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Hora certa até o ano 3 000 001 998

O Brasil está construindo o relógio mais preciso do mundo. Só vai atrasar 1 segundo daqui a 3 bilhões de anos. Igual e ele, só existe outro na França.

Por Da Redação Materia seguir SEGUIR Materia seguir SEGUINDO
Atualizado em 31 out 2016, 18h40 - Publicado em 31 dez 1997, 22h00

Ivonete D. Lucírio, de São Carlos

O Laboratório de Ótica do Instituto de Física da Universidade de São Paulo (USP), em São Carlos, interior paulista, é pequeno e está quase todo tomado por uma mesa esquisita e bagunçada. Ninguém diria que ali funciona o templo brasileiro da precisão. Naquela banca, sobre a qual, em meio a fios e caixinhas de metal, fachos de laser andam em ziguezague, foi construído o primeiro relógio atômico do Hemisfério Sul. Ele garante que ninguém vai perder a hora até o ano 126998. Só então registrará 1 segundo de atraso. Para um brasileiro comum, que precisa chegar ao vestibular antes que os portões se fechem ou entrar no teatro quando as luzes ainda estão acesas, estaria mais do que bom. Já para o físico Vanderlei Bagnato, que lidera a equipe de pesquisadores de São Carlos, é pouco. Obcecado pelo tempo, ele não quer que o Brasil perca nem 1 bilionésimo de segundo na corrida pela hora certa. Para isso já começou a construir outro relógio, chamado de fonte atômica, que só vai atrasar o primeiro segundo daqui a 3 bilhões de anos. Por enquanto, apenas a França conseguiu fazer um assim. Os Estados Unidos também estão tentando, mas as chances de a máquina brasileira sair primeiro são grandes.

O aparato parece um chafariz. Só que, em vez de água, joga átomos para cima. O problema é que antes de serem lançados eles têm que ficar praticamente parados. E é nessa brincadeira de paralisar partículas que o laboratório da USP é especialista. Pesquisadores do mundo inteiro reconhecem. “Até o William Philips já apertou parafusos nessa mesa”, conta Bagnato, referindo-se ao especialista em congelamento de átomos que ganhou o Nobel de Física em 1997.

Relojoeiro nada maluco

Vanderlei Bagnato, o físico que acerta os ponteiros pelo movimento dos átomos, quer colocar o Brasil na liderança da hora

Os átomos que controlam a televisão

O relógio atômico não faz nenhuma diferença na hora de o seu despertador tocar. Mas quando você liga a televisão, ele entra em cena. É que as transmissoras e receptoras de sinais de vídeo precisam medir o tempo de modo exatamente igual. Do contrário, a primeira vai emitir numa freqüência e a segunda vai entender que a freqüência é outra. Quem é mais velho deve se lembrar de que até o começo dos anos 70 chuviscos, distorções e a mistura de imagens de duas emissoras eram problemas comuns na TV brasileira. Eles foram reduzidos depois que, em 1974, os relógios atômicos passaram a garantir a sincronia entre as geradoras de imagens e as antenas retransmissoras.

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Mas essa sincronização não foi nada rápida. Até três décadas atrás, o segundo ainda era só uma fração do tempo que a Terra levava para girar em torno de si mesma, como havia sido definido 3 000 anos antes por gregos e babilônios. Como o movimento terrestre não é absolutamente uniforme, a ampulheta astronômica deixava a desejar. Em 1964, o Comitê Internacional de Pesos e Medidas, com sede em Paris, decidiu mudar a maneira de medir o segundo. O período a ser mensurado continuava o mesmo, mas era necessário encontrar um marcador que nunca mudasse. Para isso foi criado o relógio atômico.

Pulo do elétron garante a precisão

Ele nada mais é do que um oscilador, aparelho que emite ondas eletromagnéticas na freqüência de 9 192 631 770 vezes por segundo. Toda vez que a onda oscila esse número de vezes, o mostrador registra 1 segundo a mais. Até aí, tudo simples. O pulo do átomo está em que, para garantir que o oscilador trabalhe direito, ele precisa ser vigiado pelo césio 133. Quando submetido exatamente a essa freqüência, e é por isso que ela foi escolhida, o único elétron livre do césio pula da órbita mais interna em que pode ficar para a mais externa. Se o elétron não pular de camada é sinal de que a freqüência precisa ser ajustada. Aí os sensores avisam o oscilador e ele se auto-acerta. Modelos comerciais desses equipamentos atrasam em média 1 segundo a cada 3 000 anos. São esses que as emissoras de TV usam. Os que cuidam da hora mundial são até 30 000 vezes mais precisos. Ela é tirada de um pool de 200 relógios atômicos em 25 países. É nesse clube que o Brasil quer entrar.

Armadilha para acalmar o césio e segurar a onda

Os ingleses têm fama de pontuais, mas os franceses chegaram antes na corrida pelo tempo hiperexato. Em 1995 ficou pronta a primeira fonte atômica. “Esse é o único protótipo do mundo em operação”, disse à SUPER Michel Granvaud, diretor do Escritório Nacional de Meteorologia do Observatório de Paris. Por enquanto. Vários países investem dinheiro e cérebros para dominar a tecnologia. Mas o Brasil leva uma vantagem: a equipe de São Carlos sabe muito bem como congelar átomos, o que é essencial para o equipamento funcionar. Foi Vanderlei Bagnato quem, em 1987, defendeu a primeira tese universitária do mundo sobre o assunto.

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Apesar da palavra, congelar átomos não significa colocá-los num freezer, mas sim paralisá-los, com o que eles esfriam. “Eles esfriam porque ficam praticamente parados, aprisionados por raios laser”, explica Bagnato. A armadilha onde ele consegue a proeza é uma caixinha arredondada de metal, recoberta com papel-alumínio. Antes de chegar a ela, onde estão átomos a serem amansados, os fachos de laser passeiam por uma mesa enorme, repleta de outras lentes. A parafernália é necessária porque o laser é formado por várias freqüências. As lentes ajudam a selecionar uma só, capaz de fazer os átomos de césio 133 entrarem no estado de baixa energia (veja o infográfico ao lado).

Superstição e tecnologia

A armadilha atômica é tão importante para a turma de Bagnato que está cheia de fitinhas de um padre milagreiro do interior paulista. “Dizem que ele ajuda mesmo quem não acredita”, revelou à SUPER o físico Luiz Gustavo Marcassa, um dos integrantes da equipe, justificando o expediente pouco científico. Mas a precaução se justifica. Ali está o coração do relógio. Os átomos precisam ficar lentos, para passarem mais devagar por todas as etapas do processo e poderem ser mais bem observados. Ainda assim, todo o percurso ocorre em frações de segundo.

Pensando em aumentar esse tempo, o Centro Nacional de Estudos Espaciais da França lançou o projeto Pharao, que pretende colocar uma fonte atômica na Estação Espacial Internacional (ISS), programada para estar pronta em 2002. Com menor interferência da gravidade, os átomos andam mais lentamente e podem ser analisados por cerca de 10 segundos, fornecendo mais dados para a calibragem do relógio.

Uma corrida a favor do relógio

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Pode parecer estranho, mas a fonte atômica não é o objetivo final dos especialistas em medir o tempo. “A busca por precisão não vai terminar jamais”, diz Bagnato. “A evolução técnica e científica exigirá medidas mais e mais acuradas.” Donald Sulivan, do Instituto Nacional de Padrões e Tecnologia (NIST, na sigla em inglês), em Boulder, Estados Unidos, concorda: “Vamos melhorar o relógio de césio e buscaremos outras tecnologias”, disse à SUPER.

Mas, como tudo isso leva tempo, os relógios atômicos horizontais, que hoje cuidam de medir a hora universal, estão longe da aposentadoria. Eles são menos eficientes do que as fontes porque não trabalham com átomos congelados (veja infográfico ao lado) mas ainda assim atingem precisão espantosa. O NIST 7, construído em 1993, é um dos mais acurados. Só atrasará 1 segundo em 100 milhões de anos. O brasileiro levará 125 000 anos para acumular o mesmo atraso. De qualquer maneira, esse relógio, feito em menos de um ano com apenas 150 000 dólares, representa um passo importante para o Brasil, que começa a dominar a tecnologia. “Não queremos ficar de fora do desenvolvimento científico”, diz Bagnato. A julgar pelo rápido progresso registrado, porém, sua equipe não vai só participar, mas competir pra valer na corrida interminável atrás do tempo.

Para saber mais

Na Internet

https://www.boulder.nist.gov e https://www.sosi.cnrs.fr

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Na tela, no céu e no mar

Entenda em que situações o relógio atômico é indispensável.

Lugar exato

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Satélites usam o tempo para localizar objetos no oceano.

1. Os navios enviam, ininterruptamente, sinais a pelo menos dois satélites do Sistema de Posicionamento Global (GPS, na sigla em inglês). Os sinais viajam à velocidade da luz (300 000 quilômetros por segundo).

2. Nos satélites, relógios atômicos medem com exatidão o tempo que o sinal leva para chegar a eles. Com isso, indicam a latitude e a longitude da embarcação.

Sem chuvisco no vídeo

Quanto mais precisa a medida de tempo, melhor a imagem.

1. As emissoras de televisão enviam imagens na forma de ondas eletromagnéticas que oscilam um certo número de vezes por segundo.

2. Uma imagem perfeita depende de que a antena retransmissora capte exatamente o mesmo número de oscilações por segundo. Para isso, ela e a emissora têm que estar acertadas por relógios superprecisos.

Instrumento científico

Tecnologia provou que Einstein estava certo.

O segundo passa mais rápido quanto menor a gravidade.

1. Um segundo hoje é definido como o tempo que uma onda leva para oscilar 9 192 631 770 vezes. Mas isso é na superfície da Terra, na qual as ondas são esticadas pela força da gravidade.

2. Quando a gravidade diminui, as ondas levam menos tempo para oscilar um certo número de vezes. A diferença, sutil, só aparece quando a marcação de um relógio atômico no espaço é comparada com a de outro em terra.

Ciclos naturais e definições arbitrárias

Os homens começaram observando a natureza, mas logo criaram convenções próprias.

O céu

Há cerca de 20 000 anos, os astros começaram a fazer o papel de relógio. Seguindo o movimento astronômico, foram fixadas as estações, os meses, os anos, as datas de festas e as épocas de plantio.

O sol

Por volta de 5 500 anos atrás, as sombras projetadas pelo relógio de sol, criado no Egito, marcavam a hora. Há cerca de 4 000 anos, os babilônios, que tinham o 60 como número sagrado, dividiram o dia claro em doze frações (sessenta dividido por cinco).

A água

A descoberta de que o escoamento da água podia ser usado como padrão de tempo originou a clepsidra (relógio de água), há 3 500 anos. Uns 500 anos depois, babilônios e gregos já dividiam a hora em 60 minutos e este em 60 segundos.

Fiscal atômico

O átomo de césio, jogado para cima, controla a medição do tempo.

1) A amostra de césio 133 é colocada numa armadilha, onde recebe seis fachos de laser. Os milhões de átomos ficam quase parados e seus elétrons livres (pouco ligados ao núcleo) pulam para uma órbita mais interna (detalhe). Um sétimo facho dá um empurrão por baixo, para que eles subam.

2) Na subida e na descida, os átomos passam por uma caixa aberta em cima e embaixo, chamada cavidade.

3) Um oscilador, aparelho emissor de ondas eletromagnéticas, cria na cavidade um campo magnético com freqüência de 9 192 631 770 hertz. Isso quer dizer que lá dentro vão passar ondas que vibram 9 192 631 770 vezes por segundo.

4) A freqüência faz os elétrons pularem para uma órbita de maior energia, mais externa. Ao atravessar um oitavo facho de laser, logo abaixo, todos os átomos cujo elétron livre está na camada distante do núcleo passam a emitir luz.

5) Um detector vê se todos brilharam. Em caso positivo, avisa ao oscilador que a freqüência está correta. Em caso negativo, ordena a correção.

6) O marcador ligado ao oscilador registrará 1 segundo cada vez que a onda vibrar 9 192 631 770 vezes.

Novas tecnologias para contar os minutos

O uso do vidro, de engrenagens e de pesos deixa os relógios mais precisos.

Ampulheta

Pouco antes da Era Cristã surge o relógio de água transportável. Tem dois vasos de vidro ligados por um orifício. Logo, a água é substituída por areia. Alguns atribuem a invenção a Platão (400 a.C.) e outros a Aristóteles (250 a.C.).

Mecânica

Em 287 a.C., Arquimedes inventou a roda dentada, que seria a base dos relógios mecânicos, surgidos no século VIII na China e no século XIII na Europa. Pesos ajudavam a manter as engrenagens girando continuamente.

Pêndulo

Em 1656 o alemão Christiaan Huygens inventou o relógio de pêndulo. Ele se baseava na oscilação natural de um peso na ponta de um fio ou vara. O movimento era mantido por um sistema de molas. Atrasava menos de 1 minuto por dia.

O homem do tempo

Aos 13 anos, Vanderlei Bagnato apresentou uma experiência no evento Jovens Cientistas, na USP. Quando um professor apontou deficiências no trabalho, o garoto retrucou: “Pois eu ainda vou fazer muita pesquisa importante.”

Aos 37 anos, ele já cumpriu a promessa. Cursou Engenharia na Universidade Federal de São Carlos e Física na USP da mesma cidade, doutorou-se no Instituto de Tecnologia de Massachusetts (MIT) e em 1987 voltou para a USP, onde ganhou fama.

“Ele é o primeiro da América do Sul em aprisionamento de átomos e seus experimentos sobre colisão atômica são muito originais”, disse à SUPER David Wineland, do Instituto Nacional de Padrões e Tecnologia americano, o homem que, em 1996, colocou o átomo em dois lugares ao mesmo tempo.

Quem manda na hora do Brasil

Cássio Leite Vieira, do Rio de Janeiro

Porto do Rio de Janeiro, final do século XIX, quase meio-dia. Capitães de navios fundeados na baía olham para um prédio no alto do morro sobre o qual um balão permanece suspenso. Quando o balão for desinflado será meio-dia em ponto e os comandantes poderão acertar seus cronômetros.

Fornecer a hora certa era a principal função do Imperial Observatório do Rio de Janeiro, rebatizado, em 1899, com o nome de Observatório Nacional. Desde então, os métodos de marcação do tempo evoluíram muito.

Em 1921, o agora Departamento do Serviço da Hora já trabalhava com pêndulas, relógios com pêndulo que lembram aqueles de parede. Nas décadas seguintes, entraram em ação os padrões de medição a quartzo, que começaram a ser trocados em 1970, quando o Serviço importou o primeiro relógio de césio 133, que, diga-se de passagem, não é o césio 137, aquele que causou o acidente radioativo em Goiânia em 1987.

Hoje, o tempo brasileiro é medido com sete relógios de césio e dois de maser de hidrogênio, osciladores que geram microondas, também com freqüência altamente precisa.

Além de apurar a hora oficial e oferecê-la a sistemas de comunicação, de transporte, de navegação e outros, a instituição cuida da calibragem de cronômetros e relógios atômicos. “Em breve, a hora certa será fornecida via modem, com exatidão de centésimos de segundo, para acertar automaticamente sistemas de computadores”, disse à SUPER Paulo Mourilhe Silva, chefe do Serviço. Hoje, a hora do Observatório, com precisão de décimo de segundo, pode ser consultada, via modem, pelo número 021 580 0677. Por telefone (021 580 6037), consegue-se apenas precisão de segundo.

Atualmente, Mourilhe está empenhado em melhorar a precisão brasileira. Pela norma internacional, a diferença entre a hora gerada no Brasil e a que vem do Escritório de Investigação da Hora, na França, não poderia ser maior do que 100 bilionésimos de segundo. Mas o Observatório Nacional já consegue uma diferença quatro vezes menor, de 25 bilionésimos de segundo. É muito bom, mas será ainda melhor quando os medidores de tempo produzidos na relojoaria atômica de São Carlos deixarem de ser experimentais.

Ponteiros velozes

No relógio horizontal o átomo tem impulso demais.

1) Enquanto na fonte atômica o césio 133 é paralisado pelo raio laser, no relógio horizontal ele é aquecido, vira vapor e sai a uma velocidade de 250 metros por segundo.

2) Na fonte, são usados sete fachos de laser para conseguir paralisar o átomo. Aqui basta um para colocar os elétrons na camada de mais baixa energia, próxima ao núcleo, já que os átomos não vão ser paralisados.

3) A partir deste ponto tudo funciona como na fonte, só que os átomos estão andando mais rápido, o que os torna marcadores menos precisos. O oscilador cria um campo eletromagnético na cavidade por onde os átomos passam, o que faz os elétrons pularem para a camada de maior energia.

4) Um segundo facho de laser ilumina os átomos cujos elétrons fizeram a transição.

5) O detetor conta quantos átomos brilharam e informa ao oscilador se a freqüência está correta.

Da eletricidade à era atômica

O balanço do pêndulo cede lugar ao movimento das ondas eletromagnéticas.

Eletricidade

O primeiro a usar eletricidade para movimentar o pêndulo foi o físico italiano Giuseppe Zamboni, em 1830. Em 1889, o alemão Sigmund Rieflers construiu um relógio do gênero que atrasava só 1 centésimo de segundo por dia.

Quartzo

Nos anos 30, surge o relógio de quartzo. Quando recebe uma corrente elétrica, o quartzo vibra e gera uma freqüência constante que pode ser usada como padrão de tempo. Os 1um segundo em três anos.

Átomo

Isidor Isaac, Nobel de Física em 1942, fez as pesquisas que levaram à construção do primeiro relógio atômico, em 1948, nos Estados Unidos. Ao lado, você vê o modelo brasileiro, feito em São Carlos, que mede 80 centímetros.

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