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La Rinconada: como é a vida e o clima na cidade mais alta do mundo

Conheça a cidade sem polícia, água encanada, sistema de esgoto ou coleta de lixo. O que ela tem? Muito ouro.

Por Bela Lobato
Atualizado em 26 ago 2024, 16h00 - Publicado em 24 ago 2024, 19h00

Escondida no leste da Cordilheira dos Andes, a 5.100 metros acima do nível do mar, La Rinconada é o assentamento permanente mais alto do mundo. A cidade peruana não tem água encanada, sistema de esgoto ou coleta de lixo. No entanto, 50 mil pessoas vivem em meio ao ar rarefeito por causa de um recurso valioso: o ouro.

O que era um pequeno povoado com algumas dezenas de habitantes à sombra do Monte Ananea se transformou no começo dos anos 2000, com o aumento vertiginoso do valor de mercado do ouro. O mineral quintuplicou de valor nas últimas duas décadas e levou milhares de trabalhadores a tentarem a sorte nas minas de La Rinconada. Sem planejamento urbano, a cidade enfrenta pobreza extrema, problemas sanitários e de segurança.

O clima de La Rinconada

Apesar de estar a uma latitude semelhante à de Brasília, a temperatura média anual em La Rinconada é de 1,3ºC, com nevascas e geadas intensas. Entretanto, a maioria das casas sequer têm janelas, e os habitantes se viram com cobertores.

Barracos de metal corrugado, casas de garimpeiros, vistos na encosta de uma montanha íngreme sob uma geleira em La Rinconada, Peru.
(Jan Sochor / Getty Images/Reprodução)

A respiração na cidade fornece ao corpo humano cerca de metade do oxigênio que é obtido no nível do mar. Quem chega de fora precisa de um mês para se adaptar. Assim, a cidade é conhecida como a capital mundial da Síndrome Crônica da Montanha, ou CMS, na sigla em inglês. O distúrbio é provocado pela falta de oxigênio e causa sintomas como tonturas, dores de cabeça, zumbidos, palpitações, insuficiência cardíaca e, em alguns casos, morte. 

A “cura” é voltar para altitudes mais baixas, embora alguns dos danos da CMS possam ser permanentes. Em La Paz, capital da Bolívia, que fica a 3.600 metros de altitude, estima-se que de 6% a 8% dos residentes (cerca de 63 mil pessoas) tenham CMS. Segundo um estudo publicado em 2020, um em cada quatro habitantes de La Rinconada sofre com CMS.

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Condições de trabalho nas minas

Outro problema importante está nas condições de trabalho dos mineradores: as minas são informais, o que significa que não há regulamentação de direitos trabalhistas. Antigamente, os mineiros passavam até 30 dias seguidos nas minas, sem receber nada. Ao fim, recebiam um salário determinado pela quantidade de ouro coletado.

Hoje, impera um sistema diferente, chamado de cachorreo, que se assemelha a uma loteria. Os proprietários de minas não pagam salário a seus trabalhadores; em vez disso, em um ou mais dias do mês, eles permitem que o trabalhador leve para casa todo o minério que puder carregar em sacos de 50 quilos. Assim, uma grande parte da população não tem nenhuma garantia do valor que receberá pelo mês de trabalho, e vivem na pobreza extrema.

As mulheres não podem entrar nas minas. Algumas delas, chamadas pallaqueras, ficam ao redor da entrada das minas, tentando recuperar alguma quantidade de ouro que esteja perdida em meio ao minério descartado. Muitas mulheres trabalham nos bares e bordéis de La Rinconada – inclusive meninas menores de idade e vítimas de tráfico humano. Entre os mineiros, há uma crença de que a sorte vem para os que bebem muito e têm relações sexuais com mulheres jovens.

Mulheres trabalhando em mina de ouro com um martelo nas mãos.
(SOPA Images / Getty Images/Reprodução)
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Contaminação por mercúrio

As grandes quantidades de minério são retiradas da cidade e processadas em outros locais para que o ouro seja extraído. Entretanto, as quantidades extraídas em dias de cachorreo ou pelas pallaqueras são processadas na própria cidade. O minério é esmagado e misturado com o mercúrio, que se liga ao ouro formando uma liga.

Ouro maciço é visto na palmeira de um mineiro em La Rinconada, o assentamento permanente mais alto do mundo, em Puno, Peru
(Anadolu / Getty Images/Reprodução)

Mas ainda é preciso separar o ouro do mercúrio, que é extremamente tóxico. Esse processo delicado não é feito com medidas de segurança: os trabalhadores usam um maçarico para transformar o mercúrio em um vapor. Essa gás se infiltra pelas moradias e contamina o ar que é respirado. 

O vapor tóxico do mercúrio também se desloca sobre a geleira acima de La Rinconada, condensando-se no gelo e envenenando o suprimento de água potável. Globalmente, esse tipo de processamento de ouro é a principal fonte de mercúrio liberado pelo homem na atmosfera da Terra.

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No final, o ouro que sai de La Rinconada é processado e exportado para os Estados Unidos e a Suíça, que o transformam em barras de ouro e jóias brilhantes. A essa altura, já não há nada no ouro que indique a quantidade de destruição que foi provocada na pequena cidade andina para extraí-lo.

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