o Bozo nasceu antes da TV. Em 1946, a gravadora americana Capitol lançou o disquinho Bozo at the Circus, compacto com uma história infantil narrada pelo Bozo em pessoa. Ou melhor, pelo mesmo cara que dublava o Pateta no cinema, o ator Pinto Colvig. O disco bateu recordes de vendas, teve várias seqüências lançadas pela Capitol e deu um empregão para Colvig – o dublador, que já tinha sido palhaço de circo e viajava de costa a costa vestido de Bozo para promover os discos. Em 1949 ele foi parar em um meio de comunicação que mal tinha saído das fraldas: a televisão. Sim, o programa do Bozo não só foi um dos primeiros da vida de boa parte desta geração, mas também um dos primeiros da história.

Seja como for, o palhaço seria só mais uma relíquia dos anos 40 se não fosse um homem: Larry Harmon. Ele interpretou o Bozo no começo dos anos 50 e, em 1956, resolveu transformar a coisa em um negócio tipo McDonald’s. Harmon comprou os direitos autorais do personagem e começou a vendê-lo como uma franquia para emissoras locais de TV – vários atores interpretavam o palhaço em cidades diferentes. E os donos de cada emissora pagavam a Harmon. Só nos Estados Unidos foram cerca de 200 franqueados. Até hoje acredita-se que muitos Bozos vivam espalhados pelo mundo. O americano conseguiu vender os direitos para mais de 40 países. Mas, fora dos Estados Unidos, o palhaço só emplacou com força no Brasil, no México, na Grécia, na Austrália e na Tailândia.

Nos Estados Unidos mais de 200 atores foram treinados para viver o Bozo. Ao contrário do que acontecia no Brasil, por lá os direitos não eram reservados a apenas uma emissora. Harmon, o dono do palhaço, res-ponsável inclusive por toda a estilização do personagem (figurino, maquiagem, “corte” de cabelo), queria que apenas um ator fizesse o Bozo. Seu preferido era o comediante Frank Avruch. Mas o so-nho não se concretizou. Dezenas de Bozos proliferaram pelo mundo, alguns até contra a vontade de Herman – como o palhaço da rede americana WGN-TV, que preferia seu Bozo vestido de fantasia vermelha, o que saía completamente fora do padrão estipulado por Herman.

Também nos Estados Unidos, o ator Willard Scott vivia o Bozo. Durante seu programa em uma rádio local, ele fazia merchandising do Mc Donald’s. Mais tarde a rede de lanchonetes contratou Scott para criar um garoto-propaganda próprio para a empresa. Foi assim que o Bozo se transformou no hoje mundialmente conhecido Ronald McDonald’s. Dá para notar o parentesco. Os arcos da letra M estilizada da lanchonete são tal e qual a maquiagem em torno dos olhos usada pelo Bozo.

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Em 1980, Silvio Santos percebeu o potencial da marca Bozo e decidiu trazê-la para cá. A idéia inicial era que o próprio apresentador se vestisse de Bozo, num programa infantil diário. Mas a idéia não funcionou: o dono do Baú foi convencido de que não ficaria bem misturar sua imagem de empresário com a de bufão. “Não deu certo porque o pessoal iria descobrir na hora que era ele. Já imaginou o Bozo dizendo ‘minhas colegas de trabalho’?”, brinca Wanderley Tribeck, mais conhecido como Wandeko Pipoca, o primeiro ator a interpretar o palhaço no Brasil.

Pipoca foi o titular na primeira fase do programa na antiga TVS, quando explodiu a bozomania no país. Ficou no ar de 1980 a 1983. O primeiro disco do Bozo, gravado por Pipoca, vendeu mais de cem mil cópias. O ex-circense Luís Ricardo, como já vimos aqui, assumiu o uniforme azul e vermelho e passou a apresentar o programa ao vivo.

Agora os “amiguinhos” participavam por telefone do jogo da memória, da batalha-naval e da corrida entre os cavalinhos preto, branco e malhado. Então veio Arlindo Barreto, e, com ele e Luís Ricardo se revezando no papel, o programa alcançou o auge. Chegou a ficar nove horas diárias na grade do seu Silvio. Pelo que dá para ver no vídeo aqui embaixo (com Arlindo), não era fácil:

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Com a saída de Arlindo, no final de 1986, a audiência foi caindo, e outros Bozos ganharam mais espaço. Um deles foi o ator Décio Roberto, que fazia alguns horários do programa desde 1984. Décio morreu em 1991, aos 33 anos, de toxoplasmose. Silvio Santos, então, decidiu acabar com o programa. Terminava uma era, que agora chega ao cinema.


Texto baseado em uma reportagem de Marcelo Bortoloti, publicada originalmente na revista Flashback, em 2005

 

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