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Casamento homoafetivo: como funciona a tramitação de leis no Congresso?

Ainda há muito chão antes do PL 580/2007, que proíbe o casamento entre pessoas do mesmo sexo, virar uma lei de verdade (se é que ele vai virar). Entenda o caminho de um projeto no Legislativo.

Por Leo Caparroz
Atualizado em 24 nov 2023, 18h18 - Publicado em 24 nov 2023, 18h17

No dia 10 de outubro, uma das comissões da Câmara dos Deputados aprovou um projeto de lei (PL) que proíbe o casamento entre pessoas do mesmo sexo no Brasil. O assunto repercutiu aos montes na internet, com grandes manchetes e discussões acaloradas no Twitter. Volta e meia, conforme o PL passa de mão em mão em Brasília, o assunto volta à tona.

Muitas pessoas se assustaram, achando que o casamento homoafetivo tinha sido proibido no país, o que não aconteceu, e pode não acontecer. Na verdade, um PL precisa passar por muitas etapas antes de realmente sair do papel mas, como essa tramitação é um processo complexo, é fácil se confundir. Vamos destrinchar o rito todo: 

Como é criada uma lei?

Primeiramente, o projeto de lei (PL) precisa ser apresentado. Várias pessoas podem fazer isso: deputados, senadores, comissões, o próprio presidente da República e até cidadãos.

O último caso é um processo um tiquinho mais burocrático. Segundo o site da Câmara, um projeto de lei que parta da iniciativa popular tem que ser proposto por pelo menos 1% do eleitorado nacional.

Atualmente, o número de brasileiros que podem votar é 190.439.124; então, para um projeto de cidadãos ser levado à Câmara, ele precisaria ter quase 2 milhões de assinaturas. Tem mais um detalhe: o PL também tem que ser apoiado por pelo menos 0,3% dos eleitores de pelo menos cinco estados.

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“Isso é um número muito alto. É muito difícil você, de fato, conseguir apresentar um PL por meio desse formato”, afirma a advogada Carolina Plothow. “A Constituição não favorece esse tipo de projeto. É muito mais fácil você tentar vender esse PL para um congressista. Essa formatação é mais para organizações da sociedade civil que querem fazer a mobilização para uma pauta”.

É difícil, mas não é impossível: um exemplo é a Lei da Ficha Limpa, de 2010, que recebeu mais de 1,6 milhão de assinaturas em apoio.

Depois de apresentado, seja lá por quem for, o PL começa a tramitar. Aqui vale uma pequena digressão: tramitar é um juridiquês popularizado. Significa que algo vai passar pelos processos legais (trâmites) que são necessários, seguindo os passos pré-estabelecidos pela lei.

PLs apresentados na Câmara e por outros atores democráticos (como alguém do Executivo ou um cidadão) tramitam primeiro na Câmara; só os PLs que nascem no próprio Senado tramitam de primeira no Senado. 

Lá, eles vão passar por comissões de mérito, que são grupos de deputados supostamente adequados para avaliar a validade de projetos em temas específicos e sugerir melhorias e modificações. 

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Existem 30 comissões permanentes, alguns exemplos são as comissões de Ciência, Tecnologia e Inovação, de Educação, de Defesa dos Direitos da Mulher, de Meio Ambiente e Desenvolvimento Sustentável, de Saúde etc. A lista completa pode ser acessada aqui. A composição desses órgãos é renovada todos os anos. 

O presidente da Câmara dos Deputados pode designar até três comissões para avaliar um PL. Em cada comissão, há um relator, que analisa as sugestões dos deputados e pode alterar ou não – o texto do PL. O relator dá um parecer final, e os integrantes da comissão votam para aprová-lo ou não. Uma vez aprovado o parecer, a bola passa para a próxima comissão.

Depois que todas as comissões de mérito deram seus pitacos, outras agremiações entram em cena. Por exemplo: caso as propostas tenham impacto financeiro, gerem gastos ou tratem de finanças públicas, elas vão para a comissão de Finanças e Tributação (CFT), que checa se elas estão adequadas ao orçamento federal.

O último grupo a tocar no PL é a comissão de Constituição e Justiça e de Cidadania (CCJC). Ela sempre recebe todas as propostas e avalia se estão de acordo com a Constituição. Essas são as chamadas análises de admissibilidade. Caso a CFT ou a CCJC considerem que há algo de errado na proposta, seja por não estar adequada ao orçamento ou por ser inconstitucional, ela é arquivada. 

A maioria dos projetos na Câmara só precisa passar pelas comissões eles têm tramitação conclusiva. Se forem aprovados por todas as comissões, vão direto para o Senado, onde serão votados pelos senadores.

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Alguns projetos, porém, precisam passar por uma outra etapa antes do Senado: o Plenário da Câmara. Isso acontece, por exemplo, caso 10% dos membros da casa legislativa (ou mais) entrem com um recurso solicitando avaliação do Plenário.

No Plenário, o PL passa por uma nova votação que, desta vez, envolve todos os deputados. Na verdade, não necessariamente todos: dos 513, 257 presentes já são suficientes para iniciar uma votação. 

A decisão é tomada por maioria simples: se metade dos presentes mais um decidirem, tá decidido. Por exemplo: se houver 300 deputados na Casa e 151 votarem a favor da aprovação, o PL está aprovado.

Após passar pelo Plenário da Câmara, o PL vai para a próxima Casa: o Senado, que também vai analisar, modificar e votar a proposta. Se algo for alterado, o PL volta para a Câmara, que vai dar uma olhada nas mudanças e optar por mantê-las ou descartá-las.

Outra possibilidade é o projeto ter vindo originalmente do Senado. Nesse caso, as duas Casas só invertem os papéis a proposta que chega dos senadores também vai ser analisada e votada na Câmara, podendo, ou não, sofrer alterações.

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Depois que as duas Casas olharam e aprovaram o projeto de lei, falta a assinatura do Presidente da República, que tem 15 dias úteis para aprová-la (no jargão, sancioná-la) ou vetá-la. Tudo que for barrado, seja o projeto todo ou só algumas partes, vai voltar para o Congresso.

Para derrubar um veto presidencial, é necessário maioria absoluta dos congressistas, ou seja: mais de 257 deputados e 41 senadores. Não adianta ir só uma parte da Casa trabalhar, todos os 513 serão considerados.

Se for sancionado pelo Presidente, inteiro ou em partes, o projeto de lei se torna uma lei de verdade, que é publicada no Diário Oficial da União. 

A situação do PL 580/2007

Até a data de publicação deste texto, 24 de novembro, o PL sobre casamento homoafetivo havia passado apenas pela sua primeira comissão, a de Previdência, Assistência Social, Infância, Adolescência e Família (CPASF).

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Ele ainda precisa passar por mais duas: a de Direitos Humanos, Minorias e Igualdade Racial e a de Constituição, Justiça e Cidadania. Depois disso, ele ainda precisará passar pela votação no Plenário da Câmara, pela votação no Senado e pela sanção do Presidente da República. É um longo caminho. 

O casamento entre pessoas do mesmo sexo é permitido no Brasil, na prática,  desde 2011, quando o Superior Tribunal Federal (STF) determinou, por unanimidade, que um artigo do Código Civil deveria ser interpretado para reconhecer a validade dessas uniões. Desde então, essas relações são equiparáveis às heterossexuais e também consideradas entidades familiares, ainda que não haja uma lei especificamente para isso. 

O PL, como se observa em seu código (580/2007), foi inicialmente apresentado em 2007, pelo então deputado Clodovil Hernandes, que faleceu em 2009. O projeto pretendia alterar o Código Civil para regularizar a união homoafetiva. Ou seja: criar uma lei para sacramentar o que a decisão do STF já permite. 

O que leva à pergunta: por que todo mundo está falando em proibição se o projeto fala em permitir?

É o seguinte: esse PL estava arquivado sob a Comissão de Seguridade Social e Família. Quando essa comissão foi extinta, ele foi redesignado à CPASF.

Nessa troca, ele foi juntado com outros oito projetos que também discutiam sobre a união entre pessoas do mesmo sexo. Essa ferramenta legislativa é chamada de apensamento, e basicamente manda os PLs que falam do mesmo tema darem as mãos e seguirem o mesmo caminho as propostas andam lado a lado e passam pelos mesmos processos juntas.

Assim, O PL 580/2007, que buscava viabilizar o casamento homoafetivo, ficou vinculado, por exemplo, a uma proposta que o proibia: o PL 5167/2009, do ex-deputado Capitão Assumção (nota de edição, é com “m” mesmo) (PSB/ES).

O relator do projeto na CPASF, o deputado Pastor Eurico, rejeitou o texto original e todos os outros PLs, com exceção do de Assumção. Depois desse corte generalizado, o texto final “estabelece que nenhuma relação entre pessoas do mesmo sexo pode equiparar-se ao casamento ou a entidade familiar”.

Então, sim: o projeto que tramita na Câmara hoje pretende mudar o Código Civil para incluir uma proibição à união entre pessoas do mesmo sexo, proibindo cartórios brasileiros de registrarem casamentos e uniões estáveis. Para esses casais, o texto dá a possibilidade de uma “união homoafetiva por meio de contrato em que disponham sobre suas relações patrimoniais”.

Não seria casamento ou união estável, mas uma terceira coisa. Um novo dispositivo legal para “permitir que pessoas do mesmo sexo possam, exclusivamente para fins patrimoniais, constituir união homoafetiva por meio de contrato”. As partes seriam “contratantes” e a união seria só um “contrato”. Os termos “casamento” e “união estável” ficariam restritos às relações entre homens e mulheres.

Na justificativa do projeto de 2009, Assumção afirma que “aprovar o casamento homossexual é negar a maneira pela qual todos os homens nascem neste mundo, e, também, é atentar contra a existência da própria espécie humana”. 

Em seu relatório, Pastor Eurico citou citou trechos da Bíblia e afirmou que “qualquer lei ou norma que preveja união estável ou casamento homoafetivos representa afronta direta à literalidade do texto constitucional”.

O relator também citou a remoção da homossexualidade da lista de transtornos mentais da Associação Americana de Psiquiatria (APA), em 1973, como “o lamentável desfecho que se deu quando a militância político-ideológica se sobrepôs à ciência”.

(Vale ressaltar que esse é um comentário falso: a ideia de que a homossexualidade é um transtorno mental não corresponde ao consenso científico vigente entre psicólogos e psiquiatras.)

Com 12 votos a favor e 5 contra, a comissão de maioria conservadora aprovou o texto de Eurico. Segundo ele, cabe ao Legislativo, e não ao STF, decidir sobre o tema.

Advogados questionam o projeto e sua falta de propósito prático. Alguns apontam que há grande chance da proposta acabar sendo arquivada nas próximas etapas, ou até ser declarada inconstitucional pela comissão de Constituição e Justiça. 

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