Comissão dos Direitos Humanos opta por manter constelação familiar no SUS e na Justiça
A prática costuma ser usada para resolver, mas não passa de uma pseudociência. Entenda.

Na última quarta (7), a Comissão dos Direitos Humanos (CDH) do Senado Federal rejeitou uma sugestão legislativa para proibir o uso da constelação familiar por instituições públicas, como o Sistema Único de Saúde (SUS) e o Poder Judiciário, de acordo com a Agência Senado.
A constelação familiar é uma pseudociência, ou seja, se diz baseada em estudos, mas não é resultado do uso de métodos científicos para a comprovação de hipóteses. Criada pelo alemão Bert Hellinger, na década de 1990, a técnica seria uma vertente terapêutica voltada à resolução de conflitos, especialmente os de família.
Para Hellinger, uma família ideal segue três leis: pertencimento (todos têm direito de fazer parte), hierarquia (ordem entre pai, mãe e filhos) e equilíbrio (os membros compensam falhas uns dos outros). Quebrar essas leis causaria conflitos.
A aplicação da teoria é feita em grupos, em que uma pessoa relata seus traumas e os demais encenam e incorporam os indivíduos presentes nos traumas.
Nos últimos anos, a abordagem da constelação familiar tem sido alvo de críticas devido a várias declarações e conceitos polêmicos proferidos por Hellinger e relatos pessoais de humilhações nestes eventos.
Em entrevista para o UOL, Natália Pasternak, presidente do Instituto Questão de Ciência, diz que “a constelação familiar é uma pseudociência preconceituosa, machista, racista, que revitimiza pessoas, principalmente mulheres vítimas de violência doméstica e de agressão”.
Esse tipo de abordagem reforça papéis tradicionais e rígidos dentro da estrutura familiar, promovendo a subordinação da mulher ao homem, o que pode resultar em consequências psicológicas e sociais prejudiciais, como a culpabilização das mães em casos de abuso sexual dentro da família.
Hellinger já foi acusado de afirmar que a homossexualidade seria uma “doença” que poderia ser curada. Segundo o psicoterapeuta, ele teria, em seu workshop de constelação familiar, conseguido “curar” um indivíduo homossexual.
Outra série de críticas se referem a declarações e práticas de Hellinger em relação a questões graves como abuso sexual, incesto e crimes de guerra. Em uma palestra, Hellinger chegou a sugerir que, quando esposas rejeitam repetidamente os avanços sexuais de seus maridos, uma filha pode “tomar o seu lugar”, criando uma dinâmica de incesto. Também afirmou que criminosos de guerra não deveriam ser responsabilizados por seus crimes, já que estavam apenas seguindo ordens.
Aqui no Brasil, em 2010, o juiz Sami Storch, que foi aluno de Hellinger, criou o Direito Sistêmico, para denominar o uso dessa pseudociência no âmbito do poder judiciário brasileiro. O problema é que não existe regulamentação nos tribunais (a Super já explicou essa história aqui). O SUS também oferece sessões de constelação familiar.
A decisão de manter a prática em instâncias públicas pode ser um perigo. Segundo Daniel Gontijo, doutor em Neurociências pela UFMG e fundador da Associação Brasileira de Psicologia Baseada em Evidências (ABPBE), a psicologia que se baseia em evidências não se preocupa apenas com o sucesso de uma intervenção, mas também com a segurança do paciente.
“Não sabemos até que ponto uma sessão de constelação familiar pode agravar um transtorno mental, por exemplo. Há relatos de pessoas que passaram por abusos e tiveram que se recordar detalhadamente daquilo que aconteceu, o que pode gerar uma dor muito forte.”