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Sem imprensa livre não há fatos, só propaganda

Autoridades de direita e de esquerda têm um incômodo ponto em comum: não lidam bem com o conceito de liberdade de imprensa. E sempre que podem usam de seu poder para acuar jornalistas. Isso não cabe numa democracia.

Por Alexandre Carvalho
Atualizado em 17 jul 2020, 12h15 - Publicado em 17 jul 2020, 12h12
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  • “Porra, rapaz, pergunta pra sua mãe.” Respostas assim se tornaram recorrentes em frente ao Palácio da Alvorada. Também foi diante da residência oficial do presidente da República que o atual morador insultou Patrícia Campos Mello, da Folha de S. Paulo, repórter que denunciou o uso de mensagens ilegais durante a campanha presidencial: “Ela queria dar o furo”, disse em tom jocoso. “Furo” é quando uma informação relevante é apresentada por um veículo de comunicação antes de seus concorrentes. No jargão dos tios do pavê, a gente sabe que é outra coisa. 

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    Desde a redemocratização, Bolsonaro é o chefe do Executivo que mais se sente incomodado com a imprensa livre. E a falta de educação é só a faceta folclórica desse ódio. O presidente criou um cercadinho à frente do Palácio para constranger jornalistas que fazem sua cobertura, colocando-os lado a lado com seus seguidores mais raivosos.

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    Nesse contexto de perene conflito, Bolsonaro elegeu o Grupo Globo como o subversivo supremo. “Vocês, da TV Globo, o tempo todo infernizam minha vida, porra.” O presidente já ameaçou não renovar a concessão pública da emissora, que vence em 2023, mas cuja continuidade pode ser decidida até abril de 2022, ainda no seu mandato atual.

    Nessa fúria contra a TV dos Marinho, o capitão encontra a empatia de um antecessor: Lula. Em janeiro deste ano, o petista comparou o jornalismo da Globo ao nazismo. E chegou a defender Bolsonaro quando o assunto foi a relação com a imprensa. “Acho que tem crítica que ele faz que é correta. Na greve dos jornalistas de 1979, os donos de jornais descobriram que não precisavam tanto de jornalistas, que poderiam fazer jornalismo sem precisar do jornalista. O Bolsonaro está provando que é possível fazer notícia sem precisar dos jornais, da televisão.”

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    Lula também vê com bons olhos um mundo sem os aborrecimentos que o jornalismo traz ao exercício do poder. Ainda no seu primeiro mandato, em 2004, encaminhou ao Congresso um projeto de lei para criar um Conselho Federal de Jornalismo. Esse órgão teria a função de “orientar, disciplinar e fiscalizar” a imprensa, com o poder de punir jornalistas. O projeto, que acabaria barrado pelo Congresso, tinha um precedente mais pesado nas “17 recomendações à imprensa” que a Polícia Federal distribuiu em 1969, na vigência do AI-5.

    A “recomendação” número 7 dos militares era o nirvana sonhado por qualquer governante: “Não publicar nenhuma notícia que provoque tensões entre as autoridades”. Naquele mesmo 2004, o jornalista americano Larry Rohter provocou tensões assim, e por isso, mesmo sem ditadura, chegou a ter seu visto revogado. O motivo foi uma reportagem para o New York Times, em que ele comentava os supostos riscos ao país por causa dos hábitos etílicos de Lula.

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    A tradição de beligerância contra a imprensa não é só nossa, claro. Além da repressão à informação em regimes totalitários, como o da China ou o da Arábia Saudita, a relação também tem fases de estresse agudo nos EUA, onde a liberdade de imprensa sempre foi um dos pilares da democracia. E isso não começou com os tweets de Donald Trump.

    De George Washington a Trump

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    “Não estou inclinado a continuar sendo esbofeteado nos jornais por um bando de escribas infames.” A afirmação é do fim do século 18, quando o primeiro presidente americano, George Washington, desistiu de se candidatar a um terceiro mandato. Apesar da chateação, Washington foi um herói da democracia: durante seu governo, os EUA lançaram a Primeira Emenda à Constituição, que estabeleceu a liberdade de imprensa no país. Direito pétreo que alguns de seus sucessores tentaram cercear.

    Especialmente Richard Nixon, nos anos 1970, que seria levado à renúncia pela graça do jornalismo investigativo. Antes que o escândalo de Watergate viesse à tona, em reportagens do Washington Post, Nixon abusou do seu poder para grampear jornalistas e pressionar empresas de comunicação. Sua aversão ao jornalismo profissional só encontraria um par à altura na Casa Branca mais de quatro décadas depois.

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    Trump é a grande referência de Bolsonaro no trato com a imprensa. Tuiteiro compulsivo, busca ridicularizar repórteres acusando suas matérias de FAKE NEWS (assim mesmo, em letras garrafais). Mas a ofensiva do presidente americano não fica só na retórica. Após atacar repetidamente a cobertura política da CNN, seu governo se opôs a uma fusão da empresa que controla a emissora, a Time Warner, com a AT&T – numa clara retaliação pessoal.

    O caso foi para a Justiça, que acabaria aprovando o acordo em 2018, ao constatar que o governo não tinha evidências que justificassem um freio antitruste. Em outro momento, após uma série de hostilidades contra o Washington Post, Trump ordenou que o Serviço Postal americano revisse as taxas aplicadas à Amazon – Jeff Bezos, o dono da empresa, também é proprietário do Post.

    Liberdade de imprensa não é um salvo-conduto para a difamação. Cercear essa liberdade, porém, é matar a vaca para eliminar o carrapato. A Lei tipifica calúnia e difamação como crime. Quem se sente ofendido tem todo o direito de buscar uma desforra na Justiça.

    O que não cabe numa democracia é a tentativa de censura prévia – seja às grandes empresas de comunicação, seja a blogueiros independentes, seja a qualquer cidadão que deseje se expressar publicamente sem ferir a Lei.

    O STF, por exemplo, fez bem ao ter aberto o inquérito das fake news. Estão apurando a existência de uma rede bolsonarista de notícias falsas que prega o terrorismo contra o Judiciário e o Legislativo, algo que requer investigação. Mas o Supremo precisará de bom senso para não transformar o inquérito num precedente de censura a qualquer um que critique instituições da República. 

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    Porque uma imprensa livre é o raio X que permite ver governos por dentro. E essa transparência é ambiente desconfortável para a corrupção, o golpismo e as ineficiências de qualquer governante. As instituições são obrigadas a responder pelos seus atos. Cabe, assim, aos eleitores julgar seus representantes com base em fatos. E sem imprensa não há fatos. Há apenas o mundo permanentemente cor-de-rosa da propaganda oficial.

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