Quais serão os poderes de Moro como Ministro?
O que, afinal, o juiz Sérgio Moro vai ter direito de fazer ao assumir a pasta que funde, entre outras coisas, os ministérios da Justiça e Segurança Pública?
Eram cerca de 11 horas da manhã desta quinta, quando o juiz federal Sérgio Moro anunciou que iria aceitar o convite para cuidar de um novo ministério no governo de Jair Bolsonaro.
Ele mistura atribuições que hoje pertencem a ministérios diferentes. Funde o Ministério da Justiça e o da Segurança Pública em um só, que também fica responsável pela Controladoria Geral do União (a CGU) e o Conselho de Controle de Atividades Financeiras (Coaf) – esse último hoje é controlado pelo Ministério da Fazenda (que também vai parar de existir, e se tornar o Ministério da Economia).
É bem possível que você tenha ouvido muito sobre o assunto desde o anúncio – e, mesmo assim, é capaz de ter restado uma dúvida crucial: afinal, o que Moro poderá, de fato, fazer?
Para responder a pergunta, antes de mais nada, vamos resumir rapidamente as atribuições de outros espectros do poder em Brasília.
Temos o Legislativo, o Judiciário e o Executivo – os famosos Três Poderes. O primeiro cria as leis, o segundo julga pessoas, empresas, tudo aquilo que está submetido a essas leis. E o executivo? Bem, ele a função dele é função administrativa. O presidente – chefe do Executivo – é quem decide como funcionam as contas da casa toda. Ou seja: onde quer gastar o dinheiro das contribuições nacionais, que são o que suporta o sistema todo. Esse orçamento, por sua vez, é aprovado pelo legislativo, para equilibrar as coisas.
Ou seja: o tempo todo temos um poder “esbarrando” no outro – o que é ideal para manter todo mundo na linha. Mas para “reger” essas interações do melhor jeito possível, existem cargos essenciais.
Chegamos, finalmente, ao papel do Ministro da Justiça – ele, essencialmente, administra as questões do Executivo em relação, bem, à justiça.
“O ministro da Justiça pode, por exemplo, separar uma parte da verba federal para a construção de um maior número de presídios”, afirma Flávio de Leão Bastos, professor de direito constitucional da Universidade Presbiteriana Mackenzie.
“Fica a cargo dele também, traçar estratégias para as polícias: destinar verbas para equipamentos, nomear o novo superintendente da PF, capacitar a inteligência policial, coordenar intercâmbios com policiais com equipes de outros países, ou até mesmo criar uma área assessoria jurídica a policiais acusados de violar a lei. Esse tipo de administração é responsabilidade dele”, completa.
O Ministro administra a grana (e a estratégia) em tudo que se relaciona à Justiça – o que inclui verbas para presídios, equipamentos e até para intercâmbios da Polícia Federal com colegas estrangeiros.
O ministro também é responsável por dialogar com outros poderes, sobre os assuntos relacionados à justiça. “Se tivéssemos uma onda de ataques de ódio, por exemplo, o ministro teria que se envolver nessa discussão para que, junto com o legislativo e o judiciário, fossem apresentadas possíveis soluções”, diz Flávio.
E, falando em outros poderes, esse é um ponto chave no futuro cargo de Moro. Só o Legislativo pode criar novas leis – mas, como ministro, Moro pode sugeri-las e submeter suas ideias a aprovação.
“Ele não pode interferir no trabalho dos juízes, mas pode propor leis ao congresso. Ele poderia tentar consolidar uma lei, por exemplo, que faça com que delações premiadas temham um maior valor na hora do julgamento. Ou a ampliar a lei anti-terrorismo, dentro do contexto desse governo”, afirma Bastos.
Mais detalhes sobre a amplitude dos poderes de Moro são incertos. “Não foram divulgados detalhes sobre a fusão dos ministérios. É impossível, então, cravar quais vão ser suas atribuições totais”, completa.
Conseguimos adiantar, no entanto, que sim, provavelmente corrupção será um grande tópico para Moro – ou para qualquer um que assumisse essa mistura de Ministérios. É que algumas das atribuições que acabaram indo parar na mão do Ministro da Justiça tem justamente esse tema como foco.
Se o presidente (e o executivo como um todo) tem o poder de decidir como gastar o dinheiro de um país, órgãos como a CGU foram criados para manter essas decisões na linha – cobrando que um governo preste contas, de forma transparente, sobre tudo aquilo que envolve grana. E, vale lembrar, não é só a CGU que está envolvida na fusão.
“Dá para dizer que há um trabalho de sincronização de poderes que fiscalizam a corrupção. O Coef, por exemplo, é um conselho destinado a investigar ocultação de bens e lavagem de dinheiro”, completa.
Resumindo bem: as atribuições de Moro se resumem à administração do dinheiro e ao diálogo com outros poderes para que a Justiça brasileira tenha um perfil mais parecido com o que Bolsonaro imagina para o país.
“Se isso vai se concretizar ou não, depende. O importante é haver um cuidado para que não aconteça nada inconstitucional, que os limites dos outros poderes não sejam transpostos”. E não cabe, segundo Bastos, apenas ao Legislativo e ao Judiciário garantir esse equilíbrio – a sociedade civil também tem papel importante: “Os juízes vão ter que fiscalizar essas ações, juntamente com organizações como a OAB, e movimentos sociais”.