Jesus de Paula Assis
Brenda Laurel é um nome que todo desenvolvedor de videogame conhece. Em 1991, quando ninguém pensava em videogames 3D, ela já desenvolvia ambientes virtuais em que pessoas podiam caminhar, mexer nos objetos, interferir nas histórias. Como? Usando tecnologia de ponta, ainda não disponível para uso doméstico. (E, na verdade, com as quais ainda sonhamos hoje, como os óculos 3D e monitores gigantes que ocupam a parede toda.) Foram essas pesquisas que ensinaram os fazedores de games a ganhar seu público e a criar ambientes em que os usuários se sentissem dentro da ação. Assim, é claro que, se o futuro da educação está intimamente ligado aos ambientes virtuais, nada mais óbvio que perguntar a ela o que está por vir. Será que dá para juntar ensino à distância e ensino ao vivo? Será que isso interessa? Como fazer para tirar o máximo dessa parafernália toda que está aí no mercado? São essas as questões que a Super levou para uma das mais importantes criadoras de mundos virtuais.
Super – Qual seria o limite entre criar melhores personagens virtuais e enganar as pessoas? Especialmente no caso de crianças, como educá-las/entretê-las e, ao mesmo tempo, não as enganar, criando personagens que não podem ser distinguidos de pessoas reais? No teatro, as coisas são mais simples, pois os espaços separados para atores e público sinalizam onde termina a realidade. Mas, com computadores (especialmente nos chats) a separação fica mais difícil, não?
Brenda Laurel – Esse é um problema bem interessante e que é freqüentemente colocado para mim como uma objeção à realidade virtual. Acho que uma resposta está no contexto. Da mesma forma que observamos que um palco fornece o contexto no qual sabemos que os personagens não são “reais”, acredito que a plataforma tecnológica de uma experiência (chat, mundos virtuais etc.) pode sinalizar que os personagens não são “reais”. Esse é um tipo de alfabetização que as pessoas desenvolvem conforme vão se aclimatando ao novo meio. Não me preocupo com que crianças confundam personagens com pessoas reais ou experiência virtual com experiência real. Mas me preocupo muito com que as crianças possam substituir a ação no mundo real pela ação em mundos virtuais, de forma a experimentarem uma espécie de falso poder pessoal. Bem agora, o substituto mais fácil para o poder pessoal é o tipo de violência que vemos nos videogames. Acho que um desafio importante é desenvolver contextos e ambientes virtuais que ofereçam às crianças expressões mais positivas de ação e de poder pessoal. De certo modo, sua pergunta não é muito diferente de perguntar se é bom ensinar suas crianças a acreditarem em Papai Noel, fadas ou fantasmas. Se vemos essas coisas como histórias ou mitos, então acho que as crianças naturalmente passam de uma interpretação literal delas a uma interpretação simbólica. Só quando apresentamos essas coisas às crianças como verdades literais (e não dentro de um espírito de mágica ou de conto), é que elas se tornam ilusões perigosas. Pessoalmente, estendo esse ponto de vista ao ensino da religião a crianças, embora isso seja um assunto muito mais delicado.
Em seu livro Computadores como Teatro, você escreveu que “a interatividade humano-computador pode ser dividida em duas categorias amplas: produtiva e experiencial”. Será que essas duas categorias não estão aos poucos fundindo-se?
Outra grande questão! Acredito que temos hoje uma apreciação melhor das dimensões experienciais dos produtos voltados à produtividade, como os sistemas de CAD, as simulações de treinamento ou os ambientes de gerenciamento de informação. Temos ainda muito o que caminhar no sentido de perceber os aspectos “produtivos” daqueles tipos de meios que antes entendíamos como sendo primariamente experienciais (por exemplo, os games e outras formas de entretenimento). Estamos começando a ver que os meios de entretenimento produzem ou reforçam valores, por exemplo, e podem ser “produtivos” também no sentido de veicular conhecimento.
Você afirma que, ao projetar um software (ou um livro, ou mesmo um programa de TV), o lado educacional ou de entretenimento “depende muito de como o autor/artista vê a audiência e qual sua atitude em relação a ela”. Em termos de produção de software, quais os passos que você segue ao construir seja um programa completo, seja um site?
Uma forma de descrever o processo de desenvolvimento do projeto é responder a uma série de questões: Para quem a aplicação é voltada? O que queremos que as pessoas sejam capazes de fazer com ela? O que não queremos que as pessoas façam com ela? Como podemos fazer para desenvolver um projeto que acomode usos nos quais nem tínhamos pensado? Quão freqüentemente o resultado de nosso trabalho (o programa ou site) deve mudar, de forma a permanecer interessante? Existe um caminho elegante para mudanças? Como podemos dar às pessoas (aos usuários ou à audiência) poder para personalizar nosso trabalho? Devemos ter sempre em mente, em todas as etapas do processo, que as pessoas adoram produtos que as façam sentir-se bem com respeito a si próprias. Elas gostam de sentir que estão no controle e também adoram sentir que são apoiadas, ou mesmo “melhoradas”, pelos produtos de que gostam.
Qual seria (no estado atual da tecnologia) a melhor forma de acoplar liberdade de ação com a narração de uma história em um ambiente virtual? Histórias podem ser contadas desde que os ouvintes ou leitores não mexam no enredo. Se puderem, como deve acontecer em um ambiente realmente interativo, de que maneira permitir isso e, ainda assim, conseguir contar alguma coisa?
Uma das técnicas que usamos no site Purple Moon era permitir que as pessoas descobrissem elementos da história pregressa da ação, que lhes permitiriam construir explicações acerca do que estava acontecendo na narrativa principal e fazer previsões sobre o que aconteceria em seguida. Isso preserva a narrativa intacta, mas também permite um certo grau de construção de narrativa pelos participantes, em uma espécie de jogo. Outra técnica que pode funcionar bastante bem é projetar ambientes que tenham potencial para o desenvolvimento de muitas histórias, cada uma delas guiada pelas ações dos participantes. Em Computadores como Teatro, descrevi esse processo como desenvolvimento guiado pelos materiais, em oposição ao desenvolvimento guiado pela forma (ou seja, de baixo para cima e não de cima para baixo). Dados alguns objetivos, propriedades do ambiente, variáveis de situação, personagens, objetos etc., a “história” de cada pessoa consistiria em sua experiência única naquele mundo. As histórias podem ter muitas coisas em comum (por exemplo, encontrar um tesouro ou resolver um mistério), mas o caminho que trilhamos do início ao fim (ou seja, o miolo da história) será único para cada participante. Ou seja, basta que não usemos um projeto que crie obstáculos (no qual o participante tem de parar até que supere uma dificuldade qualquer) e sim um que ofereça múltiplas possibilidades a todo momento. O videogame Myst é um bom exemplo desse tipo de enfoque.
E como juntar o ensino via computador, ou seja, aquele que dispensa a presença do professor, e o ensino presencial, em que aluno e professor estão lado a lado?
Acredito que os computadores oferecem excelentes possibilidades de mostrar situações de “e se isso acontecer?” Por exemplo, sou perfeitamente capaz de imaginar, em disciplinas como matemática e ciências, a união de um bom software de simulação com a presença ao vivo de professores. Computadores também são capazes de oferecer excelentes simulações de exploração nas quais a atividade é dirigida pelo aluno. Por exemplo, programas que permitem “dar um passeio” pela Lua, ou por Paris, ou ainda dentro de uma célula. A tecnologia também pode oferecer ótimas ferramentas de campo para analisar e registrar percursos no mundo real. Conforme formos melhorando nossa capacidade para criar simulações interativas de sistemas complexos, os estudantes poderão aprender sobre a dinâmica de certos sistemas modelando-os. Isso valeria para ecossistemas, sistemas biológicos, econômicos etc. Simulação, modelagem, exploração, análise, mensuração e registro são ótimos complementos do ensino ao vivo.
Frases
“Estamos vendo que os meios de entretenimento têm o poder de produzir e reforçar valores”
“Os computadores são excelentes ferramentas para exercitar a abstração”