Como funciona um pager – e como aparelho pode ter causado explosões no Líbano
Comuns nos anos 1990, eles foram usados como pequenas bombas – e deixaram nove mortos e 2,8 mil feridos.
Atualização
Novas explosões aconteceram no Líbano nesta quarta-feira (18). Desta vez, foram walkie-talkies, não pagers. As detonações causaram mais uma morte e 100 feridos.
Uma versão anterior deste texto levantava a possibilidade dos pagers terem sido hackeados à distância. Fontes da segurança libanesa disseram à agência de notícias Reuters, porém, que explosivos foram implantados nos pagers e walkie-talkies meses antes das detanoções feitas pela agência de espionagem israelense Mossad.
Dessa forma, os pagers já continham uma placa especial, difícil de ser detectada, que ativava a carga explosiva ao receber um código secreto.
A operação teria culminado com a explosão simultânea de 3.000 pagers, quando uma mensagem codificada foi enviada, desencadeando as pequenas bombas escondidas. Fontes de segurança confirmaram à Reuters que pequenas quantidades de explosivos, cerca de três gramas por pager, permaneceram indetectáveis por meses, até serem acionados de uma vez só.
Fim da atualização
Uma série de explosões atingiu o Líbano nesta terça-feira (17), causando a morte de pelo menos nove pessoas e ferindo cerca de 2.800. As detonações ocorreram quase simultaneamente em várias regiões do Líbano e da Síria, gerando uma onda de caos que durou uma hora. Israel foi apontado como autor da ação coordenada, mas ainda não respondeu às acusações.
O incidente envolveu erupções de pagers usados por membros do Hezbollah, grupo armado com forte presença política e militar no Líbano (e que trava disputas com o exército de Israel na fronteira entre os dois países). O Hezbollah adotou esses aparelhos após seu líder, Hassan Nasrallah, alertar para a vulnerabilidade dos smartphones a possíveis infiltrações israelenses.
As autoridades libanesas, em resposta, pediram à população que se desfizesse imediatamente dos dispositivos. O embaixador iraniano no Líbano foi um dos atingidos pelas explosões, além de vários membros do Hezbollah.
As informações divulgadas indicam que essas explosões tenham sido resultado de adulterações nos dispositivos, possivelmente por hackers ou até mesmo através dos fornecedores dos pagers.
O que são os pagers?
Essa pergunta talvez soe óbvia para os mais velhos. Mas vale explicar. Os pagers, ou “bipes”, são pequenos dispositivos eletrônicos que conectam pessoas dentro de uma rede de telecomunicações, permitindo a troca de informações à distância.
O apelido veio do barulhinho que os pagers faziam quando recebiam uma mensagem – um “bip”. Criado no fim dos anos 1940 pelo canadense Alfred J. Gross (também criador dos walkie-talkies), esses aparelhos ganharam popularidade no final do século 20, em versões mais modernas, especialmente nos anos 1980 e 1990.
Naquela época, os bipes se tornaram um verdadeiro fenômeno entre os jovens, oferecendo uma forma prática de se comunicar. No entanto, sua utilidade não se restringiu apenas aos adolescentes: o aparelhinho foi revolucionário no campo da saúde. De acordo com a NHS, órgão da saúde pública britânica (o SUS deles), 130 mil pessoas ainda utilizavam eles até 2019, pela facilidade e rapidez para entrar em contato com pessoas específicas dentro dos hospitais.
Assim como os walkie-talkies, os pagers usam transmissões de rádio para conectar uma central de controle ao destinatário da mensagem. Era basicamente um receptor de rádio de bolso.
O processo é mais ou menos assim: quem deseja enviar uma mensagem liga para um centro de comunicação, onde uma telefonista recebe o número do bipe (que seria como um número de celular) do destinatário e o recado. A mensagem, geralmente breve, é então transmitida pelo profissional e aparece na tela do pager do receptor.
Havia duas formas distintas de transmissão de sinal: a de cobertura restrita e a de alcance extenso. A primeira, como o próprio nome indica, concentrava suas transmissões em uma área menor utilizando transmissores com potência reduzida. Esse tipo de sistema era ideal para locais como hospitais, onde a comunicação interna e rápida era crucial.
Por outro lado, o sistema de alcance extenso funcionava de maneira análoga às transmissões de rádio em nível nacional. Com uma vasta rede de transmissores interligados, conseguia enviar mensagens para todo o país.
É importante observar que os pagers não competiam diretamente com os telefones celulares da época; suas funções eram complementares. O pager era projetado para receber mensagens curtas e instantâneas com eficiência, algo que nem sempre era garantido pelos celulares (mas que pouco a pouco foi sendo substituído pelas mensagens instantâneas).
Os pagers utilizam uma faixa de radiofrequência diferente da dos telefones celulares: os sinais VHF, semelhantes aos utilizados nas transmissões de rádio FM. A maioria operava na faixa de rádio menos congestionada, o que resultava em uma maior confiabilidade, especialmente em situações onde as linhas de telefonia celular podem ficar sobrecarregadas.
Além disso, esses aparelhos eram mais fáceis de manusear do que os dos celulares “tijolão” da época.
Embora sejam considerados tecnologia ultrapassada na era dos smartphones, os bipes ainda possuem vantagens notáveis. Eles são mais eficientes na transmissão rápida de mensagens importantes, já que seus sinais viajam distâncias maiores e requerem menos transmissores do que os sinais de telefonia móvel. Além disso, os sistemas de pager não dependem de plataformas de transmissão de terceiros, como redes celulares ou provedores de serviços de internet. Isso significa que são menos suscetíveis a falhas de rede ou problemas que possam interromper a comunicação por celular.
A explosão dos pagers
Antes da notícia desta quarta (18), de que placas de detonação haviam sido implantadas durante a fabricação dos aparelhos, fontes de segurança trabalharam com a hipótese de que as explosões poderiam ter sido causadas pela detonação da bateria dos dispositivos após um superaquecimento.
Segundo Anderson Delfino e Guilherme Caldas, técnicos de tecnologia da informação pela Universidade Paulista (Unip), qualquer aparelho que recebe sinais via rádio consegue, em tese, ser hackeado.
Para isso, o processo teria que acontecer com o envio de dados móveis maior do que o limite aguentado pelos pagers. “É como colocar o motor de uma Ferrari em um fusca. Se não tem capacidade para receber um volume grande de informação [leia-se: energia], as placas dos pagers não suportam e explodem”, diz Delfino.
Porém, o fato dos bipes não estarem conectados na internet tornaria a tarefa de hackeá-los muito mais difícil.
Relatórios anteriores indicam que as forças de inteligência israelenses já inseriram explosivos em celulares pessoais para atingir inimigos. Além disso, hackers já demonstraram a capacidade de introduzir códigos em dispositivos pessoais, que permitem o superaquecimento e, em alguns casos, explosão de aparelhos.
Na terça (17), Paul Christensen, especialista em segurança de baterias de íons de lítio da Universidade de Newcastle, já havia adiantado em entrevista à agência de notícias Reuters que o nível de destruição causado pelas explosões dos pagers não era compatível com falhas conhecidas desse tipo de bateria.
“Estamos falando de uma bateria relativamente pequena pegando fogo, não de uma explosão fatal. Eu precisaria saber mais sobre a densidade de energia dessas baterias, mas minha intuição me diz que isso [a causa das explosões ter sido apenas as baterias] é altamente improvável”, afirmou. Christensen estava certo.