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Como Pokémon, Happn e cia. estão dando mais vida às cidades

Há 20 anos, a internet nos deu o mundo. Agora, os apps baseados em GPS trazem algo ainda mais valioso: nossos vizinhos.

Por Alexandre Versignassi
Atualizado em 31 out 2016, 18h59 - Publicado em 29 ago 2016, 19h45

It’s been 20 years ago today… Bom, quase isso. Foi há 18 anos, na primeira vez que usei a internet. Abri o Netscape, digitei “altavista.com” e busquei ali, naquele Google da época, alguma coisa sobre os Beatles. Achei um fórum gringo – naquele tempo, a internet era basicamente uma reunião de fóruns. Logo na primeira mensagem que leio, uma surpresa: era uma menina, que assinava como “Amélie, from Canada”, dizendo que a música favorita dela dos Beatles era I’ve Just Seen a Face. Meus olhos arregalaram. Era como se a coincidência tivesse deletado os 10 mil quilômetros que havia entre nós. Melhor ainda foi quando vi que dava para responder ao comentário dela, mais ou menos como a gente faz hoje na timeline do Face. A cada batida no teclado eu me sentia como um Samuel Morse, o inventor do telégrafo, mandando sua primeira mensagem, no começo do século 19. De certa forma, não era exagero. Era a primeira vez que eu estava me comunicando com alguém tão de longe. E o fato de o assunto ser familiar só aumentava o meu estupor com a situação.              

Agora corta para 2016. Estou na padaria do lado de casa, tomando café com a minha esposa, Amélie, e as crianças – mentira: a Amélie nunca me respondeu. Então corta de novo: estou no balcão da padaria de casa, sozinho. Entra um adolescente com a cara enfiada no celular. “É Pokémon”, me informa a balconista. Numa das mesas, está uma menina, da idade dele, rosto igualmente enterrado no iPhone. Talvez fosse Pokémon, talvez não. Mas incerteza não faz parte do repertório da minha amiga balconista. “Ó meu rei!”, ela diz ao menino que tinha acabado de chegar. “Ela tá no Pokémon também!”. A moça da mesa ouve. O menino fica tímido. Ela, mais ainda. Mas logo eles estão sentados juntos, jogando juntos, rindo juntos. “Depois que você foi embora eles trocaram telefone e tudo”, me contou a sempre atenta moça do balcão. Pois é. Daqui a 18 anos talvez eles dois estejam na mesma padaria, mas agora tomando café da manhã com suas crianças.

Não foi um encontro fortuito. A esquina da minha padaria é um “ginásio” de Pokémon Go – um ponto geográfico para onde os usuários do joguinho levam os Pokémons que guardam em seus celulares para lutar contra outros monstrinhos. Essa é uma parte fundamental do jogo, e, como todas as outras fases do Pokémon Go, não há como participar dela sem sair de casa. Ou você vai até algum dos endereços onde estão os ginásios, ou não brinca. Logo, os ginásios se transformam em pontos de encontro onde pokemonzeiros e pokemonzeiras acabam conversando, trocando experiências, números de Whats, beijos. Note que as grandes cidades abrigam alguns milhares de ginásios cada. É um a cada três, quatro quarteirões. E cada um, para todos os efeitos, se torna um novo ponto de encontro do bairro, do quarteirão. Essa é a mais completa tradução da internet de hoje: ela aproxima vizinhos.

A internet de 10, 15 anos atrás causava espanto pelo poder que tinha de deletar distâncias. Conversar com gringos desconhecidos, ouvir uma rádio do Nepal, ligar para a namorada na Finlândia pelo Skype, reservar hotel na Eslovênia, balsa em Buenos Aires… A rede deixava o planeta inteiro a “dois cliques de distância”, como dizia um chavão jornalístico/publicitário da época. E isso era o bacana. Continua sendo, inclusive, mas agora já achamos banal. O que surpreende hoje é o oposto: a capacidade que a internet ganhou de juntar quem já estava geograficamente perto, mas que nunca tinha se dado um bom-dia.

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E quem deu essa capacidade para a internet foi um único agente. Um que está entre nós há um bom tempo, mas que nunca tinha chamado muita atenção: o GPS. Quando o Pokémon saiu lá fora, inclusive, todo mundo dizia que o grande lance do joguinho era a Realidade Aumentada (RA) – o truque que faz os Pokémons aparecerem “na vida real”. A SUPER mesmo entrou nessa onda, por afobação deste que vos escreve – logo que o jogo saiu lá fora escrevi no site da revista que, “ao reinventar a Realidade Aumentada, Pokémon Go derrubava as fronteiras entre a realidade e a ficção”.

Desculpa, foi engano. Meia hora caçando Pokémon e você já percebe que a Realidade Aumentada é tão importante para o game quanto cheerleaders são para um jogo de futebol. A coisa é tão dispensável que a molecada desliga a Realidade Aumentada para economizar bateria. Sem a RA, os Pokémons aparecem num cenário digital, sem nada demais. Mas ninguém liga, porque a graça do jogo foi reinventar outra coisa: o GPS. É ele que transforma as ruas do seu bairro e os parques da sua cidade nos elementos mais fundamentais do jogo. É ele, sozinho, quem “derruba as fronteiras entre a realidade e a ficção”. É ele que junta pokemonzeiros desconhecidos nas padarias.

Não só pokemonzeiros. O Tinder deve sua vida ao GPS, já que só mostra pretendentes que estejam a até 100 quilômetros de você (de outra forma, ele seria inútil). O Happn, app de relacionamento rival, depende mais ainda de GPS: só põe em contato usuários que se cruzaram na rua em algum momento (ou que estiveram relativamente próximos, tipo na mesma quadra). E nessas o Happn tem formado casais entre gente que mora no mesmo prédio e só se via duas vezes por ano na garagem.

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Não é só pessoas que os apps baseados em GPS aproximam. O Waze mostra ruas perto da sua casa que você nem desconfiava da existência. O Google Maps, por outro lado, torna qualquer cidade do planeta familiar – já que é impossível se perder tendo um celular com GPS conectado ao Maps. Ou seja: ele faz mais do que “deixar o mundo a dois cliques de distância”. Ele pega na sua mão e guia você por ruas com nome em esloveno, árabe, chinês. Transforma qualquer cidade de outro canto do mundo numa extensão do seu bairro.

Daqui a 20 anos, algum adolescente de hoje talvez fale de Waze, Tinder e Pokémon com nostalgia, ao mesmo tempo em que comenta o quanto esses aplicativos eram toscos. Mas, independentemente dos apps que estiverem em voga no ano de 2036, já temos duas certezas: todos eles funcionarão com base em GPS. Porque certas tecnologias são como músicas dos Beatles: chegam revolucionando tudo, e nunca envelhecem. 

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