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Uma nova geração

Eletrodomésticos inteligentes, minicâmeras, robôs fazendo a segurança, máquinas falando com a gente na cozinha... Como será produzida a eletricidade para que tudo isso funcione?

Por Da Redação Materia seguir SEGUIR Materia seguir SEGUINDO
Atualizado em 31 out 2016, 18h30 - Publicado em 31 ago 2002, 22h00

Roberto Navarro

Conectividade, eletrodomésticos inteligentes, robôs cuidando da segurança. As perspectivas de uma casa do futuro fundada sobre alta tecnologia envolvem o emprego de quantidades consideráveis de energia. E de um tipo em especial: energia elétrica. Mas como será produzida a eletricidade para fazer tudo isso funcionar?

Há quem acredite que o mundo esteja vivendo o final da era dos combustíveis fósseis, como o petróleo. Se for assim, num futuro não muito remoto seríamos privados de combustíveis, como óleo diesel, por exemplo, para acionar as usinas termoelétricas. Centrais hidrelétricas poderiam não ser suficientes para atender a todas as necessidades de consumo, causando apagões de vez em quando e fazendo a gente perder as reprises de Baywatch. Isso para não mencionar o fato de que a construção de novas hidrelétricas enfrenta oposição cada vez maior dos ecologistas.

Eles estão preocupados com ameaças ao meio ambiente representadas por barragens e outras instalações necessárias para converter em eletricidade a energia da correnteza dos rios. Eletricidade produzida por usinas nucleares, então, é algo que, em geral, se prefere nem considerar! Além do risco de graves acidentes, há a questão de como se livrar do lixo radioativo deixado pelas centrais atômicas. Trata-se de um poluente perigoso, que permanece ativo durante séculos.

Um cenário assim significa que algumas fontes de energia que hoje consideramos indispensáveis podem desaparecer? Guenther Krieger, professor do Departamento de Engenharia Mecânica da Escola Politécnica da Universidade de São Paulo (USP), não acredita que elas sejam totalmente abandonadas. “Teremos certamente a integração entre todos os sistemas já disponíveis e as novas tecnologias”, diz ele. E acrescenta que formas alternativas de geração de energia, ainda em fase de pesquisas, avançam rapidamente.

Algumas começam a ser usadas na vida diária de comunidades espalhadas pelo mundo. Na Grã-Bretanha, uma pequena usina instalada na ilha de Islay, na costa oeste da Escócia, utiliza o movimento das ondas do mar para fazer girar uma turbina, que então aciona um gerador e produz eletricidade. O sistema consiste de um tubo de concreto erguido na praia. À medida que as ondas chegam até ele, a água sobe pelo tubo empurrando o ar, que, por sua vez, move as pás da turbina. A usina gera uma quantidade limitada de eletricidade, mas é suficiente para abastecer cerca de 300 casas. Esse tipo de solução é viável apenas em habitações perto do litoral. Porém, utilizar o movimento do ar para produzir eletricidade é uma idéia cada vez mais comum.

No Estado americano do Alaska, a pequena vila de Wales espera usar a força do vento para gerar energia e abastecer toda a comunidade por um período que pode chegar a meio ano. O sistema deve reduzir em até 60% o consumo de combustíveis fósseis, em especial o óleo diesel empregado em usinas termoelétricas – a fonte de energia que hoje aquece as casas dos habitantes da vila. O maior problema, por enquanto, é o preço alto da iniciativa. A pequena usina eólica instalada em Wales custou mais de 1 milhão de dólares e seu funcionamento ainda depende de subsídios fornecidos pelo governo federal dos Estados Unidos.

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David Freire da Costa, do Instituto de Eletrotécnica e Energia da USP, lembra que a eficiência das usinas eólicas depende também do local onde elas estão instaladas. “Em regiões onde há muito vento, como o litoral do nordeste do Brasil, elas são boa alternativa. Mas em áreas onde não venta tanto, seu funcionamento estará comprometido.”

Solução vem do espaço

Para a casa do futuro, David Freire da Costa aposta no uso de biomassa – restos de comida e todo tipo de lixo orgânico, que, submetidos a calor, reações químicas ou culturas de bactérias, se transformam em insumos para a geração de energia. Nossas sobras do almoço podem ser colocadas em biodigestores domésticos, produzindo metano, um gás fedido e altamente combustível, que pode ser queimado e daí acionar os geradores. “Até o esgoto oferece saídas para produzir energia relativamente barata”, garante David Freire. Ele diz que já existem projetos interessantes para coletar o esgoto das casas. Uma residência de tamanho médio pode extrair dele o gás metano necessário para fornecer até 20% da energia que a família consome.

Outra forma alternativa de produção de eletricidade vem do espaço: é a energia solar, que, no momento, é empregada no mundo inteiro. No Japão, a companhia OM Solar está se projetando massivamente no mercado – ela oferece um sistema de aquecimento que pode ser incorporado ao projeto de qualquer tipo de casa. Já vendeu 20 000 kits, que, segundo seus criadores, aumentam em até 15% os custos de construção mas, depois, levam a uma economia de 40% a 75% nas contas de eletricidade. Ou seja, paga o investimento inicial e ainda sobra. “A energia solar é capaz de satisfazer as necessidades energéticas de qualquer residência. Os coletores solares térmicos, para fins de aquecimento, e as células fotovoltaicas para suprimento de energia elétrica são duas soluções tecnicamente disponíveis nos dias de hoje”, afirma Roberto Zilles, coordenador do Laboratório de Sistemas Fotovoltaicos do Instituto de Eletrotécnica e Energia da USP.

“A casa do futuro poderá dispor de energia solar e manter-se conectada à rede de distribuição das concessionárias de eletricidade, utilizando seus serviços apenas durante a noite, quando a exigência de eletricidade é maior.

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Mas é possível até ser independente dessa rede com o uso de um acumulador, que atenderia aos períodos em que não há incidência de energia solar”, diz Zilles. E vai ainda mais longe: “Células fotovoltaicas, que convertem energia solar em eletricidade, podem ser incorporadas ao telhado ou à fachada, fazendo com que a casa do futuro seja uma unidade capaz de gerar toda a eletricidade necessária ao seu próprio consumo. Elas produzirão ainda um excedente igual ao tanto de energia elétrica consumida no período noturno, bastando para isso que estoquemos esse extra num acumulador”. Na Alemanha, o excedente pode ser vendido à própria companhia de eletricidade, que então o utiliza distribuindo na própria vizinhança.

Luz solar encanada?

Já existe, nos Estados Unidos, uma casa completamente independente da rede pública de distribuição de eletricidade. Foi construída por Otto Van Geet, engenheiro do Laboratório de Energia Renovável do Colorado, e é chamada de Projeto Solar Passivo. A construção utiliza um sistema fotovoltaico tão eficiente que consegue gerar quase toda a eletricidade utilizada por seus moradores. Mas geração de eletricidade não é a única aplicação para a energia solar. Também nos Estados Unidos, a empresa Steven Winter Associates desenvolve uma tecnologia para capturar a luz do Sol e enviá-la para iluminar cômodos escuros, localizados no interior da casa, onde a claridade do dia não consegue chegar. A idéia é usar um sistema de lentes para concentrar a luz, captada no exterior da residência, e então enviá-la, por meio de fibras ópticas, até os locais onde ela é necessária.

O projeto ainda está em fase de protótipo, depende de testes mais intensivos, mas os pesquisadores acreditam que poderá chegar ao mercado consumidor nos próximos anos.

O professor Guenther Krieger, da Escola Politécnica da USP, destaca que a energia solar tem enorme potencial nas aplicações domésticas dos países tropicais. “No caso de energia térmica, ou seja, para aquecimento residencial, a fonte solar poderá suprir quase totalmente as necessidades de uma casa.” Mas ele ressalva que, para acionar eletrodomésticos ou sistemas eletrônicos, pelo menos num futuro próximo, será necessária a produção de eletricidade a partir de outras fontes, além da energia solar. E, em sua opinião, uma das soluções mais indicadas é o emprego de células de combustível. Trata-se de cápsulas – como pilhas ou baterias, embora ainda bem maiores que essas –, onde o hidrogênio reage com o oxigênio, produzindo uma corrente elétrica.

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As pesquisas nessa área envolvem grandes corporações multinacionais, como General Motors, DuPont e 3M, que estão gastando, por ano, mais de 1 bilhão de dólares para desenvolver a nova tecnologia. É uma grana altíssima. Robert Stokes, vice-presidente de pesquisas do Instituto de Tecnologia a Gás, dos Estados Unidos, observa que os investimentos em estudos relacionados com energia solar e outras fontes de energia renovável nunca chegaram nem perto do volume de dinheiro aplicado atualmente para desenvolver projetos de células de combustível.

As perspectivas são tentadoras: com a nova tecnologia, será possível abastecer de eletricidade todas as residências de um país com as dimensões dos Estados Unidos. Ou seja, podemos usar uma fonte de energia não poluente, que depende de reações químicas simples e produz como dejetos apenas água quente e uma pequena quantidade de dióxido de carbono – únicos subprodutos de todo o processo.

Testes realizados no Laboratório de Células de Combustível Nuvera, no Estado americano de Massachusetts, indicam que uma pequena usina doméstica acionada por esse novo sistema seria suficiente para atender às necessidades diárias de uma casa com quatro moradores. As avaliações mais otimistas dizem que os proprietários de residências abastecidas por células de combustível serão capazes de vender energia excedente para usinas comunitárias, assim como já acontece com a energia solar na Alemanha. Essas usinas comunitárias, por sua vez, a distribuiriam para outros usuários – evidentemente aqueles que consumirem mais eletricidade do que a capacidade de produção das suas usinas domésticas.

Mas não vai ser fácil chegar lá. No final da década de 90, algumas companhias americanas prometeram instalar protótipos de células de combustível em residências, para demonstrar sua viabilidade como fonte de energia doméstica. No entanto, a proposta acabou abandonada, após algumas tentativas, por causa do alto custo. Até agora, nenhuma empresa conseguiu baixar o preço do quilowatt de eletricidade gerado através dessa tecnologia e a previsão é de que a redução só seja possível daqui a sete anos, talvez dez. Por isso, Peter Bos, presidente de uma empresa de consultoria americana especializada em energia, calcula que, no período entre 2006 e 2010, apenas 1% das residências dos Estados Unidos será abastecida por células de combustível.

Entretanto, ele prevê crescimento vertiginoso nesse setor, dizendo que, por volta de 2031, nada menos que 99% dos lares americanos serão auto-suficientes na produção de energia pelo uso de células de combustível. Assim, será finalmente possível o sonho de não depender das redes convencionais de distribuição de eletricidade.

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Essa previsão apavora as companhias distribuidoras. Elas estudam a possibilidade de desestimular a instalação individual de células de combustível em residências, oferecendo em vez disso pequenas “usinas de bairro”. Elas funcionariam como subestações de energia, para abastecer as casas nas suas vizinhanças.

Dos foguetes para os lares

No Estado de Nova York, o conceito está sendo colocado à prova com o funcionamento de uma pequena usina acionada por células de combustível que fornece eletricidade para 100 casas de tamanho médio. Além disso, a tecnologia tem sido usada em dezenas de hospitais, usinas de tratamento de água e bases militares dos Estados Unidos. E é empregada há quatro longas décadas pela Nasa, a agência espacial americana, produzindo a energia utilizada em suas naves. Ela só não se consagrou comercialmente até agora, inclusive para utilização em residências, por causa de três (grandes) obstáculos: preço, tamanho e durabilidade.

É boa, mas dura pouco

O custo do quilowatt de eletricidade produzido por meio de células de combustível ainda é alto. E as dimensões do equipamento são desencorajadoras – é um trambolho e tanto. Especialistas estimam que, para tornar viável sua instalação na casa do futuro, o aparato deveria ser, no máximo, do tamanho de uma máquina de lavar roupa, o que daria mais ou menos 20% do seu tamanho atual. E há outro problema que dificulta a popularização: a durabilidade do equipamento. Por causa das características da reação química que é necessária para produzir eletricidade, algumas partes do aparelho teriam que ser trocadas a cada quatro ou cinco anos, numa operação que custaria o equivalente a até 15% do preço original do sistema. Eis aí mais um argumento para quem defende o uso das células em usinas comunitárias, em vez da sua instalação independente em cada residência.

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Dessa forma, o equipamento teria seu funcionamento contínuo garantido pela companhia de fornecimento de energia, que apresentaria ao consumidor uma conta única, onde estariam incluídos os custos de manutenção da célula de combustível e a tarifa correspondente à eletricidade consumida. Não é de todo ruim, mas sinaliza com o risco de continuarmos pagando um inferno de contas para manter a casa do futuro. Mas, quem sabe, um dia o dinheiro finalmente comece a dar em árvore.

Vento a favor para a energia eólica

O Brasil tem enorme potencial para produzir um tipo de energia que todos os especialistas consideram uma das principais fontes de eletricidade para abastecer a casa do futuro: a energia eólica. A conclusão é de estudos realizados recentemente para avaliar as condições de vento no país. A análise mostrou que, usando recursos eólicos, é possível gerar eletricidade a preços entre 70 e 80 dólares por megawatt, altamente competitivos em comparação com os custos atuais de geração das células de combustível ou de usinas hidrelétricas, termoelétricas, nucleares e solares. É um potencial ainda pouco explorado. Nas décadas de 70 e 80, foram realizadas várias pesquisas no Brasil, mas a primeira turbina eólica só começou a funcionar em julho de 1992, em Fernando de Noronha. A capacidade instalada, hoje, no país é de 20,3 megawatts, com usinas movidas a vento funcionando em Pernambuco, Ceará, Fernando de Noronha, Minas Gerais e Paraná.

Em implantação pelo governo, o Programa Emergencial de Energia Eólica (Proeólica) pretende alcançar, até dezembro de 2003, uma capacidade de geração de 1 050 megawatts, ou seja, quase 50 vezes a potência atual. Na pequena cidade de Palmas, no sudoeste do Paraná, parte da eletricidade consumida já é produzida pela força do vento. Inaugurada há dois anos, a usina eólica local é a primeira da região Sul e demonstra que o grande potencial desse tipo de energia não se limita à costa do Nordeste. Em Minas Gerais, outra usina eólica funciona desde 1994 num local que, apesar de ficar distante mais de 1 000 quilômetros do litoral, apresenta excelentes condições de vento. Um sistema caseiro completo, para uma casa de até três moradores, incluindo turbina, gerador e outros componentes, custa, hoje, cerca de 3 500 reais.

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