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Strike for Black Lives: cientistas fazem greve para debater racismo na ciência

"Que referência tem um aluno negro que chega na academia e não se reconhece nas pessoas que estão ali ministrando as aulas e dirigindo as pesquisas?”

Por Carolina Fioratti
Atualizado em 12 jun 2020, 17h05 - Publicado em 12 jun 2020, 17h00

Na última quarta-feira (10), cientistas negros de todo o mundo pararam suas produções em forma de protesto contra o racismo na academia. A iniciativa, chamada de Strike for Black Lives (em português, “greve pelas vidas negras”), foi motivada pela onda de manifestações em reação ao assassinato de George Floyd por um policial em Minneapolis, nos EUA. 

A greve foi organizada pelo grupo Partículas pela Justiça – uma piada nerd nível Big Bang Theory, já que as organizadoras são um grupo especialistas em física de partículas que trabalham na Organização Europeia para a Pesquisa Nuclear (CERN). O objetivo inicial desse coletivo, fundado em 2018, era combater o machismo no mundo acadêmico. Na época, o Partículas pela Justiça redigiu uma nota de repúdio contra o teórico Alexandre Strumia – que afirmou em uma palestra na que as mulheres eram menos capazes do que os homens nas ciências exatas.

Outro movimento, chamado Pare a Stem (“Stem” é uma sigla em inglês que se refere às disciplinas de ciência, tecnologia, engenharia e matemática) também colaborou. A iniciativa nas redes sociais seguiu pelas hashtags #Strike4BlackLives, #ShutDownSTEM e #ShutDownAcademia.

Em comunicado, os manifestantes explicaram que o objetivo do protesto era dar um dia de folga para os cientistas negros – que trabalham o dobro dentro do mundo acadêmico para superar o preconceito e lutar contra o racismo – e incentivar atitudes concretas por parte dos pesquisadores não negros. Eles explicam:

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“É importante ressaltar que não estamos pedindo mais palestras e seminários sobre diversidade e inclusão. Não estamos pedindo às pessoas que participem de mais um treinamento sobre preconceitos implícitos. Estamos pedindo que todos os membros da comunidade se comprometam a tomar ações que mudarão as circunstâncias materiais de como as vidas negras são vividas – para trabalhar pelo fim da supremacia branca, que não apenas apaga os sonhos dos físicos negros, mas destrói vidas negras inteiras”.

Mario Medeiros, professor do Departamento de Sociologia da Unicamp, defende que a luta anti racista não é tarefa exclusiva dos negros, independente do campo em que estejam. “É uma tarefa humana, de brancos e negros, para que possamos construir uma sociedade melhor do que a que temos vivido até aqui”.

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O professor conta que, dos 2200 professores da Unicamp, apenas 21 são autodeclarados pretos e pardos. No Instituto de Filosofia e Ciências Sociais, em que Medeiros atua, há apenas três professores negros, dois homens e uma mulher. Porém, ele afirma que a diversidade entre alunos aumentou muito em relação à época em que ele era estudante, 20 anos atrás. 

Em 2015, alguns cursos de pós-graduação do instituto começaram a implantar cotas para pretos, pardos e indígenas. Dois anos depois, a Universidade passou a considerar a reserva de vagas, que ocorreu pela primeira vez no vestibular para ingresso em 2019. “A universidade está se tornando mais inclusiva, mas continua longe de refletir o que temos na sociedade. A proporção não bate, mas tem havido mudanças.”

Medeiros acredita que, com um corpo científico diverso do ponto de vista étnico, os pesquisadores serão capazes de colocar suas próprias vivências nos estudos e solucionar questões há muito tempo debatidas. “Por enfrentar problemas que o mainstream da ciência não enfrenta, essas pessoas são capazes de pensar fora da caixa e ajudar no desenvolvimento científico e, por tabela, no desenvolvimento social”.

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Uma pesquisa feita pela Universidade de Stanford mostrou que, apesar dos grupos minoritários terem maior probabilidade de inovar na ciência, já que trazem novos pontos de vista, eles seguem com menos chances de alcançar posições influentes na academia. Essa contradição foi chamada pelos pesquisadores de “paradoxo da inovação na diversidade”.

Isso porque, apesar de terem potencial para mudar o rumo das discussões, há grandes chances de que esses pesquisadores terem seus trabalhos desvalorizados. Eduardo Januário, professor da Faculdade de Educação da USP (Feusp), explica que essa diferença na aceitação do trabalho dos negros têm origem histórica.

O Brasil não assume o racismo institucional, que criou a ilusão de que negros não não aptos para certos cargos. A partir do final do século XIX, o governo brasileiro financiou o branqueamento da população, trazendo imigrantes europeus, que tomaram os empregos mais técnicos e bem remunerados na indústria.

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Januário diz: “Esse ciclo se alimenta, não permite que na ponta da pesquisa científica nas grandes universidades haja pesquisadores e professores negros. Que referência tem um aluno negro que chega na academia e não se reconhece nas pessoas que estão ali ministrando as aulas e dirigindo as pesquisas?”. Em uma pesquisa realizada pela Comissão de Equidade da Feusp, de 80 professores ativos e aposentados que responderam (há, no total, 108), apenas sete se autodeclararam pretos ou pardos.

As cotas nas universidades públicas possibilitam o ingresso de parcela da população negra à carreira acadêmica. Mas o acesso, por si só, não é suficiente. Passar no vestibular em uma instituição reconhecida é só o começo do processo; é ainda mais difícil se manter no curso (e depois na pós-graduação) por anos a fio sem nenhuma forma de auxílio com moradia, alimentação e transporte.

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Por exemplo: uma bolsa de iniciação científica para um aluno de graduação na USP – que exige dedicação exclusiva, ou seja: não permite que ele trabalhe meio período nem faça um estágio – paga apenas R$ 400. Alunos mais pobre com frequência não podem contar com o apoio dos pais e familiares para complementar esse valor. Por isso, os professores defendem a implementação e o aprimoramento de políticas que facilitem a permanência.

Problemas anteriores na educação também podem atrapalhar a chegada de pesquisadores sub-representados nas posições de destaque da academia. Januário explica que “na pós-graduação, devido a defasagem histórica de ausências de professores e outros problemas de investimentos em escola pública, os estudantes não conseguem atravessar a barreira do exame de proficiência em língua estrangeira. O nível de exigência não corresponde com a qualidade do ensino público oferecido na educação básica”. É difícil para um ex-aluno de escola pública falar inglês fluentemente sem nunca ter tido uma aula decente, e a língua é parte do cotidiano na pós. 

Ou seja: mesmo após passar a barreira de ingresso da universidade, os negros se deparam com um universo pensado para pessoas brancas e com maior poder aquisitivo, que podem fazer o curso sem se preocupar com renda. “Quanto maior é a subida na hierarquia da Universidade, maior é a ausência de pessoas negras. Fato que é por vezes constrangedor, pois todos os projetos e pesquisas realizados por nós, negros, são ainda avaliados por pessoas brancas”. 

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