Fábricas de átomos sob a poeira da galáxia
História das principais fases da vida das estrelas.
Os elementos químicos são forjados pelas estrelas e lançadas ao espaço. Mas não é fácil calcular sua quantidade
Excluindo-se alguns mistérios do nascimento e da mote, as principais fases da vida das estrelas são razoavelmente bem conhecidas, e podem ser descritas a partir de um único dado, a massa. As Três Marias, por exemplo, são bem jovem e geram energia pela fusão nuclear do hidrogênio, o elemento químico mais simples, que, nesse processo, é transformado em hélio. Rigel e Canopus, um pouco mais velhas, estão no fim dessa primeira etapa, enquanto Antares e Betelgeuse, supergigantes vermelhas, passaram para a segunda fase e geram energia pela fusão do hélio em carbono. Nas fases seguintes, as grandes estrelas passam por grandes transformações, pois a pressão da luz que emitem varre para longe as camadas de gases da superfície. É o que está acontecendo com Eta de Carina.
Fortes ventos estelares acabam deixando expostas camadas profundas do corpo estelar, que é onde se acumularam os produtos da fusão nuclear. A estrela entra, então, em sua agonia final, numa fase de nome Wollf-Rayet, e em pouco tempo – 1 ou 2 milhões de anos – esgota suas fontes de energia, implode e, imediatamente depois, explode em forma de supernova, com a potência de bilhões de sóis. Em conseqüência disso o meio interestelar fica repleto de átomos pesados, como o níquel, ferro, carbono ou oxigênio, que podem acabar formando planetas como a Terra e seres vivos como o homem. As estrelas de grande massa, portanto, são fábricas de átomos onde se processa a evolução química do Universo.
Para se calcular a produção global de elementos químicos na Via Láctea, bastaria saber quantas estrelas nascem e com que massa, avaliação que não parece muito difícil, a princípio. Mas embora se conheçam bem as estrelas enquanto indivíduos, pouco se sabe de sua “sociologia”. É certo que para analisar uma população de estrelas não é preciso conhecer todos os seus membros, um a um: como nas prévias eleitorais, é suficiente pesquisar um subconjunto menor, a partir do qual se fazem projeções estatísticas para a população total.
Até há pouco, os astrofísicos pensavam ter dados completos sobre as estrelas de grande massa num subconjunto desse tipo, abarcando 6 000 anos-luz em torno do Sol e começavam a confiar em suas estatísticas galácticas. Mas um pequeno artigo, ainda não publicado, de Sidney van den Bergh, do Dominium Observatory do Canadá, veio acabar com essa ilusão. Ele mostrou que mais da metade das grandes estrelas dessa região havia escapado a todas as caçadas astronômicas e nenhum levantamento baseado na luz visível será paz de achá-las. Como essas estrelas conseguem se esconder bem debaixo do nosso nariz, quando poderiam ser detectadas em outras galáxias, a milhões de anos-luz de distância? A resposta, segundo van den Bergh, é que os ninhos onde nascem essas estrelas têm muito mais poeira do que se pensava até agora, e o seu efeito sobre estrelas é como o da poluição do ar sobre Sol, no ocaso: absorve a luz na faixa da cor azul, avermelhando-a.
No final do ano passado, um pequeno grupo de pesquisadores começou a procurar uma nova janela para observar aqueles ninhos. O projeto é coordenado por este autor, e integrado por José Pacheco do Instituto Astronômico e Geofísico da USP, Peter Contida da Universidade do Colorado, EUA, e Francisco Jablonsky do INPE, de são José dos Campos, SP. Ele consiste em usar um detector digital de silício, chamado CCD, equipado com quase 1 milhão de sensores que captam a radiação infravermelha emitida pelas estrelas. A vantagem é que a poeira é milhares de vezes mais transparentes a esse tipo de radiação do que à Luz. Os cálculos mostram que, acoplado ao telescópio de 160 centímetros instalado em Brazópolis, Minas Gerais, esse detector será capaz de varrer uma distância de mais de 20 000 anos-luz atravéz da poeira. As observações começarão em maio, quando se espera encontrar os primeiros ninhos de grandes estrelas azuis ocultas na poeira insterestelar.