Os terráqueos estão chegando
Até agora não há por que temer uma invasão marciana. Em vez disso, o homem é que está prestes a encher o céu avermelhado do planeta vizinho com geringonças voadoras.
Thereza Venturoli
Amanhece no Vale Marineris. Vinte garotos com mochila e roupa de astronauta fazem algazarra no compartimento de embarque da estação espacial. Eles passaram um ano de férias no maior cânion de Marte – e do sistema solar – e se preparam para voltar à Terra. A cena pode se tornar realidade ainda na primeira metade do século XXI. É parte da odisséia inaugurada no final do ano passado, com o lançamento das primeiras missões a Marte.
A comissão de frente, que abriu o desfile espacial, partiu em novembro, com a Mars Surveyor. Em dezembro, depois de dois adiamentos – um devido ao mau tempo, outro por falha nos computadores – decolou a Pathfinder. As duas pioneiras vão estabelecer uma base para as próximas viagens.
É bem verdade que nem só de brilho foi feita a largada rumo a Marte. A nave russa Mars 96, lançada em novembro, não conseguiu deixar a órbita da Terra e acabou caindo, aos pedaços, em pleno Oceano Pacífico, perto da Ilha da Páscoa. Além dos 300 milhões de dólares de prejuízo, o desastre impediu o teste de equipamentos a serem aproveitados em outras missões.
Mas o acidente de percurso não vai interromper a corrida para Marte. Os planos da Nasa prevêem pelo menos mais quatro missões até o ano 2005, uma delas em parceria com a Agência Espacial Européia (ESA). Os japoneses também estão saindo, com a Planet B em 1998. Essas exploradoras robotizadas vão preparar terreno para a primeira missão tripulada já em 2018.
Em busca dos micróbios perdidos
Não é de hoje que o homem bate na porta do vizinho à procura de algum morador. Já em 1976 duas sondas americanas Viking pousaram em Marte, mas não conseguiram detectar sinal de vida. Depois disso, três outras máquinas quebraram sem chegar ao destino. A próxima missão desenhada para encontrar ETs acontece em 2003. Até lá, pode-se até topar com eles, mas só por acaso. É a Intermarsnet, patrocinada pelos Estados Unidos e catorze países europeus, que deve analisar, pela primeira vez de perto, regiões onde um dia podem ter florescido colônias de organismos. A sonda vai informar, por ondas de rádio, o resultado da caçada aos micróbios alienígenas a 78 milhões de quilômetros da Terra.
Dois anos depois ocorre outra façanha: a Mars Surveyor 5 trará amostras de Marte até nós (veja o infográfico acima). Mark Adler, do Laboratório de Propulsão a Jato, da Nasa, na Califórnia, disse à SUPER que ainda não dá para apostar se as pedras importadas virão com marcas de seres vivos. “Até porque é possível que eles jamais tenham existido”, admite. “Em todo caso, com as rochas aqui, poderemos aprender muito mais sobre o planeta.”
Sem a pretensão de procurar ETs diretamente, as naves que saem antes da Intermarsnet vão funcionar como abre-alas tecnológico, testando os equipamentos a serem usados nas grandes aventuras do futuro. A Mars Surveyor 98 vai experimentar um braço-robô para escavar as camadas superficiais de gelo e areia no pólo sul dos marcianos. O minijipe Sojourney, da Pathfinder, também faz parte desse teste. Se tudo correr bem nesse passeio inaugural, modelos semelhantes farão parte da caravana de futuras expedições. Seja em combinação com os russos, seja sozinhos, os americanos têm uma nova Mars Surveyor com saída marcada para o ano 2001.
O carrinho da Surveyor – maior do que seus antecessores – caminhará, em busca de água, por áreas onde ocorreram antigas inundações. Se achar o líquido, será um indício de que o planeta um dia ofereceu, e talvez ainda ofereça, condições propícias à atividade biológica.
Rumo às férias em outro mundo
Por enquanto, o homem vai pisar em Marte por meio de robôs e câmeras. Mas a Nasa espera que, lá por 2018, astronautas de carne e osso deixem marcas na areia avermelhada. Pelos primeiros cálculos, uma missão tripulada não sairia por menos de 400 bilhões de dólares. Mas há duas idéias para baratear as viagens.
Uma, utilizar foguetes retornáveis, projeto em que já está trabalhando a construtora de lançadores Lockheed Martin. Outra, buscar dinheiro com empresas privadas, embalando os vôos em muito marketing e vendendo-as como turismo de aventura. Num primeiro momento, apenas exploradores profissionais fariam os vôos da ponte interplanetária. Mas logo em meados do próximo século a garotada já poderia passar as férias em outro mundo. Literalmente.
Para saber mais
NA INTERNET
https://www.iki.rssi.ru/mars96
Dois sucessos e…
Veja o que vão fazer as duas primeiras sondas, que chegam a Marte ainda este ano.
Mars Global Surveyor
A primeira missão do programa Mars Surveyor saiu em novembro passado e deve chegar ao seu destino em setembro. Ela vai mapear a superfície marciana por dois anos. O levantamento vai mostrar os locais mais indicados para futuros pousos. A sonda orbital vai servir também de antena para a transmissão à Terra de dados de outras missões.
Mars Pathfinder
A segunda sonda americana foi preparada para chegar a Marte em 4 de julho, Dia da Independência dos Estados Unidos. O módulo de pouso carrega um veículo robotizado, tipo minijipe, que deve perambular pelo chão arenoso por um mês, enviando à Terra imagens e dados sobre o relevo e a composição do solo (veja A reconquista do espaço, SUPER, ano 10, número 2).
… Um acidente de percurso
Ao explodir, a nave russa Mars 96 deixou uma lacuna nos testes de equipamento.
Quando o foguete que deveria cuspir a sonda russa Mars 96 para além do campo gravitacional da Terra explodiu, em novembro passado, ele detonou mais do que a nave. Caiu também uma boa oportunidade de testar novas tecnologias de exploração espacial, a serem usadas em missões futuras. Como os perfuradores – espécie de espetos que deveriam ficar encravados no solo marciano, para coleta de dados geológicos e sísmicos (veja a foto ao lado). Segundo Douglas Isbell, relações públicas da Nasa, ainda é cedo para avaliar até que ponto os prejuízos podem comprometer os planos espaciais russos. Mas é provável que, mesmo que não lance nenhuma missão autônoma, a Agência Espacial Russa ainda participe de vários projetos internacionais que já estão previstos para até o ano 2005.
Carregador de pedras do século XXI
A Nasa quer mandar uma nave catar material e voltar à Terra em 2005.
1 – Primeiro enviado
Se tudo der certo, em 2003 sai uma nave carregando dois jipes exploradores, semelhantes ao usado pela Pathfinder.
2 – Controle remoto
A Nasa estuda dois locais de pouso: um sistema de canais onde um dia correu água ou antigos planaltos de onde pode ter saído o meteorito encontrado na Antártida com supostas bactérias marcianas.
3 – Segundo enviado
Um ano mais tarde, é lançada uma segunda nave, levando um pequeno módulo de pouso. É lá que vai estar o veículo de resgate que deve trazer à Terra o material colhido.
4 – Mochila carregada
Entre 200 gramas e meio quilo de pedras armazenadas pelos jipes são depositados no veículo de resgate. Durante o tempo em que esteve no solo, ele produziu combustível suficiente para a volta, a partir do gás carbônico existente na atmosfera marciana.
5 – Contagem regressiva
O veículo de resgate parte, usando o módulo de pouso como plataforma de lançamento. Dos três estágios, apenas um chegará à Terra, carregando as amostras.
6 – Carona para casa
Há uma outra opção para trazer a pedraria à Terra. A nave de resgate se dividiria no espaço e, enquanto uma parte desce como módulo de pouso, a outra permaneceria em órbita. Depois, a primeira se acoplaria à segunda para a jornada de retorno.
A imaginação chega antes da realidade
Desenhistas e projetistas mostram como poderá ser o início colonização de Marte.
Foguete nuclear
Uma das maneiras de encurtar e baratear as viagens tripuladas é construir foguetes a propulsão nuclear. Com isso, o peso da nave se reduz.
Pouso suave
A tripulação desce num módulo com pára-quedas, semelhante aos usados na Lua. Na ilustração, os astronautas têm como destino a região da Fenda Ganges.
O início do retorno
Depois de um ano fora, os exploradores deixam para trás a base de pesquisa no Vale Marineris, na região equatorial de Marte. Começa a jornada de volta, que vai durar de seis meses a um ano.