Uma aniversariante cósmica
Em 1987, eu comuniquei a Mário Schenberg a confirmação da teoria que ele tinha criado 46 anos antes.
João Steiner
No dia 23 de fevereiro de 1987, foi observada uma explosão a 166 000 anos-luz de distância da Terra (1 ano-luz mede 9,5 trilhões de quilômetros). Era uma estrela da Grande Nuvem de Magalhães, uma galáxia-satélite da Via Láctea. O fenômeno ficou conhecido como Supernova 1987A (abreviadamente, SN1987A). Supernova é o nome que se dá a esse evento específico, que não dura mais do que alguns segundos: a morte de uma estrela de massa elevada que, ao explodir, libera uma enorme quantidade de energia.
Graças a observações muito detalhadas da SN1987A, sabemos muito mais sobre ela do que sobre qualquer caso anterior. Acredita-se que tenha se originado de uma estrela pertencente a um sistema binário (duas estrelas, uma girando em torno da outra). O núcleo do astro destruído teria então se transformado num buraco negro.
A teoria que explica o mecanismo de explosão das supernovas foi proposta em 1941 pelo russo George Gamow (1904-1968) e pelo brasileiro Mário Schenberg (1914-1990). Ao estudar as reações nucleares que ocorrem no centro das estrelas, eles perceberam que, se incluíssem em seus cálculos uma partícula chamada neutrino, haveria uma rápida perda de energia e, em conseqüência, um colapso seguido de explosão. Os neutrinos seriam responsáveis, assim, pelo repentino sumiço de energia no núcleo estelar. Esse efeito foi batizado de forma jocosa pelos pesquisadores de Processo Urca. Referiam-se ao famoso Cassino da Urca, no Rio de Janeiro, onde o dinheiro dos apostadores desaparecia feito neutrino.
Pela idéia de Gamow e Schenberg, a explosão deveria ser associada a um forte jato de neutrinos. A SN1987A serviu de teste para o Processo Urca. De fato, três laboratórios de detecção de neutrinos registraram o jato. Depois de 46 anos, a teoria estava confirmada. Seria natural que ocorresse uma certa euforia por esse feito tão notável. Talvez seja surpreendente que isso não tenha acontecido. Qual seria a razão? É que a teoria de Gamow e Schenberg era tão perfeita que ninguém tinha a menor dúvida de que, cedo ou tarde, os neutrinos seriam detectados. Quando isso ocorreu, confirmou-se o que parecia óbvio.
Em 1987, eu me encarreguei de comunicar a Mário Schenberg a confirmação experimental do Processo Urca, 46 anos após a criação da teoria. Ele já se encontrava doente e fiquei com a impressão de que não tinha mais condições de apreciar o ocorrido.
João Steiner é professor de Astrofísica do Instituto Astronômico e Geofísico da USP e vice-presidente do Projeto Gemini