Camisinha no pornô deveria ser obrigatória? Os EUA votam que não.
A Lei da Camisinha perdeu. Mas a polêmica não era só sobre saúde: era sobre grana, privacidade e até criação de empregos públicos bizarros.
Nesta eleição, os cidadãos da Califórnia só se envolveram em temas polêmicos. Além de decidir entre Hillary e Trump, precisaram votar a legalização da maconha, a proibição da pena de morte e a obrigação de usar camisinhas no set de qualquer filme adulto.
Enquanto a maconha passou e a pena de morte continuou legal, os eleitores votaram contra a Proposição 60, a Lei da Camisinha. A iniciativa foi rejeitada por 53,9% dos californianos. A princípio pode parecer que mais da metade da população está interessada em ver pornografia.
Só que a proposta é bem mais complexa do que parece: ela não envolve só a saúde no trabalho dos atores do pornô, nem apenas o faturamento dos estúdios. A lei também virou uma questão de privacidade e de disputa de poder.
Em primeiro lugar, vale lembrar que a Divisão de Segurança e Saúde Ocupacional da Califórnia, a Cal/OSHA, já exige o uso de camisinha nas filmagens. Os estúdios podem até disfarçar o preservativo nos ângulos ou na pós-produção, mas a princípio ela precisa estar lá.
Só que essa medida não é fiscalizada: a Cal/OSHA só vai atrás dos casos denunciados por fiscais e isso quase nunca acontece. Na prática, existe uma regra de “não pergunte, não responda” que tenta permitir que a indústria do pornô possa ter direito à autorregulação sem muita intervenção do governo.
Se a restrição que já existe começasse a ser fiscalizada, já seria um problema para os estúdios: a maior parte do público não quer ver camisinha no pornô. Na região de San Fernando, o “pólo” americano do pornô, só um estúdio filma exclusivamente com preservativos. É por isso que as produções preferem seguir um sistema rígido de testes de DSTs a cada 14 dias para todos os atores, para tentar garantir o máximo de saúde com o menor dano possível aos faturamentos.
Esse argumento da grana acima da saúde existe – e talvez não seja suficiente para justificar o risco a que os atores se expõem. Mas tem gente que apoia o uso da camisinha no pornô, e mesmo assim votou contra a P.60. Porque, de novo, a lei não é apenas sobre saúde e preservativos.
A P. 60 autoriza o “direito privado de ação”. Ou seja, fosse aprovada, qualquer cidadão da Califórnia se tornaria um fiscal: você viu um filme que parece ter sido filmado sem o uso da camisinha? Ouviu falar que um ator não usou proteção? Pronto: pode abrir seu processo contra o estúdio, o produtor, e até o câmera, com os custos todos pagos pelo Estado.
A lei não fala nada sobre proteger a identidade dos envolvidos nos processos. Se esses documentos vão à registro público, a consequência seria a divulgação dos dados pessoais de muitos profissionais da indústria pornô que trabalham apenas com pseudônimos no dia a dia, na tentativa de evitar, no mínimo, problemas familiares e, em situações mais gritantes, assédio e preconceito.
Outro problema apontado pela oposição foi o autor da proposta, Michael Weinstein, da Fundação de Assistência de Saúde à AIDS. O ativista já tinha gerado revolta ao dizer que o PrEP, um remédio de dose única que reduz o risco de contágio pelo HIV, seria uma “droguinha de festa” usada como desculpa para que as pessoas transassem sem camisinha.
Opiniões à parte, Weinstein colocou na proposta que, caso a P. 60 fosse aprovada pelos eleitores, ele a defenderia perante o governo, que também precisa ratificar a lei. No entanto, nesse caso, ele se tornaria automaticamente um funcionário público, que só poderia ser demitido por voto do poder legislativo estadual.
As bizarrices acima e as imprecisões do texto levaram à oposição em massa à proposta, não só da indústria pornográfica, mas também da imprensa e dos partidos políticos. Tanto os Republicanos quanto os Democratas recomendaram que seus eleitores rejeitassem a medida. Ver esses partidos unidos por uma causa é tão estranho quanto o PT e o PSDB dando as mãos – o que dificilmente seria o caso se só camisinhas estivessem em jogo.