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Hubble, aqui vamos nós!

Cinco talentosos amadores, escolhidos entre centenas de candidatos, vão estudar o universo com a ajuda do mais sofisticado telescópio já construído.

Por Da Redação Materia seguir SEGUIR Materia seguir SEGUINDO
Atualizado em 31 out 2016, 18h49 - Publicado em 31 mar 1992, 22h00

Shireen Gonzaga

À medida que aprimoram seus instrumentos e esquadrinham o Universo com precisão crescente, os astronômicos deparam com fenômenos nunca vistos. Entre inúmeros exemplos, existe um estranho arco luminoso junto ao aglomerado de galáxias CL 2244-02. Não se sabe se essa gigantesca estrutura cósmica, estendendo-se por muitos trilhões de quilômetros, é um simples efeito óptico ou se representa uma forja de estrelas situada onde menos se poderia esperar, em pleno vazio entre as galáxias. Mesmo nas vizinhanças da Terra, encontram-se enigmas que não se podem explicar. É possível verificar, por exemplo, que lo, um dos dezesseis satélites de júpiter, às vezes brilha com intensidade inesperada, talvez em decorrência de alguma intempérie análoga a geadas ou nevascas.

Tais questões são grandiosas fascinantes, e sua solução exige engenho e persistência,a mas engana-se quem pensa que elas só poderiam ser enfrentadas por profissionais altamente especializados e experientes. É verdade que o instrumento selecionado para investigá-las foi nada menos que o maior e mais sofisticado telescópio já construído, o Hubble. Os escolhidos para usa-lo, no entanto foram cinco astrônomos amadores. No texto a seguir, publicado originalmente na revista americana Astronomy Shireen Gonzaga, especialista no assunto, conta por que e como esses pesquisadores foram escolhidos e de que modo eles pretendem realizar suas investigações.

Em 1986, Riccardo Giacconi, diretor do Instituto Científico do Telescópio Espacial (STSel), anunciou que astrônomos amadores teriam oportunidade de participar da missão Hubble. E justificou o programa: “Historicamente, além de produtores de conhecimento em Astronomia, os astrônomos amadores são também os mais interessados dentre o público em geral”. Assim, em 1986, o Amateur Astronomer Working Group (AAWG), um grupo de oito associações de astrônomos amadores nos Estados Unidos, comandado por Stephen Edberg, fez uma convocação geral pedindo propostas de observação astronômica. Como resultado, foram apresentadas 200 idéias, dez das quais, após uma avaliação inicial, foram enviadas ao STSel.

Em seguida, escolheram-se os cinco vencedores: John Hewitt, Pete Kandefer, Ana Larson, Jim Secosky e Ray Sterner. Eles foram convidados a comparecer ao STSel, em outubro de 1989, para preparar suas promissoras observações. Lá, os amadores passaram pelos mesmos rigorosos preparativos dos profissionais. Isso inclui consulta a cientistas e outros especialistas em instrumentos, a escolha dos melhores equipamentos e a tradução do plano de trabalho em detalhados comandos de utilização do telescópio. As dezessete horas do tempo que a espaçonave permaneceria não encoberta pela Terra a sua disposição teriam de se utilizadas com a maior eficiência possível – o tempo de alocação dos amadores, apesar de significativos, é pequeno, comparado às 2 000 horas de utilização dos profissionais. Encerradas as preparações, os amadores passaram à expectativa de seu turno no telescópio.

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As aventuras intergalácticas de Ray Sterner começaram quando ele sugeriu a um amigo incrédulo que a estrutura espiral observada em algumas galáxias talvez se devesse à iminência de colisão com outra galáxia. Para prova-lo, Sterner, que é matemático do Laboratório de Física Aplicada de Maryland, produziu modelos de colisão por computador, um dos quais representava um abalroamento lateral. Isto é, mostrava duas galáxias chocando-se de raspão. O resultado mostrou uma enxurrada de estrelas espirrando de uma das galáxias, mais ou menos na forma de um arco.
Em vista disso, em 1987, não muito tempo depois de ter produzido esses modelos, Sterner interessou-se por um arco real, que aparecia numa fotografia do aglomerado de galáxias CL 2244-02.

Imagens podem definir se neva em lo, uma das muitas luas de Júpiter

Alguns astrônomos acreditam que esse arco luminoso seja resultado de um efeito conhecido como lente gravitacional. Em outras palavras, o arco não seria um objeto, propriamente, mas mero efeito óptico – a imagem distorcida de um corpo distante. A distorção, nesse caso, seria causada pela imensa força gravitacional do aglomerado CL 2244-02, que estaria situado entre o suposto corpo distante a Terra. Tal hipótese emerge naturalmente, quando se nota que o arco é semicircular, que seria a forma esperada de uma imagem distorcida. Outra pista é a geometria do fenômeno, que aproxima o arco ao aglomerado galáctico.

Apesar disso, a forma do arco também se ajustava ao modelo de colisão de Sterner – tão bem que ele decidiu ir adiante com sua investigação. O arco, descobriu ele, apresentava uma coloração azulada, indicando, talvez, a presença de estrelas jovens e quentes. Acredita-se que a colisão de galáxias dispare a formação de muitas estrelas de massa elevada, com períodos de vida da ordem de apenas dezenas de milhões de anos. Retornando a seu modelo por computador, Sterner tentou forçar o arco a conformar-se à mesma escala de tempo da vida das estrelas de massa elevada. No entanto, foi impossível. O melhor que conseguiu foi criar um arco com duração de algumas centenas de milhões de anos. Algum mecanismo deveria estar agindo ativamente no sentido de rejuvenescer o conjunto de estrelas no arco.

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Na tentativa de encontrá-lo. Seterner foi capaz de modelar uma seqüência de cenas simulando a formação do arco no aglomerado CL 2244-02. Numa primeira cena, uma colisão de raspão arranca um exame de estrelas de uma das galáxias do aglomerado. Na cena seguinte, as estrelas ejetadas se projetam da espiral como um lençol de estrelas de contorno levemente encurvado – em suma, semelhante à forma do observado arco luminoso. A galáxia responsável pelo choque, supôs Sterner, poderia ser uma suspeita galáxia efetivamente localizada no aglomerado por suas emissões de ondas de rádio. Pode-se imaginar que tais emissões se devam a um buraco negro tragando a poeira e os gases liberados pela colisão. Esta, além disso, detona uma vigorosa onda de formação estelar, capaz de povoar o arco de astros quentes e de alta densidade.

Na simulação eletrônica, esses pesos-pesados emitem poderosa corrente de partículas subatômicas eletrificadas, conhecida como vento estelar. Em alguns casos, a concentração de grande massa é de tal ordem que os astros terminam seus dias em violentas explosões de supernovas, emitindo intensas ondas de choque. A dinâmica desse cenário cria, assim, o que se pode chamar de “represa intergaláctica”,pois impede que os gases quentes escapem e faz com que se acumule no interior do aglomerado. Então, à medida que a densidade cresce, forma-se uma nova geração de estrelas maciças. A sucessão de gerações explicaria a pouca idade das estrelas do arco no aglomerado 2244-02. E, se Sterner estiver certo, descortina-se um mecanismo extraordinário – o da formação de estrelas, não no interior, mas no vazio à volta de uma galáxia.

Em uma região bem menos remota, um outro fenômeno faz com que a atenção dos cientistas se volte, desde 1964, para Io, a lua mais próxima de Júpiter. O problema é que, depois de dar a volta ao planeta e emergir de sua sombra, a lua parece menos luminosa que o usual. Esse estranho efeito diminui aos poucos, 10 ou 15 minutos depois do reaparecimento do satélite. Para aumentar ainda mais o mistério, tais constatações são esporádicas, observadas apenas em alguns casos e não em outros. Outro detalhe: durante sua curta visita ao sistema jupiteriano, na década passada, as sondas americanas Voyager 1 e 2 detectaram uma pequena e breve luminosidade na região polar sul de Io. Tal fenômeno não fora verificado em observações a partir da Terra, cuja atmosfera continuamente engana os observadores, pois mistura as sensíveis medidas fotométricas de Io com a luz do brilhante Júpiter.

Explosão em estrela distante talvez revele cometas à sua volta

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Agora, Jim Secosky, professor de Ciências na Escola Bloomfield do primeiro e segundo graus, em Nova York, vai utilizar as vantagens excepcionais do Hubble para descobrir o que realmente está acontecendo nas plagas jupiterianas. Ele explica sua idéia, “É possível que Io, ao cruzar a sombra de Júpiter, torne-se mais fria. Em conseqüência, forma-se neve ou gelo em sua superfície, o que torna a lua mais brilhante. Depois de 10 ou 15 minutos, a luz do Sol derrete a neve ou o gelo, restaurando o brilho habitual.” Secoski vai tentar resolver o mistério de Io com auxílio da câmera planetária do Hubble e de uma técnica cada vez mais comum entre os usuários do telescópio.

Trata-se da desconvolução: um método de processar imagens e limpa-las de aberrações ópticas. Primeiro Secosky fará uma série de fotos utilizando dois filtros, de modo que, mais tarde, poderá comparar os resultados de cada filtro, avaliar o grau de eficiência apresentado em cada filtro e corrigir a imagem. Ainda como objetivo de eliminar aberrações, o astrônomo deverá analisar imagens de uma estrela distante, obtidas com a mesma câmera usada para Io. Talvez assim se aprenda

Mais sobre o desconhecido sistema meteorológico dessa lua.
John Hewittm de Berkeley, pesquisará um aglomerado de cometas em torno de uma estrela distante do Sol. Sua idéia é obter informações sobre a nuvem de Oort, um ajuntamento de corpos que envolve o Sol e os planetas a imensa distância. Considera-se atualmente que os cometas se originam nessa nuvem. No entanto, no sisema solar, é extremamente difícil detectá-la, mesmo com os equipamentos astronômicos de ultima geração. O motivo é que os corpos celestes que a compõem são primitivos aglomerados de poeira e gelo que perambulam até uma distância de 30 000 a 100 000 UA (ou unidade astronômica, que mede aproximadamente 150 milhões de quilômetros).

A saída talvez seja procurá-los junto a outras estrelas – mas como fazer isso, se não podemos ver nossa própria nuvem de Oort? A estratégia de Hewitt é observar um sistema composto por uma estrela comum girando em torno de uma nova, classe de astro superdenso: quando a estrela comum transfere massa para a nova, ocorrem explosões termonucleares caracterizadas por súbito e intenso aumento de brilho. Hewitt espera utilizar esse breve jorro de luz para iluminar uma nuvem de Oort que por ventura envolva a nova. Ela poderia ser identificada devido às moléculas que a compõem. Acredita-se que sejam moléculas simples, como o monóxido, o dióxido e o bissulfureto de carbono, o metano, a amônia e, acima de tudo, água congelada.
A observação seria feita durante a formação da cauda dos cometas, depois que um corpo é arrancado da nuvem de Oort e se aquece nas proximidades do Sol – ou de uma nova. Em vista disso, as partículas de sua superfície passam ao estado gasoso, e escapam da superfície junto com grãos de poeira. Mais tarde, a poeira e o gás são espalhados para trás sob pressão da radiação e das partículas emitidas pelo Sol ou pela nova. Isto produz a conhecida causa dos comeras, onde as moléculas podem ser identificadas. Uma nova adequada para os estudos de Hewitt teria que estar situada em nossa galáxia, a Via Láctea, e sofrer uma erupção enquanto estivesse sendo observada – durante um ano a partir de julgo de 1991.

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Esforço para achar substâncias raras em estrela de brilho variável

Depois de tentar localizar objetos iluminados ao redor de uma nova brilhante. Hewitt deverá utilizar a chamada câmera de ampliação de campo do Hubble e com ela vasculhar a vizinhança da nova. Isso deverá ser feito após o brilho máximo da estrela e a intervalos de vinte a 120 dias. Esse programa de vigilância permitiria flagrar o momento em que o flash de luz atingisse uma possível nuvem de Oort. O pulso luminoso se afastará da nova à veloxudade de 173 unidades astronômicas por dia, iluminando regiões cada vez mais distantes nas vizinhanças do sistema.

Os sistemas particulares de água serão investigados por emissão de radiação do tipo ultravioleta, o que é só possível apenas acima da atmosfera da Terra, que absorve radiação ultravioleta. Mais precisamente, Hewitt vai pesquisar a dissociação da água, que deixa um resíduo chamado hidroxila, formado por dois átomos de hidrogênio e oxigênio ligados entre si. Se Hewitt puder superar os obstáculos e de fato detectar uma nuvem de Oort de uma nova, daria uma contribuição inestimável para se compreender a formação com o meio circundante. E certamente faria um novo lance no antigo jogo da caça aos cometas.

Peter Kandefer, outro amador americano, vai utilizar o Hubble para investigar uma constelação muito especial para os admiradores do Hemisfério Norte, a Ursa Maior. Esse agrupamento inclui uma estrela muito peculiar, de nome Aliote e também conhecida pela sigla HD 112185. Trata-se de uma estrela de brilho muito variável, com um período de vida bem definido, cuja luminosidade oscila num período de 0,03 a 5,09 dias. Ela faz parte de uma classe especial de estrelas, algumas das quais apresentam traços fortes e incomuns dos elementos silício, estrôncio e cromo, assim como grande abundância de elementos raros, como o európio.

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Alguns traços tornam-se periodicamente mais fracos, enquanto outros, mais intensos. A análise da luz emitida por esses elementos revela a presença de fortes campos magnéticos em tais estrelas. Não é de admirar que os astrônomos se refiram a elas como estrelas especiais – por que têm um comportamento tão estranho? Por meio de suas medidas, Kandefer poderá desenhar o campo magnético da estrela análise complicada, mas de grande valor para se entender melhor a evolução e a estrutura das estrelas.

Finalmente, Ana Larson, estudante da Universidade de Vitória, no Canadá pretendia enfrentar aquela que é, talvez uma das mais excitantes e irresistíveis tarefas da atual pesquisa astronômica: a busca de planetas fora do sistema solar. Há evidência indireta de que existem planetas ao redor de outras estrelas. O movimento oscilante de certas estrelas, por exemplo, pode ser atribuído a corpos invisíveis aos instrumentos atuais, Ana planejou ser a primeira a conduzir o Hubble numa busca desse tipo e decidiu procurar planetas em formação entre as estrelas de uma categoria denominada T-Tauri – que são jovens astros envoltos em verdadeiros casulos de gás quentes.

Para obter suas imagens, ela pretendia captar energia na forma de radiação infravermelha, emitida na região das estrelas. Seus cálculos indicaram que, sob certas condições, seria teoricamente possível observar um protoplaneta com o Hubble. Seu alvo seria o complexo de estrelas conhecido pelo nome Touro-Auriga, que fica à distância de 522 anos-luz (um ano-luz mede cerca de 9,5 trilhões de quilômetros). Nessas condições, um eventual protoplaneta, com massa entre 5 e 10 vezes maior que a de Júpiter, emitiria radiação em quantidade suficiente para ser detectado. Tal corpo também precisaria estar ao menos a 10 unidades astronômicas da estrela – a distância aproximada entre Saturno e o Sol.

Fascínio persistente pela busca de planetas fora do sistema solar

Infelizmente, nada disso poderá ser realizado, pelo menos por enquanto. O motivo é um defeito no espelho principal do Hubble, descoberto somente depois de se ter aprovado a proposta de Ana. Tal como está, o espelho perderia qualquer migalha de luz capaz de revelar a presença de um protoplaneta no complexo de Touro. Ana, portanto, terá de esperar até que o espelho seja concertado.

Enquanto isso, os outros amadores deverão ocupar suas vagas no telescópio espacial. Mais tarde quando a primeira fornada de amadores já estiver na fase pós-observação, outro grupo estará iniciando um novo ciclo de seleção de projetos. Os interessados em se candidatar podem obter informação com Janet Mattei, diretoria do AAV, no seguinte endereço: 25 Birch ST., Cambrigde, Ma 02138. A possibilidade nova de usar o Hubble mudará a atividade dos amadores, acredita Giacconi. “Em vez de tentar fazer o melhor possível com recursos limitados, terão de alçar-se ao mais alto nível científico que puderem.”

Shireen Gonzaga é assistente técnica do Instituto Científico do Telescópio Espacial, em Baltimore, Maryland, EUA.

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