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Não li e concordo

São páginas e páginas de termos misteriosos, usadas por sites e redes sociais para explicar os seus direitos e deveres. Alguns têm palavrões e piadas, outros escondem cláusulas abusivas. No final, você concorda com todas. Afinal, quem lê contratos?

Por Luiz Romero
Atualizado em 27 mar 2017, 12h34 - Publicado em 19 ago 2012, 22h00

No começo de 2005, Doug Heckman resolveu ler um contrato. No meio das cláusulas, encontrou algo estranho – um prêmio de mil dólares. Entrou em contato com a empresa de softwares PC Pitstop, responsável pelos termos, e recebeu o prêmio. O problema: foram precisos 5 meses e 3 mil cadastros para que alguém percebesse a brincadeira. Anos depois, em abril de 2010, a loja de jogos GameStation foi ainda mais longe: escondeu uma cláusula que fazia o usuário ceder os direitos da própria alma à empresa. Enquanto mil pessoas identificaram a brincadeira, 7 mil concordaram.

Assim como a maioria das pessoas nesses dois casos, você, provavelmente, não lê termos de uso e políticas de privacidade na internet. São 97%, segundo pesquisa da Universidade Stanford, os usuários que pulam direto para o “concordo”. Ou seja, de cada 100 cadastrados, apenas 3 sabem o que podem e o que não podem fazer dentro de redes sociais, sistemas de busca e ferramentas de postagem.

Deveriam tomar cuidado: Rebecca Jeschke, ativista da Electronic Frontier Foundation, conta que os abusos são comuns. A EFF defende o direito do consumidor na era da internet: fica de olho nos contratos, registra mudanças e denuncia abusos. E não são poucos: desde empresas que vendem informações pessoais para anunciantes até companhias que proíbem que o usuário abra uma ação judicial, passando por aquelas que não respeitam nem os próprios termos.

Leia uma entrevista com o especialista em direito da informática Paulo Sá Elias

Sua vida: exposta

“Os tipos de informações listados abaixo estão sempre disponíveis publicamente e são tratados da mesma forma que as informações que você decidiu tornar pública.”

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“Estamos construindo uma rede em que o padrão é o social”, disse Mark Zuckerberg. O significado da frase vai muito além do desenvolvimento do Facebook. Pode envolver a invasão da sua privacidade e a exploração dos seus dados pessoais. A princípio, eles só podem dividir com anunciantes as chamadas “informações públicas”. O truque: algumas informações – como seu nome, suas fotos do perfil e sua rede de amigos – só podem ser públicas, não podem ser restringidas por você. Não gostou? “Se você se sente desconfortável em divulgar seu nome real, pode desativar ou excluir sua conta.” A frase não vem de um funcionário revoltado, mas da política de privacidade do Facebook. Não sabia de nada disso? Está tudo registrado nos contratos que você aceitou na hora de se cadastrar. Nos termos de uso, o Facebook justifica a atitude explicando que precisa destes dados para funcionar. Não leu os termos? Você faz parte da massa de usuários de serviços digitais que aceitam as regras sem ler. Mas não se torture tanto: mesmo que você tenha sobrevivido ao jargão jurídico, pode ser que tudo o que você leu tenha mudado em alguma das frequentes atualizações. Para Rebecca, apesar de necessárias, “estas mudanças podem ser usadas para voltar atrás em cláusulas que protegiam a privacidade do usuário”.

Contrato boca-suja

“Nós não queremos lucrar com vídeos adultos e hospedar esse conteúdo é caro pra c******.”

Como prova esse trecho do contrato do Tumblr, nem todos os textos são maçantes. Parece inacreditável, mas os termos de uso da rede de postagens são capazes de divertir o leitor. Isso porque eles incluíram brincadeiras no meio das cláusulas. Além da mensagem para quem divulga vídeos pornográficos, na parte que limita a idade de quem usa o Tumblr, eles recomendam aos menores de 13 anos que “comprem um Xbox ou leiam um livro”. Também pedem que não sejam postadas informações confidenciais, “como número de cartão de crédito, número do seguro social, informações de contato ou fotos do seu ex (não importa a qualidade do material)”.

Seus aplicativos são meus

“Esse contrato permite, em certas circunstâncias, a remoção de aplicativos do seu aparelho com Windows 8.”

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A distância, a Microsoft pode remover programas do seu computador. E, se você não tiver guardado os dados associados a eles, pode perdê-los. Sim, a empresa precisa de bons motivos: “para responder a ações jurídicas ou contratuais” ou “em casos em que a segurança do usuário está em risco”. Pelo menos, eles não escondem o jogo: a cláusula aparece logo no começo do contrato, em destaque. Além disso, se o aplicativo foi pago, eles devolvem o dinheiro. Até a versão de testes do Windows 8, a prática era comum apenas em portáteis. Agora, pode invadir os computadores de milhões de usuários. Vai fugir do sistema operacional? Saiba que você, provavelmente, já corre o risco de perder aplicativos. Apple e Google, com a App Store e o Google Play, respectivamente, podem fazer o mesmo com os aplicativos que você baixa no celular ou no tablet. Mas se você usa Android, corre mais riscos: enquanto a Apple nunca usou a técnica de remover um aplicativo do iPhone ou do iPad a distância, o Google já fez isso algumas vezes.

Compra, mas não leva

“Após o pagamento, a Amazon concede o direito não exclusivo de manter uma cópia permanente do conteúdo digital.”

Em 2009, a Amazon removeu livros do Kindle de alguns usuários, alegando irregularidades na publicação do volume. Poderiam ser exemplares de O Diário de um Mago ou qualquer um dos 7 volumes de Harry Potter, mas, não, era 1984, de George Orwell, que fala exatamente de uma sociedade que controla produções culturais, onde livros subversivos são atirados ao fogo. Com o sumiço desta e de outra obra do autor, A Revolução dos Bichos, os compradores reclamaram com a companhia – afinal, remover um livro do seu Kindle é o mesmo que retirar um volume da sua estante. Os termos de uso garantiam que isso não poderia acontecer e que o produto ficaria com o comprador de forma permanente. Em resposta, Jeff Bezos, CEO da Amazon, publicou um pedido de desculpas: “nossa solução para o problema foi estúpida, imprudente e foge dos nossos princípios”. Além de Bezos, Drew Herdener, representante da Amazon, disse ao The New York Times que a empresa estava “mudando os sistemas para que, no futuro, não possa remover livros do dispositivo dos clientes em nenhuma circunstância”.

Proibido processar

“Quaisquer processos judiciais de resolução de disputa, seja em arbitragem ou tribunal, serão conduzidos somente de forma individual e não em uma ação coletiva ou representativa.”

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Os jogadores da PlayStation Network, em conjunto, não podem mover processos contra a Sony. Pelo menos, segundo o contrato da rede de jogos. A cláusula que proíbe as ações judiciais em grupo foi adicionada sem muito alarde, mas não sem muito motivo: ocorreu depois da crise gerada durante a invasão da PlayStation Network, entre abril e junho do ano passado, quando dados de 77 milhões de usuários ficaram expostos a hackers. Além da PlayStation Network, outros serviços da Sony foram invadidos. E as contas de outros 24 milhões de usuários ficaram vulneráveis. Depois de colocar em risco informações de mais de 100 milhões de pessoas, eles têm razão em temer os processos. Ironicamente, a Sony foi processada exatamente pela criação da cláusula antiprocesso. O autor da proposta – uma ação coletiva que pretendia representar todos os donos de PlayStation 3 – acusava a empresa de práticas injustas.

A solução?

Três ideias para solucionar o problema dos contratos: as duas primeiras devem partir da empresa, a última depende de você.

“Por influência de americanos e britânicos, os contratos estão ficando cada vez mais detalhados”, conta Paulo Sá Elias, especialista em direito da informática. E contratos longos, apesar de protegerem empresa e usuário de forma mais completa, são desafiadores para quem só quer finalizar um cadastro. Além disso, segundo Elias, “são tão complexos que, no final, ninguém sabe o que está assinando”. Podem ser menores e mais simples, como prova o Google, que tem apenas uma política para mais de 60 serviços. E o texto é fácil e rápido de ler (veja gráfico acima). Outro jeito, mais complexo e mais efetivo, seria incorporar pedaços da política de uso na interface dos serviços. Por exemplo, ao compartilhar algo publicamente no Facebook, uma janela explicaria que aquela informação pode ser enviada a anunciantes. “Dessa forma, em vez de obrigar o usuário a decifrar os jargões, você explica as regras caso a caso”, conta Rebecca Jeschke, da EFF. Por último, outra solução, muito mais simples: você. Crie o hábito de ler os termos de uso, assim mesmo, como eles estão. Apesar de difíceis, é possível tirar algum sentido deles. E, depois, poderá decidir se quer correr o risco de se cadastrar.

O tamanho do problema

Lendo bem rápido – 300 palavras por minuto – descubra quanto tempo você demoraria para vencer os contratos de grandes serviços digitais

NY
19 páginas
10 895 palavras
36 minutos

APP STORE
16 páginas
8 091palavras
27 minutos

TUMBLR
11 páginas
5 128 palavras
17 minutos

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FACEBOOK
9 páginas
4 056 palavras
13 minutos

WINDOWS STORE
8 páginas
3 898 palavras
13 minutos

KINDLE
6 páginas
2 609 palavras
9 minutos

GOOGLE
5 páginas
1 826 palavras
6 minutos

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