Livro da semana: “Não aguento mais não aguentar mais”, de Anne Helen Petersen
A jornalista Anne Helen Petersen analisa a crise existencial dos millennials – e explica o que há de verdade nessa etiqueta geracional que virou piada na internet.
Colocar pessoas em caixinhas é tentador. Humanos adoram classificações. Nós fazemos isso, por exemplo, ao acreditar em signos: a ideia de que as personalidades possam de alguma forma ser organizadas conforme o movimento dos astros (por mais absurda que seja) é tão satisfatória quanto ver uma gaveta arrumada ou o padrão geométrico em um piso de azulejos.
Mesmo quem não dá bola para Marte ou Mercúrio com certeza já fez um teste de personalidade do tipo Meyers-Briggs para descobrir em qual das 16 personalidades se encaixa (algum leitor, neste momento, com certeza dirá que o repórter esculacha horóscopo porque é um INTP. O leitor estará correto).
Em 1991, os escritores americanos William Strauss e Neil Howe fizeram um dos mais célebres exercícios pseudocientíficos de encaixotamento de pesssoas. No livro Generations, eles dividiram toda a história dos EUA em gerações, e então atribuíram personalidades a cada uma delas. Depois, argumentaram que gerações com certos traços de personalidade ressurgiam em intervalos previsíveis, cíclicos.
O livro foi unanimemente esculachado por historiadores sérios, e hoje caiu em relativa obscuridade, mas trouxe para o debate público uma palavra que tomou a internet de assalto: millennial. Um nome genérico para definir os nascidos entre 1980 e 1996 (ou outras datas próximas disso).
Millennials são acusados de tudo: de serem preguiçosos crônicos, sofrerem de uma síndrome de Peter Pan incurável, de gostarem excessivamente de Harry Potter, de serem grandes clientes de psicólogos, de darem ao Starbucks mais crédito do que ele merece. E todos esses clichês são verdade, em alguma medida.
Por outro lado, eles realmente não deram sorte: pessoas que tem entre 25 e 40 anos hoje entraram no mercado de trabalho (ou viveram o auge de suas carreiras) quando a crise de 2008 fez o Ocidente desmoronar de um jeito inédito desde o crash de 1929.
Eles pegaram um mercado de trabalho dominado pela terceirização e o trabalho informal via aplicativo, em que cada vez menos empresas estão dispostas a contratar funcionários CLT – recusando direitos trabalhistas enquanto enchem bolsos de acionistas de dinheiro e fazem campanhas publicitárias inclusivas para disfarçar.
Enquanto jovens pobres se exaurem dirigindo Ubers ou entregando comida de bicicleta, jovens ricos entram em um ciclo depressivo de caçar o próximo trabalho freelancer (ou desperdiçam a juventude em cursinhos tentando passar em vestibulares de cursos concorridos, presos para sempre no ensino médio por pressão de famílias que não aceitam nada menos que medicina).
No livro Não aguento mais não aguentar mais, a jornalista Anne Helen Petersen não faz horóscopo de gerações: usa dados sólidos para mostrar como o contexto político, social e econômico das duas primeiras décadas do milênio moldou as pessoas que entraram no mercado de trabalho nesse período.
O livro é sobre os EUA, e não tem nenhuma pretensão de falar de outros países. Por um lado, é interessante ver o quanto os Estados Unidos moldaram quem estava em sua esfera de influência geopolítica: em alguns trechos (principalmente os que falam do passado recente e do presente), é fácil esquecer que Petersen fala de outro país, tamanhas as semelhanças com o Brasil.
Em outros trechos, fica clara a diferença que faz crescer em um país desenvolvido: Petersen não precisa lidar com uma crise de hiperinflação ou uma ditadura ao analisar a vida nos EUA nas décadas de 1980 e 1970. Fica difícil transpor certas conclusões para o contexto brasileiro quando há tantos acontecimentos diferentes entre as histórias dos dois países.
Quem não tem livro nacional, caça com livro gringo: enquanto um jornalista brasileiro não fizer a versão nacional da obra, o livro de Petersen certamente vai dar algum alívio a todos os millennials em crise existencial.