A Internet nos deixa inteligentes: entrevista com David Weinberger
Quanto mais contato com a rede, melhor. Para o filósofo David Weinberger, jovens lucram (e muito) com comunidades virtuais e pesquisas na web
Eduardo Szklarz
A discussão sobre os efeitos da internet no nosso cérebro continua. Se você ficou achando que a web pode estar deixando os adolescentes mais burros, não se preocupe. De acordo com um dos filósofos mais festejados da atualidade, os jovens na verdade nunca foram tão inteligentes – e o mérito é da rede. Para o americano David Weinberger, a era digital está quebrando a noção do conhecimento monopolizado por especialistas. Através do diálogo global, os adolescentes estão conseguindo interpretar e discutir esse conhecimento, e realmente entender o que acontece ao seu redor. Weinberger é professor do Centro Berkman para Internet e Sociedade, da Universidade Harvard, onde mestres, alunos, empreendedores, advogados e arquitetos virtuais se dedicam a explorar a internet. “A web, um mundo de pura conexão, livre de qualquer restrição de assunto, está nos mostrando quem somos – e desfazendo alguns de nossos mais profundos mal-entendidos sobre o que significa ser humano no mundo real”, diz. Nesta entrevista, Weinberger descreve o que são esses enganos e explica por que a desordem do mundo digital é altamente positiva para a nossa massa cinzenta.
Como a internet melhora a inteligência dos jovens?
A grande mudança da era digital é fazer com que os meios, o conhecimento e a autoridade agora sejam de todos. Estamos produzindo conhecimento juntos, não de forma individual, e não precisamos mais carregar os fatos conosco. Em vez de memorizar o PIB da Índia, podemos consultá-lo na Wikipédia. A compreensão não é tão simples como o conhecimento; ela é sempre objeto de novas interpretações e discussões. E é justamente nesse ponto que a internet é melhor do que os outros meios. Ela permite que as pessoas discutam e, assim, compreendam melhor o mundo.
Como a internet está mudando nossa sociedade?
Primeiro, é preciso compará-la com a cultura da qual viemos, dominada pelos meios de comunicação de massa. Nela, existia a relação “um para muitos”, onde apenas uma pessoa falava e todas as demais escutavam. A TV, o rádio e as publicações impressas operam numa economia de escassez, já que poucos falam. Como esses meios falam com um grande número de pessoas, o resultado é que as mensagens precisam ser simplificadas o máximo possível.
O escritor Mark Bauerlein diz que a internet está emburrecendo os jovens, porque substituiu as relações verticais (entre jovens e adultos) pelas horizontais (entre pares). O que acha?
Não é assim! Esse é o argumento da echochamber “câmara de eco”, termo usado nos EUA para descrever negativamente grupos que pensam parecido e que repetem seus pensamentos entre si]. Por atrás dessa noção existe uma profunda falta de entendimento sobre a natureza da conversa. As pessoas sempre conversam com quem concordam, de um jeito ou de outro. Não há nada de errado nisso. É assim que avançamos.
Por exemplo?
Quando queremos debater algum assunto, procuramos pessoas com quem temos coisas em comum. Se há divergências grandes demais, não levamos o papo adiante. Quantas vezes você conseguiu discutir política com um neonazista? Não dá, porque não há nada em comum. Você pode tentar, mas não vai convencê-lo de que o nazismo é ruim. Não é confrontando diferenças radicais que a compreensão humana avança. Nós avançamos, e mudamos nossas crenças, conversando com pessoas com quem basicamente concordamos. Qual o problema de garotos falando entre si?
Bauerlein diz que os jovens não estão crescendo, e sim criando um universo longe dos adultos.
Talvez ele pense que crescer é tornar-se como ele, não sei. A noção de “crescer” muda a cada geração.
Ele também fala da necessidade que temos de tempo e espaço, coisas que estão se perdendo com a velocidade da internet. Concorda?
Concordo que precisamos de tempo e espaço, mas discordo de que a internet seja apenas velocidade. Há sites que as pessoas visitam rapidamente, mas também há blogs onde as pessoas escrevem uma vez por ano e deixam textos maravilhosos. Sempre podemos escolher entre entabular uma conversa rápida ou dar uma caminhada lenta. É assim também na web.
O que a web tem mostrado sobre nós?
Se você viesse de outro planeta e entrasse na internet, pensaria que somos uma espécie cheia de contradições e difícil de caracterizar. Provavelmente, você observaria duas coisas em particular: o quanto estamos desesperados por nos conectar uns com os outros, o quanto curtimos a companhia alheia; e o tanto que estamos entusiasmados com a possibilidade de criar coisas. Veria um racismo impressionante mas também atos de generosidade. Até podemos ficar chocados ao ver tanta coisa, mas não deveríamos. Porque simplesmente é assim que somos.
Por que você costuma dizer que a internet é apenas um “meio” que possibilita enviar e receber dados entre uma pessoa e outra?
A internet tem um comportamento próprio e, se nos convencermos de que ele é prejudicial, podemos tentar mudá-lo. Isso é improvável, e ela deixaria de ser a internet. Mas, acima de tudo, penso que a web está permitindo a humanização do conhecimento ao refletir quem nós realmente somos. Com a ajuda dela, podemos fazer uma imagem de nós mesmos melhor, do que poderíamos fazer com qualquer outro meio. A Wikipédia expressa melhor nossos interesses do que a Enciclopédia Britannica por motivos óbvios: a Britannica tem um número de tópicos determinado pelo custo da impressão e pelo setor de vendas. A Wikipédia reflete os assuntos que nos importam.
Qual é o papel de pais e professores na era digital?
Nos EUA, muitos professores deixam os alunos usar só 2 ou 3 fontes da internet para seus trabalhos. Acho que é um erro. A internet é mais importante do que tudo: ela contém maior quantidade de informações e idéias, tanto boas como ruins.
Então o certo é aproximar os jovens da internet?
Os professores precisam estimular os alunos a sair da sala e voltar com fontes para serem debatidas, para concluir quais são confiáveis. Não devem ensiná-los a trabalhar individualmente, mas treiná-los para fazer o que nós, adultos, fazemos: consultar a informação na internet e avaliá-la com outras pessoas. Atualmente, temos que entender coisas demais para confiar apenas em um indivíduo. Só podemos cumprir essa tarefa juntos – e é para isso que a internet serve.
David Weinberger
• É um dos gurus do mundo virtual.
• Costumava escrever piadas para o cineasta Woody Allen nos anos 60 e 70. O material saía em tirinhas de jornal.
• Há quem diga que ele tem mesmo um jeitão de Woody Allen. “Talvez não haja nada divertido sobre mim. Sou tímido no mundo real, mas bem menos quando estou online”, afirma.
• Tem 57 anos. Passou os últimos 30 sem comer carne.