O tempo está passando mais rápido?
Não muito: a Terra gira só 1,7 milissegundo mais devagar a cada século. Mas nossa percepção subjetiva é outra história. Entenda por que os anos dão a ilusão de encurtar conforme envelhecemos – e por que o mundo contemporâneo nos faz montar cronogramas até para nossos momentos de ócio.
Texto: Eduardo Lima | Ilustração: Ina Gouveia | Design: Juliana Krauss | Edição: Bruno Vaiano
Isaac Newton, o pai da física moderna, escreveu em 1687 que “o tempo absoluto, verdadeiro e matemático, por si e por sua própria natureza, flui uniformemente sem relação com qualquer coisa externa”. Foi seu jeitinho britânico e elegante de dizer que o tempo passa e ponto, acabou. Não há o que nós ou qualquer outro ente do Universo possamos fazer para forçá-lo a andar mais rápido ou mais devagar.
Por muito tempo, essa máxima fez todo o sentido. Então, Einstein chegou. No comecinho do século 20, ele percebeu que o tempo é como uma quarta dimensão, além das três que conhecemos: para cima e para baixo, para frente e para trás e para os lados. Quando você precisa se mover no espaço – digamos, para ir à padaria –, você acaba obrigatoriamente se deslocando mais devagar no tempo. E aí, o relógio gira mais lentamente do seu ponto de vista.
Um viajante do cosmos cuja nave alcançasse uma porcentagem razoável da velocidade da luz permaneceria jovem em relação a seus parentes na Terra, que envelheceriam mais rápido. Da perspectiva da própria luz – que viaja à velocidade máxima do Universo, 300 mil km/s –, é como se o tempo estivesse parado, e todo o movimento ocorresse no espaço.
Parece difícil entender tempo e espaço como faces da mesma moeda, mas é só pensar em todas as metáforas espaciais que usamos para falar do calendário: “O passado está distante” ou “O Natal está chegando”.
Se o tempo é relativo, é por isso que ele parece passar mais rápido? Porque você anda se deslocando muito até o trabalho e de volta para casa? Não. As distorções da Teoria da Relatividade são insignificantes no dia a dia, já que nenhum veículo alcança sequer 1% dos tais 300 mil km/s. No cotidiano, é como se a máxima de Newton continuasse valendo.
O tempo do relógio
O ser humano começou a medir o tempo há milênios, observando o movimento dos astros, a mudança das estações e construindo para si calendários e relógios de sol. Os dias deixaram de ser a medida básica de tempo e começamos a usar horas, minutos e segundos.
Hoje, o alicerce da medição científica do tempo são os relógios atômicos. A duração de um segundo, de acordo com o Sistema Internacional de Unidades (SI), é o tempo que um átomo de césio-133 leva para oscilar 9.192.631.770 vezes.
Fernando Iemini, pesquisador do Instituto de Física da Universidade Federal Fluminense (UFF) apoiado pelo Instituto Serrapilheira, tem como objetivo encontrar métodos confiáveis e precisos para medir o tempo. Ele trabalha com relógios quânticos, que podem alcançar uma acurácia impressionante. Mais especificamente, Iemini estuda os chamados cristais temporais, um estado da matéria diferente dos sólidos, líquidos e gases que conhecemos.
Em um cristal comum, como um diamante, os átomos se agrupam num padrãozinho geométrico previsível, feito legionários romanos marchando em formação. Já num cristal temporal, o padrão ocorre no tempo, e não no espaço: os átomos oscilam numa peculiar sincronia.
Usando relógios atômicos, com sua precisão de várias casas decimais, os físicos perceberam há algumas décadas que você tem mais tempo num dia do que seus tataravós. Não concorda? Talvez porque você não perceba: a duração dos dias no nosso planeta (ou seja, o tempo que ele demora para dar uma volta em torno de si mesmo) aumenta 1,7 milésimo de segundo a cada século.
Isso acontece porque a Lua está se afastando da Terra. Conforme ela se afasta, ela rouba do nosso planeta uma propriedade física chamada momento angular. E, conforme perdemos momento angular, nossos dias se alongam. Quando a vida surgiu, uma rotação do nosso rochedo cósmico durava apenas 12 horas.
Se a Relatividade de Einstein não se aplica a nós – e temos até alguns milésimos de segundo a mais do que nossos ancestrais –, por que, então, sentimos o relógio girar mais rápido do que antes? Talvez a biologia e a psicologia tenham a resposta.
O tempo do corpo
Em 1962, Michel Siffre, um geólogo de 23 anos, se refugiou numa caverna no sul da França durante dois meses, sem relógio. Isolado de outras pessoas e do Sol, ele queria viver longe do tempo e entender como seu corpo reagiria. Ele entrou lá no dia 16 de julho e planejava sair dois meses depois, em 14 de setembro.
No dia 20 de agosto, seus parceiros na superfície o chamaram para cima. Algo tinha dado errado e ele precisava sair antes da hora? Não. Na verdade, a data certa era 14 de setembro, e o relógio circadiano de Siffre, sem a exposição à luz solar, ficou desregulado a ponto de ele achar que só 35 dias tinham se passado num período de 60.
Para se manter ajustado, nosso relógio circadiano precisa do Sol. A luz que entra pelo olho avisa se é dia ou noite ao núcleo supraquiasmático, a estrutura do sistema nervoso que atua como relógio central, ajustando os outros relógios menores do corpo.
O metabolismo segue esse relógio natural. Sua tolerância à dor é mais alta no início da manhã, e sua susceptibilidade ao álcool aumenta entre dez da noite e seis da manhã. Trocar o dia pela noite pode tirar seu relógio interno de sincronia com os processos básicos de manutenção do seu corpo, o que leva a uma propensão maior a diabetes e obesidade.
Apesar de uma razoável centralização no cérebro, perceber o tempo ainda é um trabalho coletivo. Todas as células do corpo têm um tique-taque próprio que funciona com base na fabricação e degradação cíclica de proteínas. Além disso, esses dados mais objetivos se misturam a nossas emoções, nossas memórias e à atenção que dedicamos (ou não) a uma tarefa. Tudo isso culmina na percepção subjetiva do tempo, de maneiras que só estamos começando a compreender.
Uma descoberta nessa seara é que o cérebro é rápido, mas não instantâneo. Computar todas as variáveis que descrevemos acima demora. Fazendo experimentos com ilusões de ótica, o neurocientista David Eagleman, da Universidade Stanford, descobriu que o pensamento consciente tem um delay em relação à experiência física das coisas. No cérebro, o que entendemos como presente, na verdade, já ficou 0,08 segundo no passado.
Nada disso, porém, explica por que o tempo voa. Em alguns contextos, essa explicação é fácil, claro: quando você está se divertindo, não olha muito no relógio, e aí fica com a ilusão de que ele caminhou em saltos maiores. Mas também existe a ilusão compartilhada – 80% das pessoas relatam senti-la – de que o tempo passa mais rápido conforme ficamos mais velhos. E essa vale uma dose extra de atenção da ciência.
Uma primeira hipótese para explicar isso foi formulada no fim do século 19 pelo filósofo Paul Janet. Se, quando tenho cinco anos, um ano representa 20% da minha vida, esse peso proporcional cai para 2% quando tenho 50. Daí os anos parecerem cada vez mais curtos.
Até faz sentido matemático – mas acontece que nosso cérebro não é bom de matemática. Nós armazenamos memórias de longo prazo com base na importância que atribuímos aos acontecimentos, e o número de acontecimentos armazenados ao longo de um ano é grande parte do que determina a percepção subjetiva de sua duração. Fica difícil, portanto, comparar os anos entre si de maneira idônea, como nacos de duração idêntica.
Daí a hipótese preferida atualmente: sentimos que o tempo passa mais devagar quando estamos vivendo coisas memoráveis com mais frequência. E, em geral, acontecimentos memoráveis se concentram na adolescência e na juventude. Os psicólogos chamam isso de reminiscence bump: entrevistas com voluntários mostram que as lembranças tidas como mais importantes para adultos com mais de 40 anos normalmente acontecem na faixa dos 20.
A rotina de trabalho, filhos, exercícios, pós-graduação etc. torna o tempo uma maçaroca indistinta, e alguns checkpoints do ano de uma criança ou adolescente – como o Natal, as férias ou a Páscoa – perdem importância. Olhando para seus anos mais recentes, muitos adultos não têm tantos eventos dignos de nota para orientar seu senso de duração. E, por isso, acabam achando que tudo passou rápido.
O tempo do dinheiro
Nem toda vida, porém, se tornará menos memorável com a idade. E nem todo jovem sente, necessariamente, que tem tempo. Outros experimentos detectam que, especialmente no mundo contemporâneo, a sensação de que o tempo voa é comum a todas as faixas etárias.
Primeiro, o óbvio: o tempo parece passar mais rápido quando uma pessoa se sente mais atarefada. Um experimento do psicólogo Steve Baum mostrou isso entrevistando 300 idosos entre 62 e 94 anos no Canadá. 60% dos participantes disseram que o tempo passava mais rápido agora. Esses indivíduos eram geralmente os mais ativos do grupo, se sentindo joviais e com propósito na vida. Já os 13% que sentiam o tempo passar mais lentamente estavam mais propensos a apresentar sintomas de depressão.
Outra pesquisa, de 2010, realizada por cientistas da Universidade Duke e da Universidade de Amsterdã, mostrou de novo que não importa a faixa etária, e sim o estilo de vida dos participantes. Os entrevistados dessa ocasião, que eram adultos entre 16 e 90, também estavam atarefados, mas não de um jeito cheio de propósito como as idosas canadenses: eles relataram que o tempo voava porque não conseguiam fazer tudo que queriam e precisavam.
Inicialmente, a espiral de progresso tecnológico começada na Revolução Industrial parecia um progresso libertador aos idealistas: com as máquinas fazendo o trabalho duro para nós, sobraria mais tempo para nos dedicarmos ao ócio, às artes e aos hobbies. Acabou que a utopia não era tão simples de implantar.
Em 1931, o economista John Maynard Keynes – cujas ideias ajudaram a salvar os Estados Unidos da Grande Depressão de 1929 – publicou um ensaio chamado “Possibilidades econômicas para nossos netos”, imaginando o mundo um século depois. Com base no progresso econômico das décadas anteriores, ele previu que o padrão de vida seria tão melhor que ninguém precisaria trabalhar mais que três horas por dia, com tempo livre de sobra graças aos avanços da modernidade.
Quase cem anos depois, o sonho de Keynes não parece nem estar no horizonte. No século 21, os expedientes acabaram flexibilizados e o horário comercial de muitos trabalhadores de escritório se estendeu informalmente – para não falar em autônomos que prestam serviços via aplicativos de carona ou delivery, e precisam se submeter a jornadas longas para extrair uma remuneração razoável das tarifas baixas, que volta e meia flutuam ao sabor dos algoritmos.
Notebooks e celulares permitiram levar o trabalho para casa e borrar as fronteiras entre o tempo de trabalho e o tempo de ócio: não é incomum continuar respondendo mensagens via WhatsApp noite adentro.
É evidente que horários flexíveis e mesmo a uberização dos serviços têm vantagens na opinião de muitos CLTs e autônomos – inclusive os de renda mais baixa –, mas o lado ruim dessas novas relações de trabalho acaba maquiado com um discurso que glamouriza palavras-chave como “independência” ou “empreendedorismo”.
A hipótese psicológica da densidade de eventos explica que, quanto mais acontecimentos nossos sentidos percebem, mais rápido fica nosso ritmo interno. Um celular que não para de vibrar com notificações e mensagens, então, funciona como uma ferramenta de aceleração do tempo na nossa percepção subjetiva.
Enquanto isso, pesquisas dirigidas pelo psicólogo Peter Tse na Universidade de Dartmouth, nos EUA, mostram que um evento parece durar mais tempo quando prestamos atenção nele. Agora é só juntar essas duas afirmações: no feed infinito de uma rede social, nossa atenção está sendo disputada por vários posts em uma sequência rápida. Não prestamos atenção em nada direito, e o tempo voa.
Num mundo acelerado, ter tempo é um privilégio. “Fazer o tempo andar no ritmo do humano e não no ritmo das demandas, infelizmente, é para poucas pessoas”, diz Luís Mauro Sá Martino, jornalista e doutor em Ciências Sociais pela PUC de São Paulo e autor do livro Sem tempo para nada. Ele explica que a aceleração do tempo afeta todo mundo, mas que a capacidade de combatê-la varia de acordo com a desigualdade social.
As horas de ócio são mais bem aproveitadas por quem pode ir para o trabalho de carro ou morar perto do escritório, sem precisar passar duas horas no ônibus lotado para começar o expediente.
Para não falar na jornada dupla de mulheres, que fazem todo o serviço doméstico sem ajuda dos parceiros. Dinheiro não compra tempo, mas compra um carro e um apê mais perto de empregos e serviços básicos – que são sinônimo de tempo, especialmente nas metrópoles mal planejadas do Brasil.
Em suma: quem é mais rico, paradoxalmente, tem mais tempo livre e consegue ser mais produtivo no tempo que passa trabalhando – é bem mais fácil começar o expediente se você não acabou de ser ejetado de uma lata de sardinha. Karl Marx já disse: “O tempo de trabalho não é mais de forma alguma a medida da riqueza, mas sim o tempo disponível”.
O tempo livre
Não é tão livre assim, é claro. O sociólogo alemão Theodor Adorno questionou, já no fim dos anos 1960, se não estaríamos planejando nossos momentos de descanso como se fossem momentos de trabalho. O tempo livre precisa oferecer o máximo de diversão possível, e por isso precisa ser organizado minuciosamente.
Um dos maiores rabugentos das ciências humanas do século 20, Adorno não estava criticando a diversão. O que ele queria dizer é que, quando temos tão pouco tempo livre, o lazer vira um imperativo. Acabamos voltando para a lógica de uma fábrica, mas agora queremos produzir descanso.
Quando até o descanso vira espaço para produção, ninguém nunca descansa de verdade. A Associação Nacional de Medicina do Trabalho diz que cerca de 30% dos trabalhadores brasileiros sofre de síndrome de burnout.
Sem surpresas: se você não consegue acordar cedo, malhar, tomar um café da manhã balanceado, ler um livro, resolver vinte tarefas no trabalho, voltar para casa, preparar uma janta com teor de proteína adequado, assistir ao jornal e à série do momento e meditar, você sente que é uma fraude. E aí, é claro, todo mundo se declara uma fraude. Trata-se de um surto coletivo interpretado como problema individual.
A aceleração também nos deixa com menos tempo para as relações sociais. Muitas pessoas acabam dormindo menos e saindo pouco com os amigos e a família para conseguir bater metas de produtividade incompatíveis com as 24 horas do dia. O cansaço vira um problema social crônico.
Mas o cansaço não é o fim. O escritor austríaco Peter Handke escreveu que “a inspiração do cansaço diz menos o que se deve fazer do que aquilo que pode ser deixado de lado”. Podemos aprender com nosso cansaço generalizado a parar de fazer aquilo que acelera o tempo.
“Não existe solução individual para um problema coletivo”, explica Sá Martino. Mas algumas coisas podem partir de você: limitar o uso das redes sociais já é uma forma importante de tomar de volta um pouco do tempo perdido.
Neste ano, o Rio de Janeiro elegeu como vereador Rick Azevedo, o fundador do Movimento VAT (Vida Além do Trabalho), que defende o fim da escala 6×1, muito comum para quem trabalha com comércio, com seis dias de trabalho e só um para descanso. Algumas poucas empresas no Brasil já começaram a trabalhar numa escala 4×3, com um fim de semana de três dias.
Alguns países já estão passando leis para limitar o alcance do trabalho fora do horário de serviço. Em 2017, a França reconheceu o direito dos trabalhadores de se desconectarem depois do expediente. Em 2019, Portugal proibiu as mensagens profissionais depois de bater o ponto.
O sociólogo Hartmut Rosa (olha só, se não é outro alemão) ficou surpreso quando o mundo parou em 2020. Para ele, a pandemia mostrou que é possível “frear as máquinas aceleradoras” – seu trabalho gira justamente em torno da aceleração como uma característica essencial do mundo contemporâneo.
Em 1871, alguns revolucionários na França pareciam sonhar com essa possibilidade. Nos primeiros dias da revolta que se tornou a Comuna de Paris, eles começaram a atirar contra os relógios públicos. Era o jeito de os operários dizerem que queriam ser donos do próprio tempo.
Sá Martino recupera o clichê: “Na modernidade, tempo é dinheiro. E essa equação, a meu ver, é bastante cruel, porque o dinheiro você consegue recuperar, mas o tempo não”. Se tempo é dinheiro, tudo tem que ser produtivo. Ler uma revista como esta, por exemplo, pode ser considerado uma perda de tempo, já que você não está produzindo nada de valor monetário óbvio, só obtendo conhecimento e prazer.
Então, vá lá e atire o possível contra seus relógios. Afinal, é fato que o relógio gira mais rápido quando estamos sobrecarregados – mas é fácil esquecer que ele também corre quando estamos felizes e entretidos. Se não há como impedir que o tempo voe, então faça com que ele voe por um bom motivo.