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O homem no espaço

O grande salto tecnológico, do Sputnik ao cyberspace

Por Da Redação Materia seguir SEGUIR Materia seguir SEGUINDO
Atualizado em 31 out 2016, 18h35 - Publicado em 28 fev 2001, 22h00

Terra é azul. Foi o que disse Yuri Gagarin, o primeiro terráqueo a ir literalmente para o espaço. Na única missão espacial de que participou na vida, Gagarin levantou vôo em 1961, às 9h07 da manhã do dia 12 de abril, a bordo da nave Vostok 1. E meros 108 minutos depois já estava pousando de volta no Casaquistão. Quer dizer, menos tempo do que se gasta hoje para voar de São Paulo a Salvador, e sem a aporrinhação dos aeroportos. A 327 Km de altitude, Gagarin deu só uma volta em torno da Terra, mas foi o suficiente para que, imediatamente, a humanidade o promovesse a superstar.

Aproveitando a fama instantânea, nos meses seguintes o jovem piloto russo de 27 anos saiu pelo mundo fazendo a propaganda do regime comunista, num longo tour que incluiu uma festiva parada no Brasil. Mas o proletariado soviético ainda tinha outras cartas na manga. Em 6 de agosto, menos de 90 dias após Gagarin aterrissar, outro astronauta russo, Gherman Titov, repetiria a proeza de seu compatriota a bordo da Vostok 2, e ainda traria como suvenir da viagem o primeiro filme que mostrava a Terra vista do espaço. E o mundo pôde ver que ela vivia acolchoada em nuvens e era, de fato, azul.

Aqui embaixo, em terra firme, todos os povos se encantaram com a poética descrição de Gagarin e com as fotos de Titov. Isto é, quase todos, porque para os Estados Unidos, que disputavam palmo a palmo com os russos o domínio do espaço sideral, a Terra até podia ser azul, mas a situação estava preta. E as nuvens, carregadas. No auge da Guerra Fria, a batalha ideológica e psicológica que as duas superpotências mundiais vinham travando, Gagarin representava um perigo e tanto: pela primeira vez, o Império do Mal, como a Rússia era chamada pela imprensa americana, mostrava ao mundo o rosto sereno e o sorriso simpático de um herói capaz de competir em condições de igualdade com o melhor garoto-propaganda do capitalismo americano, o presidente John Kennedy.

Mas, para os Estados Unidos, acima de tudo, aquela era uma questão de orgulho nacional: chegar em segundo lugar numa disputa que só tinham dois participantes era algo inaceitável e Tio Sam decidiu que já estava mais que na hora de partir com tudo para o contra-ataque.

O vôo do Sputnik

A impaciência dos americanos tinha fundamento. A Rússia já estava na liderança da corrida espacial havia quatro anos, desde 4 de outubro de 1957, quando sinais de rádio enviados da estratosfera e captados por estações no mundo inteiro indicavam que havia algo de novo nos céus. Era um pequeno objeto esférico de 83 quilos e pouco maior que uma bola de futebol, o primeiro artefato produzido pela humanidade a escapar da força de gravidade da Terra. O Sputnik – companheiro de viagem em russo – orbitava o planeta em rotas elípticas, cada uma durando 99 minutos. E durante intermináveis seis meses permaneceu lá no alto, girando e bipando. Era uma afronta, já que em 1955 o presidente americano Dwight Eisenhower anunciara solenemente a intenção americana de lançar um satélite artificial, sem imaginar que a Rússia poderia chegar na frente.

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Antes que os americanos pudessem reagir ao Sputnik 1, a União Soviética atacaria de novo. Um mês depois, a bordo do Sputnik 2, a cadelinha Laika teve a glória de se transformar no primeiro ser vivo a enxergar o globo terrestre rodando solto na imensidão. O que ela deve ter pensado a respeito dessa honra nunca se saberá, porque sete dias depois foi colocada em estado de sono permanente, até que suas funções vitais se apagassem. Mas, pelo menos no Brasil, o efeito prático se fez sentir de imediato: todos os cães que nasceram nos meses seguintes foram batizadas de Laika, independente do sexo. De repente, qualquer cachorro chamado Lulu ficou anacrônico e ultrapassado.

Calma, people!

A contra-ofensiva dos Estados Unidos se dividia em duas promessas. A mais corajosa foi feita pelo presidente Kennedy em 1961, nem bem Gagarin havia acabado de tomar um banho depois de regressar do cosmo. Kennedy assumiu o compromisso de colocar um americano na Lua até o fim da década. E fez questão de acrescentar, para acalmar os mais apavorados, que traria o dito-cujo ileso de volta à Terra.

A outra promessa, à qual ninguém prestara muita atenção na época em que foi feita, datava de 1957, enquanto o Sputnik 1 ainda riscava os céus: construir um sistema de defesa à prova de destruição. Os americanos desconfiavam com alguma razão, como se saberia muitos anos depois, que os russos poderiam estar arquitetando um plano maligno de disparar morteiros teleguiados contra a América do Norte. E com razoáveis probabilidades de sucesso, já que Washington ficava bem mais próxima de Moscou que o espaço sideral.

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Avaliando o grau de dificuldade das duas tarefas, hoje a gente imagina que estruturar uma rede de defesa militar parece um troço bem mais simples do que pousar uma nave na Lua. Mas…

Vamos à Lua?

Mas apenas oito anos depois, em 20 de julho de 1969, the Eagle landed, a Águia pousou bem na mosca: a região do Mar da Tranqüilidade, na superfície da Lua. Águia era o nome formal do módulo lunar, que recebeu dos astronautas o carinhoso apelido de Snoopy, o cachorrinho criado pelo cartunista Charles Schultz. Os americanos estavam mesmo dispostos a não dar ponto sem nó: a cadelinha Laika já era história.

Aí, o comandante da missão Apolo 2, Neil Armstrong, desceu os nove degraus da escadinha do Snoopy, cravou a sola da bota de seu pé direito na poeira lunar e decretou, em nome do governo americano e da ONU, que a Lua não teria dono: passava a ser patrimônio de toda a humanidade. Um final glorioso e feliz, como num filme épico em cinemascope.

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Mas, nervoso como um ator em noite de estréia (até que um fato compreensível, dadas as circunstâncias), Neil Armstrong erraria a última fala do script, tão minuciosamente ensaiado em Terra, ao dizer “One small step for man, one giant leap for mankind.” Esquecendo o a antes de man, Neil pronunciou duas sentenças que queriam dizer rigorosamente a mesma coisa. Mas a Nasa segurou a barra e registrou para o filme da História a frase que Neil deveria ter dito: “Um pequeno passo para um homem, um salto enorme para a humanidade”.

Testemunhas oculares da História

Um bilhão e 200 milhões de pessoas no mundo inteiro acompanharam a façanha pela tevê, em transmissão ao vivo. Aqui no Brasil, a primeira pegada humana na Lua foi cravada quatro minutos antes da meia-noite, em rede quase nacional, porque só o pessoal do sul e do sudeste pôde assistir ao vivo. Mas a imagem em preto-e-branco de Neil Armstrong se sacudindo em slow motion num cenário de piso cinza claro e fundo negro estava muito além da compreensão da maioria dos 3 milhões de telespectadores que ficou acordada para conferir se tudo aquilo era mesmo de verdade.

Muita gente não acreditou. Afinal, fazia menos de sete meses que o Brasil assistira à primeira transmissão via satélite, com imagens do papa Paulo VI, em Roma, apresentadas pela Rede Globo. E, em setembro de 1969, apenas dois meses antes da alunissagem, Cid Moreira daria o primeiro de seus quase 10 mil boas-noites! com o início da transmissão, via Embratel, do Jornal Nacional. Tarde demais, infelizmente, para o povo conferir ao vivo o concurso de Miss Brasil 1969, vencido por uma gloriosa catarinense de Blumenau, Vera Fischer.

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Hoje, quase ninguém lembra, mas o segundo homem a pisar na Lua, 20 minutos depois de Armstrong, foi Buzz Aldrin. Em História, a distância que separa o vice do titular é assim mesmo, desproporcional ao tempo. E girando lá em cima, no comando do módulo que os levaria de volta à Terra, estava o menos lembrado dos três, Michael Collins.

E menos gente ainda sabe que naquele dia histórico algo brasileiro ficou na Lua: Neil Armstrong deixou lá um disco de silicone de 5 centímetros de diâmetro, contendo mensagens otimistas de todos os países da Terra. A nossa foi escrita pelo General Arthur da Costa e Silva, presidente da Junta Militar que governava o Brasil em 1969. Ironicamente, a mensagem falava em paz e compreensão entre os povos, enquanto o Brasil vivia sob uma feroz ditadura…

Agora, o outro espaço…

O projeto Apolo mobilizou 300 mil pessoas e os Estados Unidos gastaram, em valores atualizados, 205 bilhões de dólares, dinheiro suficiente para pagar toda a dívida externa do Brasil e ainda sobrar um troquinho para cumprir a promessa de colocar um homem na Lua.

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Já a outra promessa, a do sistema de defesa militar, que parecia um passo bem menos complicado que o de Neil Armstrong, custaria infinitamente menos, envolveria pouquíssima gente e só se materializaria longos anos depois. E não seria saudada por nenhuma frase de efeito, nem por grandes festividades patrióticas.

Mas, pensando bem, a espera até que valeu a pena: foi dela que brotou a Internet. Porque, depois da conquista da Lua, para os terráqueos comuns a Terra continuou girando mais ou menos do mesmo jeito de sempre. Mas, depois da chegada da Internet, o mundo inteiro parece que começou a virar de cabeça para baixo. A história da Internet começa com o Sputnik e ainda está longe, muito longe, de terminar.

Back to the future

De volta a 1957, quando o Sputnik surpreendeu o mundo, o presidente americano Eisenhower começou a tomar providências para que no futuro seu país não fosse mais pego no contrapé pelos russos. E criou uma certa Agência de Desenvolvimento de Projetos Avançados, ou Arpa (Advanced Research Projects Agency). A função da Arpa, subordinada ao Ministério da Defesa, seria a de desenvolver mecanismos defensivos muito mais avançados tecnologicamente do que os então existentes.

A preocupação americana pode ser melhor entendida se olharmos para um passado bem remoto: uns mil anos atrás, para dificultar o acesso e o ataque dos inimigos, os castelos e fortificações eram construídos em locais aparentemente inexpugnáveis, bem lá no topo das montanhas escarpadas. Tudo perfeito, até o dia em que alguém inventou a pólvora. E assim, de repente, os castelos ficaram expostos à artilharia inimiga e na mais vulnerável das posições. Da mesma forma, os Estados Unidos perceberam que suas fortificações terrestres e seus radares já não pareciam mais tão confiáveis, se tudo o que o inimigo tinha a fazer era apertar um botão lá do outro lado do mundo e disparar um míssil atômico contra a América do Norte.

A Arpa vai à luta

Dentre as funções da Arpa, a que lhe dava mais visibilidade perante o opinião pública, o controle do programa americano de satélites militares, escapou-lhe das mãos em pouco tempo: em outubro de 1958, o governo criou outra agência, a Nasa, que passou a administrar todo o projeto aeroespacial. Então o pessoal da Arpa direcionou todo o foco de suas pesquisas para a tecnologia terrestre, embora seu objetivo continuasse o mesmo, e bem específico: monitorar as atividades dos camaradas soviéticos e estar sempre alguns passos à frente deles, tanto no ataque quanto na defesa.

O governo deu carta branca à Arpa para recrutar cientistas, e para usar todas as fontes de apoio que julgasse necessárias, o que incluía contatos freqüentes com os melhores cérebros pensantes das universidades e centros de pesquisa ligados à tecnologia. Mas, tão logo esse seleto grupo foi formado, percebeu-se que a comunicação entre seus integrantes seria um sério empecilho. Falar ao telefone era ineficiente, porque cientistas não conversam, trocam dados. Mandar documentos confidenciais via correio era pouco seguro. E juntar todo mundo com a freqüência necessária era impraticável. O ideal seria que todos os envolvidos pudessem receber exatamente as mesmas informações, ao mesmo tempo, e o mais rápido possível. E aí surgiu uma idéia tão boa na teoria quanto inaplicável na prática: interligar toda essa gente através de grandes computadores.

Inaplicável porque até então os computadores vinham sendo construídos para funcionar de forma estanque: cada um tinha sua própria configuração e seus próprios programas. Portanto, não eram compatíveis. Era como se cada um deles falasse uma língua própria, incompreensível para os demais. E, pior ainda, a tecnologia da época estava ainda muito longe de permitir qualquer tipo de comunicação direta, on-line. Mas, ninguém duvidava, a idéia de uma rede de computadores até que tinha algum futuro.

Devagarinho, a gente chega lá…

Passaram-se três anos… e alguém aí diria: O quêê?? Três anos? Mas aquele povo era muito devagar! Não era, não. À medida que esta história se desenrola, é sempre bom ter em mente que a função da Arpa nunca foi a de criar algo parecido com a Internet. Isso era uma questão secundária, de menor prioridade, que ia sendo resolvida na medida do possível. O que o Ministério da Defesa esperava da Arpa eram resultados muito mais imediatos e muito mais importantes para a segurança nacional: desenvolver aplicações tecnológicas para fins militares. O que aconteceu foi que alguns cientistas associados à Arpa concentraram seus esforços no ramo da transmissão eletrônica de dados, e eventualmente acabaram parindo a Internet. Mas em 1960 esse pessoal provavelmente não era nem convidado a participar das reuniões de alta cúpula da Arpa.

Então, como a gente ia dizendo, passaram-se três anos. Em 1962, John Licklider, cientista e chefe do departamento de computação do MIT (Instituto de Tecnologia de Massachusetts), publicou alguns trabalhos em que mostrava a viabilidade da criação do que ele chamou de Rede Galáctica, inspirado pela maneira como as galáxias se organizam no cosmo: um aparente caos de zilhões de esferas espalhadas no vácuo, mas ordenadas e reguladas pela força da gravidade. Para Licklider, zilhões de sistemas de computação espalhados no mundo poderiam interagir da mesma forma, sem perder a individualidade.

Aliás, galáxia vem do grego galaktos, leite. Os gregos acharam que aquela brancura infinita dos astros no espaço durante a noite tinha um jeitão de leite. E os romanos acreditaram, tanto que traduziram o termo para o latim, como via láctea. Já os americanos estavam começando a transformar tudo aquilo em leiteria…

Para os humanos em geral, o conceito de Licklider era futurista demais: um grande número de computadores ligados entre si e que poderiam ser diretamente acessados por qualquer pessoa, para a inserção ou a retirada de dados, mas sem atrapalhar quem estivesse operando o computador do outro lado da linha. Mas, para outro cientista da própria Arpa, Leonard Kleinrock, a idéia de Licklider não só fazia sentido como ainda se encaixava perfeitamente com seu próprio conceito de transmissão de pacotes avulsos entre computadores.

O conceito de Kleinrock também era a base de uma sugestão feita por Paul Baran à Força Aérea. Baran – que trabalhava na Rand, outro órgão do governo –havia sido consultado sobre uma maneira de evitar que os Estados Unidos perdessem o controle sobre seu arsenal de bombas e mísseis em caso de um ataque nuclear.

E, como solução, propôs os tais pacotes, em que uma informação inteira seria repartida em pedaços.

Multiplicados e armazenados em vários computadores, em locais diferentes, esses pedaços poderiam ser posteriormente resgatados e juntados novamente, como num quebra-cabeças, para reconstituir a informação original. Daí, se um pacote se perdesse, ou o computador onde ele estivesse guardado fosse pulverizado por um míssil russo, bastaria reenviá-lo de um outro computador. E se um espião conseguisse localizar um dos pacotes num computador qualquer, não teria a mínima idéia do que o todo significava.

Desembrulhando os pacotes galácticos

Licklider foi então convidado a se transferir do MIT para a Arpa, onde passou a chefiar a divisão de pesquisa de computação. Sua meta era juntar seu próprio conceito da Rede Galáctica com a estratégia dos Pacotes Avulsos de Kleinrock. Para que isso acontecesse, muito neurônio ainda teria que ser espremido, porque na prática tudo o que era necessário para uma idéia dessas funcionar simplesmente não existia. Para impedir que sua equipe de cientistas começasse a divagar por várias direções ao mesmo tempo, Licklider resolveu antes definir exatamente onde queria chegar. Suas regrinhas básicas chamadas de Protocolo eram estas:

• Cada computador deveria ter uma porta de entrada que ficaria permanentemente aberta para todos os outros, e que permitiria o acesso aos dados comuns a todos, mas não aos dados que fossem propriedade particular de cada um.

• Cada um dos computadores, individualmente, não poderia ser afetado em seus programas e aplicações por modificações que os outros participantes fizessem em seus próprios computadores. Ou seja, deveria ser usada uma linguagem comum de comunicação, já que em 1962 havia quatro linguagens de programação: o Fortran (Formula Translation, criado pela IBM em 1956), o Algol (Algorithmic Language, de 1958), o Cobol (Common Business Oriented Language, de 1960, de autoria do governo americano), e o Lisp (List Processing, também de 1960).

Todo mundo de acordo, o primeiro grande problema a ser resolvido pela Arpa era como transferir os dados, em grandes quantidades e num tempo razoavelmente curto, já que as linhas telefônicas existentes, o caminho mais óbvio, ainda se mostravam totalmente inadequadas para isso.

Mas pelo menos alguma coisa já existia. Esse sistema de transmissão, que a gente conhece por modem, foi desenvolvido pela companhia telefônica americana AT&T, em 1960. Chamava-se Dataphone e já fazia o que os modems de hoje fazem: transformar dados digitais em sinais analógicos, transmitir esses sinais por cabos telefônicos e depois reconstituí-los no formato digital original. Mas a AT&T não estava nem pensando em computadores quando criou o Dataphone: ele foi a base do fac-símile, o popular fax.

O maior problema era o tempo: o Dataphone levava cerca de 4 minutos para transferir uma página de texto. Como os cientistas da Arpa precisavam transferir milhares de páginas e desenhos, o sistema era de uma lentidão absoluta. Ah, o que é mesmo modem? Modulador e demodulador, ou seja, modula de digital para analógico na origem e demodula de analógico para digital na chegada.

Ladies and gentlemen, o show vai começar!

Finalmente, em 1967, o sucessor de Licklider na Arpa, o cientista Leonard Roberts, se sentiu confiante o suficiente para publicar os resultados de nove anos de pesquisas. O documento, chamado de Plano para a Arpanet, causou uma enorme surpresa, mas não a do tipo que os cientistas da Arpa estavam esperando: eles imaginavam que tudo aquilo seria uma novidade absoluta para a comunidade científica, mas ficaram sabendo que outros pesquisadores, trabalhando independentemente nos Estados Unidos e na Europa, estavam chegando a conclusões e resultados semelhantes aos da Arpa.

Percebendo que lá fora do governo havia gente tão boa quanto seus próprios colaboradores, em 1968 a Arpa abriu licitação para interessados em desenvolver o sistema de transmissão de dados da Arpanet (ou seja, inventar um modem mais veloz). A IBM, alegando que uma rede do gênero era inviável, não participou. E foi escolhida a BBN (Bolt, Benarek & Newman), uma empresa de porte médio, que recebeu uma verba de 1 milhão de dólares para tocar o projeto.

Finalmente, em setembro de 1969, uma linha telefônica exclusiva e adaptada à velocidade específica requerida pelo sistema permitiu que os modems de dois computadores remotos pudessem se comunicar diretamente e transmitir dados com a rapidez necessária. E, para levar a experiência a seus limites extremos dentro da área geográfica dos Estados Unidos, os dois computadores escolhidos estavam separados por milhares de quilômetros. Um na costa leste, em Massachusetts, na Universidade de Stanford, e outro – manobrado pelo pioneiro doutor Kleinrock dos pacotes avulsos – na costa oeste, na Universidade da Califórnia, em Los Angeles. Com modems do tamanho de um armário, um teclado à frente e fones de ouvido, a idéia era digitar login, conectar. Os dois professores travaram um curto diálogo:

– There… Got an l?

– Lá vai… chegou um l?

– Yeah!

– Chegou!

– Got an o?

– Chegou um o?

– Yeah!

– Chegou!

– Damn! It jammed!

– Droga! Emperrou!

– Yeah, here too.

– É, aqui também.

Parece um fracasso, mas foi um sucesso. Daí em diante a Arpanet se refinou mais rapidamente, porque o principal passo havia sido dado. No final de 1971, o sistema já tinha 23 grandes computadores conectados e interligados, transferindo informações uns para os outros. E em outubro de 1972 a Arpanet foi apresentada ao público em geral no 1º Congresso Internacional de Computadores e Comunicação, em Washington, através de uma demonstração prática que interligava 40 computadores em pontos diferentes do território americano.

Mensagem pra você!

Ainda em 1972, a Arpa apresentaria ao público um novo aplicativo, desenvolvido pela já conhecida BBN, aquela do modem-armário. Desenvolvido pelo engenheiro Ray Tomlinson, era um programa que, instalado dentro da Arpanet, permitia o envio de mensagens individuais, de pessoa para pessoa. Algo que hoje conhecemos por e-mail.

Isto é Internet?

É claro que toda a comunidade que tinha alguma noção do alcance dos progressos que estavam sendo demonstrados pela Arpa se interessou pelo assunto. A bem da verdade, não era tanta gente assim, só um reduzido condomínio de gênios. E naquela hora nenhum deles parou para pensar que algum dia aquele sistema poderia vir a ter alguma aplicação prática fora dos setores militares ou do circuito acadêmico.

Com dezenas de novos pedidos para fazer parte da rede e centenas de sugestões para aperfeiçoá-la, foi necessário unificar a linguagem de todos os sistemas conectados. Essa série de regrinhas básicas foi escrita em conjunto pela equipe de Bob Kahn, da Arpa, e por especialistas da Universidade americana de Stanford, liderados por Vinton Cerf. O documento se chamava Protocolo de Controle de Transmissão, ou, em sua forma original, Transmission Control Protocol/ Internet Protocol.

A palavra protocolo vem do grego (protos + kolla) e significa primeira cola, ou seja, vamos ver se gruda. Grudou. Porém, e mais importante, é que foi aí, no distante ano de 1974, que a palavrinha Internet veio à luz, sugerida por Vinton Cerf.

Com o surgimento do microcomputador na metade da década de 1970 e sua popularização quase imediata, começou a ficar meio óbvio que, cedo ou tarde, um sistema como o da Arpanet acabaria sendo colocado também à disposição do público em geral. Até porque em 1974 a Universidade de Stanford já havia instalado experimentalmente uma tal TeleNet, a primeira versão meio comercial da Arpanet, para assuntos fora do círculo científico. Isto é, qualquer um disposto a gastar uma merrequinha poderia usar os grandes computadores da universidade para mandar mensagens pessoais para colegas, desde que estes tivessem acesso a outro grande computador integrado à Arpanet.

Mas… e os comunistas?

Nessa altura, alguém poderia estar perguntando que fim levou a Guerra Fria com os russos e a corrida espacial. A resposta é simples: da mesma maneira que o programa que levou o homem à Lua gerou uma infinidade de subprodutos de aplicação comercial nos mais variados setores da economia – do teflon que reveste panelas à cola superbonder, da cadeira de rodas elétrica ao controle remoto da tevê – o esforço tecnológico da Arpa também rendeu como resultado paralelo um sistema de comunicação que poderia ser aberto ao público. Lá dentro da Arpa, entretanto, a missão de correr na frente dos russos continuava a ser prioridade absoluta. E, pelo jeito, foi extremamente bem-sucedida, tanto que um dia o Muro de Berlim acabou desabando…

Uma invasão de NETs

Embora o conteúdo da Arpanet fosse confidencial, a sua arquitetura funcional era aberta, o que permitiu a outras entidades criarem suas próprias variações. Em 1977, a Universidade de Wisconsin abriu seu Theorynet, para que cientistas pudessem tratar de assuntos não ligados à tecnologia militar. A Usenet, que existe até hoje, foi implantada em 1979, por Steve Bellovin, para que grupos fechados trocassem informações sobre notícias de interesse comum. Em 1981, a Universidade de Nova York desenvolveu a Bitnet (o nome era criativo: Bit era a abreviação de Because It’s Time, ou Tá Na Hora) só para cientistas que tivessem computadores da IBM. E, em 1982, os acadêmicos da Europa lançariam a sua própria versão da Arpanet, a Eunet.

Além dessas, pelo menos outras 20 NETs proliferariam rapidamente nos Estados Unidos, todas com regras particulares e linguagens próprias. E isso, em qualquer processo, é sempre o sintoma do início de uma fase caótica.

Finalmente, em 1982, a Arpanet – a maior e a mais poderosa das NETs – divulgou oficialmente que dali em diante passaria a usar exclusivamente em suas comunicações o Protocolo Internet, desenvolvido em 1974. E aí o pessoal das várias NETs espalhadas pelo mundo resolveu aderir, até por uma questão de sobrevivência, caso contrário correria o risco de se isolar do resto dos usuários. Como resultado, em 1983 a palavra Protocolo foi abolida e a rede passou a chamar, simplesmente, Internet.

Mas ainda não é a nossa Internet

Até 1984, toda essa história estava ainda restrita ao circuito acadêmico, e a Internet era uma rede usada somente para fins científicos. Mas o número de computadores ligados a ela era mais de mil; algo que a Arpa nunca previra já começava a se transformar em um problema. Problema aliás agravado porque o número de e-mails pessoais também já estava superando as expectativas mais otimistas.

Combinadas, essas duas falhas de previsão começaram a gerar excesso de tráfego e a causar lentidão. Como os usuários precisavam acessar um computador remoto, que tinha um único endereço e depois se abria em uma espécie de lista telefônica, com todos os usuários nele cadastrados identificados apenas por códigos numéricos, impossíveis de memorizar, perdia-se um tempo descomunal até encontrar o destinatário certo.

Uma solução de emergência foi a criação de um endereço pessoal para cada usuário, substituindo-se os números por nomes. Dessa forma, o contato passaria a ser feito num processo semelhante ao de um sistema telefônico de PABX, em que a ligação é rapidamente transferida para um ramal, sem congestionar o tronco central.

Esses endereços individuais foram chamados de DNS, sigla para Servidores de Domínio de Nomes, Domain Name Servers, um trabalho de autoria da Universidade de Wisconsin. Os endereços foram subdivididos em áreas específicas, mais ou menos como funciona o CEP dos correios brasileiros, que agiliza o processo ao identificar, em seqüência, os estados, as cidades e as ruas. Assim, as universidades ganharam a terminação de educacional (.edu), as organizações mundiais viraram .org, e os setores governamentais, .gov. É interessante notar que nesse primeiro momento não foi criada a famosíssima .com, já que ainda não eram previstas aplicações comerciais em grande escala para a Internet.

Em seguida, viriam duas letrinhas para identificar o país de origem: .br para Brasil, .it para Itália, e assim por diante, com exceção feita aos Estados Unidos, o único país do mundo não identificado por letras. Com a implantação do DNS, uma mensagem para mané@universidade.edu.br chegava ao computador da universidade e era encaminhada, ainda lentamente, mas com menos transtornos, diretamente para o terminal do mané.

A mãozinha do governo…

Em 1981, o governo americano, através da Fundação Nacional da Ciência, (National Science Foundation), havia criado a sua própria rede, a NSFnet, para ser usada por escolas e universidades que, por qualquer motivo, não tivessem acesso à Arpanet. Um desses “por qualquer motivo” era fundamental, e havia deixado muita gente interessada de fora: o uso da Arpanet era grátis, mas a inscrição não era: custava 250 mil dólares, uma pequena fortuna. Mas a coisa ficou meio em banho-maria por quatro anos, porque a NSFnet era meio devagar e tinha um conteúdo mais pobre que o da Arpanet. Até que em 1985 o governo americano tomou uma decisão que teria dois enormes e definitivos impactos sobre o futuro da Internet.

O governo se propôs a cooperar seriamente, até com fundos monetários, para a ampliação do sistema de comunicação entre universidades – e sua primeira medida prática foi a doação para a NSFnet de supercomputadores, com enorme capacidade de tráfego, que eliminariam os já crônicos problemas dos gargalos na transmissão de dados, que vinham levando os usuários da Arpanet à loucura. Os supercomputadores da NSFnet se encarregariam de receber as mensagens e transferi-las para todos os demais computadores conectados a eles, eliminando para sempre os congestionamentos.

O primeiro impacto causado pela medida governamental foi o aumento instantâneo no número de escolas e entidades interessadas em se integrar ao sistema NSFnet, já que o serviço era totalmente gratuito e para aderir bastava ter um computador, de qualquer capacidade. O número de associados ao NSFnet pulou de mil em 1985 para 5 mil em 1986 e 25 mil em 1987, e não parou mais de crescer, até abranger praticamente todo o sistema educacional americano. Em 1990, o NSFnet chegaria ao pico de 300 mil associados no mundo inteiro. E, obviamente, na medida em que o NSFnet se expandia, a Arpanet encolhia.

O segundo impacto viria como conseqüência natural de uma restrição que a NSFnet impôs a seus associados: eles não poderiam usar o sistema para fins comerciais. Isso, claro, logo despertou o interesse de empresas privadas, que anteviram a possibilidade de criar uma espécie de Internet paralela, ou seja, paga pelos usuários. Que, se desejassem, poderiam até recuperar parte do pagamento, anunciando ou vendendo seus produtos e serviços pela própria rede. Involuntariamente (ou, quem sabe, muito voluntariamente, já que não costuma se meter na iniciativa privada), o governo americano, através da NSFnet, estava abrindo a porta do mercado para o aparecimento das empresas .com e da World Wide Web, a rede mundial independente em relação ao circuito acadêmico e às organizações militares.

Eficiente, porém feia…

É claro que qualquer empresa privada que pretendesse se tornar uma provedora de serviços para um grupo de usuários comerciais teria vários obstáculos iniciais a superar. A boa notícia é que a NSFnet já havia decidido que todo o material disponível para fins acadêmicos poderia ser acessado pelos usuários comerciais. Mas as más notícias eram em maior número e bem desanimadoras:

• O usuário precisava aprender comandos específicos e complicados (não, no começo não havia aquela abençoada linha onde hoje a gente só digita um www-ponto-qualquercoisa-ponto-com-ponto-br, dá um enter e o sistema de navegação faz o resto). Era preciso entender mesmo de linguagem de computação e memorizar dezenas de linhas de código para conseguir acessar um endereço.

• Na hipótese pouco provável de consumar o acesso, o usuário comum se depararia com um material de conteúdo denso (em idioma de doutores acadêmicos, praticamente ininteligível para os leigos) e sem nenhuma preocupação com formas, cores ou figuras (tudo vinha num único e interminável parágrafo, no mesmo e monótono tipo de letra – courier 12 – do começo ao fim da página).

Ou seja, era um tremendo pé no saco. Mas não por muito tempo.

Surge o cyberspace

Com tantas palavras novas voando pelos céus da Internet, nada mais óbvio que um cientista qualquer aparecer com o cyberspace, o espaço virtual onde os dados flutuam da origem ao destino. Mas quem inventou a palavra foi um escritor, William Gibson, em seu livro Neuromancer, de 1984. Quer dizer, o mundo dos simples mortais já começava a perceber que aquela coisa de rede interativa já não era mais uma ficção de gênios aloprados…

Finalmente, a Net!

Em 1986, a Universidade de Case, em Cleveland, cria a FreeNet, a primeira rede de acesso público e livre à Internet. Outras surgem em seguida, e um ano depois já há 10 mil internautas americanos ligados a diversas universidades americanas. Foi só então, finalmente, que os mestres da USP, Universidade de São Paulo, decidiram reunir seus colegas brasileiros e discutir a formação de uma rede coisa nossa, interligando as entidades acadêmicas do Brasil. Estávamos, portanto, 15 anos atrasados em relação à Net universitária americana, que havia começado em 1971.

O primeiro vírus ataca!

O autor da proeza foi – lógico – um estudante de computação, Robert Morris, Jr., da Universidade de Cornell. E o efeito foi devastador: 10% de todo o sistema virou pastel. O bichinho entrou no ar em novembro de 1988 e foi batizado de Verme da Internet, Internet Worm. Por causa dele, apareceu às pressas uma certa Cert, Computer Emergency Response Team, um time de especialistas que criaria defesas para bloquear, para sempre, novas investidas de anarquistas. O para sempre, como a gente viu depois, foi uma afirmação exageradamente otimista. Mas, além do vírus, entraria também para o dicionário da Informática o termo hacker. Em inglês, o verbo hack significa fazer picadinho, o que quer dizer que um hacker é uma espécie de reencarnação virtual de Jack, o Estripador.

Além de tudo isso, Morris teve também a duvidosa glória de ser o primeiro réu processado e condenado por fazer bagunça no espaço virtual. Ele pegou três anos de prisão – que cumpriu em liberdade condicional, por ser primário e possuir bons antecedentes – e teve que pagar 10 mil dólares de multa. Em 1990, Morris apelou da sentença e teve seu apelo rejeitado, o que criou a jurisprudência usada para condenar todos os hackers dali em diante.

O Brasil na Internet

Demorou, mas entramos. A Fapesp, Fundação de Amparo à Pesquisa do Estado de São Paulo, e o LNCC, Laboratório Nacional de Computação Científica, do Rio de Janeiro, são as duas primeiras entidades a botar nossa bola na rede, em 1988. Mas, para que a galera na geral aderisse, ainda faltava uma coisa: o provedor, aquele intermediário que tem um computadorzão, ao qual nossos micrinhos pagam um pedágio para acessar a Internet. Ainda esperaríamos até 1994, quando surgiu o primeiro provedor brasileiro.

E a Arpanet?

O suporte financeiro do governo americano fortalece a NSFnet e faz com que a Arpanet definhe, até que se transformar num pequeno setor burocrático. Um belo dia, em 1990, sem lamentos nem comemorações, seus últimos funcionários são transferidos para outros departamentos, e a Arpanet nem precisa ser extinta. É, simplesmente, desplugada.

Enfim, a Web

Em 1989, Tim Berners-Lee cria na Suíça o programa que dá à luz a WWW – World Wide Web – ao permitir que textos e figuras sejam transferidos e captados por qualquer computador. É isso que se chama hipertexto, nome que aparece abreviado como http – hypertext transfer protocol – em todas as conexões da rede. Numa atitude rara, Tim desencana do lucro e torna a sua criação um domínio público. Esse cara merece uma estátua!

Em 1991, a NSFnet levanta a barreira que impedia o uso da Internet para fins lucrativos. No ano seguinte, aparece o primeiro browser – o Mosaic – que permite o acesso à rede através do mouse: é o fim dos códigos de programação. Nas mãos do público, a Internet vira as comunicações e o mundo dos negócios de pernas para o ar. Sua evolução é cada vez mais rápida. Febril. Mas com ocasionais recaídas. Por conta dessas últimas, muita gente crê que o boom da Internet já passou. Engano. Qualquer que seja o futuro, a Internet ajudará a escrevê-lo.

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