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Cérebro: O corpo cintilante

É possível fazer imagens do cérebro graças à cintilografia, o principal exame dos médicos nucleares.

Por Da Redação Materia seguir SEGUIR Materia seguir SEGUINDO
Atualizado em 31 out 2016, 18h46 - Publicado em 30 set 1994, 22h00

Lúcia Helena de Oliveira

Em matéria de saúde, a princípio as aparências quase sempre enganam. Pois é raro uma doença começar por causa de uma alteração anatômica, ou seja, no formato dos órgãos. Em geral, as encrencas surgem quando esta ou aquela parte do organismo deixa de trabalhar direito.

E só depois de certo tempo trabalhando do jeito errado é que aparecem as tais mudanças na forma — diferenças que os raios X, o ultra-som, a ressonância magnética e o tomógrafo captam muito bem, obrigado. No entanto, esses exames não flagram os órgãos em plena ação. Só a chamada Medicina Nuclear é capaz de fazer isso.

A cintilografia, seu grande recurso, usa doses de radiação menores do que uma radiografia ou uma tomografia. Tanto assim que pode ser aplicada até em recém-nascidos. É, sem dúvida, uma potente arma para diagnósticos precoces. Mas, sobretudo, serve para dar lições de como o corpo realmente funciona.

 

 

Onde o cérebro se encarrega das confusões

“Hoje, podemos conhecer minúcias dos mecanismos cerebrais”, diz o professor Edwaldo Camargo da Universidade de Campinas, no interior de São Paulo. Durante sete anos, ele morou nos Estados Unidos, onde chefiou o setor de Medicina Nuclear do conceituado Hospital Johns Hopkins. Numa experiência realizada lá, o paciente tinha de olhar para uma tela com quadrados vermelhos, verdes e azuis.

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Em seguida, olhando para outra tela, tinha de dizer o nome das cores, na ordem certa. Detalhe: eram letras coloridas formando o nome de outras cores. Onde está o vermelho (red, em inglês), por exemplo, está escrito azul (blue). Foi feito o exame nas duas situações. O computador, então, substraiu uma imagem de outra, para mostrar a área exata do cérebro encarregada em desfazer confusões como essa dos nomes trocados.

 

 

O pessoal da limpeza

O trio da faxina: os dois rins e, logo abaixo deles, a bexiga. Sua função é filtrar substâncias indesejáveis, que devem ser descarregadas com a água que bebemos. Se o serviço é mal feito, a saúde padece sujeira.

Quando se usa a cintilografia, as imagens só aparecerem nítidas porque os rins filtraram a substância radioativa que estava no sangue. E passaram suas moléculas para frente, ou seja, para a bexiga, junto com a urina.

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“Ás vezes, leva muito tempo até a bexiga aparecer na tela”, explica o professor Edwaldo Carmargo. “Ela demora para ficar cheia.” No caso, será que os rins estão trabalhando devagar ou simplesmente não conseguem mandar o líquido para a bexiga?

A dúvida é logo resolvida com doses de diuréticos, remédios que aceleram a produção de urina. Quando é um problema de lentidão provocado por alguma doença, a droga funciona e a imagem da bexiga aparece. Numa obstrução, porém, nenhum diurético faz efeito.

 

 

O trabalho da tireóide

Parece um W — é a tireóide, glândula situada no pescoço, que governa o ritmo de trabalho dos órgãos. Ela extrai as moléculas de iodeto presentes no sangue, para fabricar os seus hormônios. Os médicos nucleares usam uma versão radioativa da substância, para visualizar a glândula.

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Às vezes, porém, a tireóide absorve iodeto demais ou de menos. Então, o exame de ultrassom mostra a imagem nítida de um nódulo — uma área em que as coisas não andam bem. Mas só a cintilografia mostra se é um nódulo quente ou frio, no jargão dos médicos.

O chamado nódulo quente aparece como uma bolota excessivamente vermelha — ali, a tireóide exagerou na absorção do iodeto. Não há risco de ser câncer. O problema pode até mesmo ser tratado pela Medicina Nuclear: em uma segunda sessão, os médicos injetam doses maiores de iodeto radioativo, para destruir as células obcecadas por trabalho. Já o nódulo frio aparece como uma área em branco, pois não capta o iodeto. Há chance de ser câncer. Pois as células cancerosas se recusam a trabalhar como suas colegas sadias.

 

 

Flagrantes do fígado

Todos os dias, o fígado fabrica cerca de 700 mililitros de bile, líquido essencial para a digestão das gorduras nos alimentos. Na cintilografia, injetam-se moléculas que se comportam tal e qual essa bile. Elas que tingem de amarelo e vermelho um fígado normal.

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Espera-se que a imagem vá se desfazendo, porque as moléculas terminam escoadas para uma bolsa, a vesícula. Esta pode ser comparada a um tanque de reserva, onde a bile é estocada. Eum uma suposta imagem do fígado , as sucessivas imagens do órgão mostram que, com o passar das horas, a substância não desapareceu. Sinal de que cálculos ou inflamações estão obstruindo os caminhos que conduzem a bile até o intestino, seu destino final.

Já na imagem, o fígado lembra um fruto mordido. O pedaço que falta é um tumor. Tumores nunca absorvem a substância parecida com a bile, pois as células cancerosas abandonaram a sua linha de produção.

 

 

O esqueleto muito vivo

Diferente de outros exames, a cintilografia não pode ser realizada em gente morta . Isso porque ela só capta a figura daquilo que está em funcionamento — absorvendo, produzindo ou eliminando substâncias. Daí que esta imagem do esqueleto humano é muito especial: ela prova que os ossos não são estruturas estáticas. Tão ativos quanto o coração ou o estômago, eles vivem absorvendo moléculas inorgânicas, para produzir e eliminar material orgânico, como as células brancas do sangue.

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Em uma imagem de cintilografia, o que desenha os ossos são moléculas de MDB — um radiofármaco que o esqueleto absorve, como faz com os sais minerais usados para reparar danos. Isso mesmo: os ossos sempre tentam tapar seus próprios buracos. Às vezes, fazem isso desesperadamente e o que se vê são bolotas brancas de MDB concentrado. Sinal de metástase — quando um câncer se espalha pelo corpo, começando pelo esqueleto.

Como o tumor faz estragos, os ossos aceleram os serviços de reparação — daí as bolotas de MDB. Uma radiografia só denuncia o tumor, quando ele já destruiu de 30% a 50% da camada superficial óssea. A cintilografia pode acusá-lo até 11 meses antes das chapas de raios X. Com isso, o tratamento anticâncer é disparado mais cedo e as chances de sobrevivência aumentam.

 

 

Batimentos na tela

No futuro, a cintilografia será cada vez mais aplicada com finalidade preventiva. Nesse sentido, aliás, o coração é testemunha. Existem radiofármacos, como o tálio-201, capazes de penetrar no músculo cardíaco, delineando a sua figura na tela do computador. Em intervalos de frações de segundo, o equipamento registra várias imagens. Assim, é possível obter a seqüência de um batimento — o coração relaxado e depois contraído. Graças a um programa de animação, os médicos podem vê-lo em movimento.

Em países como os Estados Unidos, esse cineminha é uma sessão obrigatória nos check-ups. “Se o resultado do exame é normal, a pessoa tem menos de 1% de chance de morrer do coração, nos próximos cinco anos”, afirma Edwaldo Camargo, da Unicamp.

Primeiro, o paciente faz o exame em repouso. Depois, repete a cintilografia, pedalando uma bicicleta ergométrica. As imagens provam que, muitas vezes, os vasos sangüíneos do coração dão conta do recado durante o repouso. Mas deixam de mandar sangue adequadamente para o músculo cardíaco durante o exercício. É aí que mora o perigo.

Como, necessariamente, não aparecem grandes diferenças nos batimentos, os exames que analisam a freqüência cardíaca podem dar a falsa garantia de que tudo está na mais perfeita ordem. E, tempos mais tarde, a pessoa sofre um infarto. Em outras palavras, um pedaço do músculo cardíaco que morreu por falta de sangue. Eis o motivo do vazio — em áreas mortas a cintilografia não funciona. Ela serve para mostrar o corpo vivo e em cores.

 

 

Para saber mais:

O casal Curie

(SUPER número 8, ano 2)

O superolho do homem

(SUPER número 11, ano 9)

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