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A casa do espaço

Um sofisticado laboratório em São José dos Campos, São Paulo, é responsável pelo vôo, este mês, do SCD1, o primeiro satélite construído e testado no Brasil.

Por Da Redação Materia seguir SEGUIR Materia seguir SEGUINDO
Atualizado em 31 out 2016, 18h38 - Publicado em 30 nov 1992, 22h00

Flávio Dieguez

O conjunto todo, incluindo a carga, acomodada num esquisito cilindro de 1 metro de diâmetro por 1,45 de altura, não pesa mais que 115 quilos e estará em seu destino, no espaço, depois de viajar apenas algumas centenas de quilômetros, algo como a distância de são Paulo a Brasília. Se tudo correr bem, o primeiro veículo orbital brasileiro estará no céu apenas 574 segundos depois de lançado.. O problema é justamente esse: como ter certeza de que tudo funcionará bem nesse breve lapso de tempo, quando nada mais se poderá fazer para salvar a missão? A resposta pode ser encontrada no LIT, um elegante edifício do Instituto Nacional de Pesquisas Espaciais (INPE), em São José dos Campos, SP.

Não é fácil imaginar instrumentos capazes de simular os detalhes cruciais de um vôo ao espaço. Mas é isso que faz no LIT (Laboratório de Integração e Testes do INPE). “Sem ele, o programa espacial brasileiro estaria fadado ao fracasso”, assegura o engenheiro Válter Bento da Silveira, chefe responsável pelos testes no INPE. Quase se pode dizer que lançar um satélite é menos importante do que possuir um laboratório tão sofisticado – capaz de dar ao país um nível tecnológico condizente com a era espacial. Não admira, portanto, que essa verdadeira casa do espaçoesteja sendo aproveitada também pelas empresas do país – aquelas que querem introduzir tecnologia de ponta em seus produtos.Vibrações violentas, ou forças caóticas, elétricas e magnéticas são ameaças potenciais a um satélite e aos equipamentos que ele contém.

O SCD1 (Satélite de Coleta de Dados 1, nome dado ao veículo brasileiro) voará no nariz do novo lançador americano Pegasus, que não parte diretamente do solo, mas de um bombardeiro B52. A 12,6 quilômetros de altura, o lançador se liberta da asa do avião e 5 segundos depois dispara os motores que o levarão, em última instância, à altura de 741 quilômetros. Pelo menos é o que prevê o plano geral de vôo da empresa americana Orbital Science Corporation, construtora do Pegasus (a órbita específica do SCD1, só será conhecida às vésperas do lançamento). Para efetuar o lançamento, que deve durar menos de 10 minutos, o INPE vai pagar 14 milhões de dólares.

No foguete, é como se o satélite fosse impulsionado por uma bala de revólver. Além disso, ele é liberado no vácuo gelado do espaço girando como um pião, ao ritmo frenético de 160 rotações por minuto. Isso é essencial para dar “rigidez” ao SCD1, ou seja, para mantê-lo na rota. Tanto que ele está aparelhado para corrigir desvios causados por forças alheias, tais como o campo magnético da Terra. Se houver redução no giro, bobinas que agem como bússolas podem restaurá-lo automaticamente. Mas a rotação, assim como o impulso ascendente, também é uma fonte importante de tensões mecânicas. Não é por outro motivo que, bem antes do lançamento, se submete o satélite a árduos exercícios no LIT.

O vibrador eletrodinâmico, por exemplo, é uma máquina capaz de gerar forças variáveis, cujo valor se mede em quilonewtons — 1 quilonewton equivale ao peso de uma pessoa de 100 quilos. O vibrador submeteu o pequeno satélite a forças entre 2,2 e 71 quilonewtons e comprovou que seu arcabouço agüentaria os rigores do lançamento. E curioso notar que toda estrutura mecânica tem um ritmo próprio de vibração: se ela sofrer tensões que tendem a impor tal ritmo, acumulará energia de vibração até se estilhaçar. Essa é uma tarefa em que o LIT pode ser útil às empresas, já que a máquina de teste é extremamente precisa e pode determinar o ritmo próprio, ou freqüência natural, dos mais variados produtos. Detalhe: o vibrador está dentro do prédio do LIT, mas tem fundações próprias nas rochas do subsolo; se ficasse apoiado nos alicerces do edifício, este seria destruído.

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Mas o LIT está preparado para avaliar problemas físicos totalmente diferentes, como os que ocorrem com sistemas elétricos e eletrônicos. O SCD1 contém equipamentos extremamente sensíveis nesse campo, a começar por seus geradores de energia, que são células solares. É por isso, inclusive, que é preciso fixar com perfeição a rota do satélite: suas células devem estar viradas diretamente para o Sol, quando chegarem ao espaço. Com potência mínima inicial de 70 watts (a mesma de uma lâmpada comum), os coletores de energia não terão vida fácil no espaço. Assim que estiverem acima da proteção da atmosfera, passarão a sofrer pesado bombardeio de partículas subatômicas vindas do Sol ou do meio interestelar, especialmente prótons de carga positiva. Assim, deixarão de abastecer o SCD, após um ano de trabalho.

O mesmo problema afetará os equipamentos ligados aos geradores, como as bobinas de orientação, o emissor e o receptor de rádio, e até microcomputadores. No LIT, define-se com precisão até que ponto pode haver interferência entre os diversos sistemas elétricos ou eletrônicos. Naturalmente, sem a garantia dos testes, o lançamento pode dar chabu. No exato momento em que o satélite se desliga do foguete, seus transmissores são acionados e começam a enviar sinais de rádio, por meio dos quais se calcula a posição do satélite e se avaliam as condições do equipamento a bordo.

A primeira antena a captar os sinais do satélite será a da base de Alcântara no Maranhão, mas o cérebro da operação está em São José dos Campos — no Centro de Rastreamento e Controle (CRC). Aí, três grandes computadores VÁX conectados entre si permitem manobrar o satélite a partir do solo, ou mesmo alterar o funcionamento dos seus equipamentos. Assim, a posição do SCD, deverá ser checada três ou quatro vezes a cada volta em torno da Terra, percurso que ele completará em apenas 98 minutos. O CHC exercerá tal controle durante todo o tempo de vida dos instrumentos: um ano. O próprio satélite pode permanecer em órbita por mais tempo, talvez até quatro anos.

A palavra final nesse caso cabe ao Sol e à atmosfera: quanto maior a atividade solar, mais a atmosfera se expande para o espaço e causa atrito sobre o pequeno veículo orbital. Os cálculos disponíveis indicam que o SCD, perderá até 120 quilômetros de altura a cada ano e depois, forçado a mergulhar como um bólido no ar, será literalmente desintegrado. A despeito de sua curta vida, os instrumentos prestarão valioso serviço enquanto funcionarem. O SCD, será uma espécie de espião ecológico. Ele permanecerá em contato permanente com pequenas estações, chamadas Plataformas de Coleta de Dados (PDC). Espalhadas por vários pontos do pais, de preferência em regiões remotas, as PDCs fazem medidas automáticas sobre o clima, as condições do mar e a química da atmosfera.

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Devidamente gravadas, as informações obtidas são eventualmente transmitidas por rádio ao satélite. Da mesma forma, toda vez que o SCDI sobrevoa uma das bases em terra, despeja para baixo os dados que acumulou em órbita. Além de Alcântara, o INPE utilizará bases em Cachoeira Paulista, SP, e em Cuiabá,

MT. Esta última é importante por estar numa posição privilegiada — no centro geodésico da América do Sul — e já funcionar como receptora do satélite americano Landsat. Sua antena parabólica, de 11 metros de diâmetro, está preparada para girar nos eixos e permanecer diretamente apontada para o satélite desde o momento em que ele surgir no horizonte, de um lado do céu, até desaparecer do lado oposto. Ninguém duvida que o SCD, prepara o país para um decisivo salto tecnológico, nos tempos atuais. “O programa espacial da Índia, por exemplo, começou na mesma época que o brasileiro, mas já está 1000 anos – luz à frente”, revela Carlos Santana, responsável por esse setor no INPE.

Falta de verba e, certamente, de firmeza política atrasaram enormemente a construção dos quatro satélites que o país pretende lançar. O segundo será o SCD2 — também fará coleta de dados como o SCD1. Os outros dois serão satélites de sensoriamento remoto: como o Landsat, eles terão instrumentos capazes de obter imagens da superfície do planeta. Santana explica por que o SCD, é o primeiro da série. “Era natural, num país de território tão grande e tão carente de informação nas regiões distantes.” Pela primeira vez será possível colher dados de todo o país, várias vezes ao dia. As PDCs são máquinas extremamente versáteis. Nas hidrelétricas, por exemplo, medem os índices de chuva, usados para controlar o nível de água que entra na barragem, ou para se prevenir uma enchente. No mar, vigiam os horários e a altura das marés, o que serve de orientação para a navegação. Na Amazônia, enfim, poderiam determinar a quantidade natural de CO2 no ar: esse valor permite estimar melhor o excesso de CO2 em regiões mais poluídas.

Avanço ainda maior da tecnologia espacial virá com os futuros satélites de se sensoriamento, cujas câmaras fotografam luz de maneira seletiva, isto é, captam principalmente uma ou outra cor, dependendo daquilo que se queira destacar. Algumas faixas de cor propiciam melhores informações que outras, conforme se analise o solo, as nuvens, a vegetação, a água e assim por diante. Em alguns casos se pode fotografar luz invisível, como a radiação infravermelha. Além disso, a combinação desses vários tipos de imagem permite extrair informações extras sobre o assunto em questão.

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No fim das contas, os satélites brasileiros podem acabar sensoriando o país de modo mais preciso do que o Landsat americano, por exemplo. Este demora 22 dias para fotografar o Brasil inteiro, enquanto os satélites nacionais devem demorar apenas quatro dias. Ou seja, caso consigam levar a cabo todo o programa iniciado agora, os cientistas e técnicos do INPE não vão ficar apenas no aprendizado, mas também devem conseguir resultados práticos imediatos. A lição que fica, desde a inauguração do LIT, em 1987, é que a tecnologia espacial faz o papel de uma alavanca, sustentando, com firmeza, a modernização da sociedade brasileira.

Para saber mais:

Terra à vista

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(SUPER número 10, ano 5)

Dos satélites aos carros e eletrodomésticos

Parece exagero, mas alguns carros podem ser simplesmente parados ao passar por uma torre de retransmissão de TV. A torre emite ondas eletromagnéticas, que podem agir sobre a injeção eletrônica de combustível. Não foi por outro motivo que a Autolatina recorreu aos instrumentos do Laboratório de Integração e Testes (LIT), em São José dos Campos, cujos testes precisos ajudaram a evitar embaraços ao novo sistema. Pelo mesmo motivo o Itautec testa seus computadores. No total, 140 empresas usam ou já usaram os serviços do LIT desde a inauguração em 1987 — tais como a Philco, IBM, Mercedes – Benz e Metal Leve. Até a Abrinq, associação das empresas de brinquedos, pede ajuda à tecnologia espacial para enfrentar com desenvoltura a concorrência externa. Produto bem diverso, o sterilair, sofreu no LIT duras provas para se saber se provocava variações de umidade e temperatura, ou se contaminava o ar com outros gases. O objetivo foi dar ao produto — usado para eliminar ácaros, fungos e outros germes de um ambiente — perfil capaz de enfrentar o mercado internacional. Além disso, os fabricantes não querem vendê-lo principalmente para residências, mas também para dar proteção — contra umidade, por exemplo — a construções maiores, como bibliotecas e museus.

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