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Eric Kandel

O Nobel de Medicina fala sobre remédios milagrosos para a memória e explica como a neurociência vai mudar a educação

Por Da Redação Materia seguir SEGUIR Materia seguir SEGUINDO
Atualizado em 31 out 2016, 18h51 - Publicado em 31 mar 2001, 22h00

Denis Russo Burgierman

Quando, nos anos 60, o psiquiatra Eric Kandel resolveu que ia dedicar seu tempo ao estudo da lesma-do-mar, um molusco tão pegajoso quanto primitivo, seus colegas acharam que ele tinha enlouquecido. Afinal, esse austríaco que migrou para os Estados Unidos durante a Segunda Guerra Mundial jamais tinha manifestado interesse pelo mundo animal. Formado em letras e literatura, além de medicina, ele sempre pareceu mais interessado em desvendar os segredos do homem e, em especial, da mente humana.

Pois foi justamente isso que ele fez nas décadas que passou pesquisando o molusco. No sistema nervoso simples da lesma-do-mar, Kandel identificou os genes e as proteínas que tornam possível a memória nos neurônios. Os mecanismos que ele desvendou são os mesmos que, no cérebro humano, regem as lembranças de curto e longo prazo. Hoje pode-se dizer que quase tudo o que sabemos sobre a base molecular da memória se deve ao molusco e a Kandel.

Não é à toa que ele (Kandel, não o molusco) faturou, em outubro passado, o Prêmio Nobel de Medicina e Fisiologia. Nesta entrevista à Super, o pesquisador de 71 anos, hoje trabalhando na Universidade Columbia, em Nova York, falou sobre a química da memória, os remédios do futuro e as incríveis novidades que irão mudar a pedagogia e a psicologia.

Super – Tem um poema que eu sei de cor. Quando eu me lembro dele, alguns versos me vêm na forma de imagens visuais, outras na de cheiros, sensações táteis, sonoras. Outros pedaços me trazem lembranças sentimentais ou me recordam de detalhes como, por exemplo, o de que o papel onde li o poema pela primeira vez era azul. Você pode me dizer onde esse poema está no meu cérebro?

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O poema está armazenado em vários lugares diferentes. Conforme você o aprende, você visualiza partes dele – partes que provavelmente serão armazenadas em áreas visuais do cérebro. Outras talvez sejam guardadas em regiões ligadas à linguagem, ou nas que lidam com as emoções. Quando você recita o poema, essas diferentes áreas colaboram umas com as outras para formar uma lembrança. Acreditamos que as mesmas áreas responsáveis pelo processamento das informações cuidem das lembranças dessas informações – as áreas visuais são responsáveis pelas memórias visuais, as táteis pelas lembranças táteis e assim por diante. Não há um único “centro da memória” no cérebro, responsável por armazenar tudo.

E de que forma esse poema está guardado na minha mente?

Em grande parte, na forma de mudanças estruturais nos neurônios. A cada vez que aprendemos algo, formam-se novas ligações entre as células, novas sinapses. Seu poema causa mudanças químicas nos neurônios, induz a produção de novas proteínas, suprime outras.

Como é possível pesquisar a memória humana a partir da lesma-do-mar?

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Quando comecei não sabíamos absolutamente nada sobre memória. Achei que seria útil começar do começo e, para estudar o caso mais simples, peguei o animal mais simples. Na aplísia, como chamamos a lesma-do-mar, você tem a vantagem de que há poucas células nervosas interconectadas de forma precisa, de modo que é mais fácil estudá-las.

Há muitas diferenças entre o homem e a lesma-do-mar? Temos muitas estruturas que esses animais não têm, ou dispomos do mesmo arsenal nervoso, apenas mais complexo?

Provavelmente temos alguns recursos que a aplísia não tem. Mas, surpreendentemente, nossas pesquisas estão mostrando que muito da diferença deve-se somente ao número maior de células nervosas e de suas interconexões. Nossos neurônios fazem mais ou menos as mesmas coisas – apenas estão em maior quantidade do que os da aplísia.

Pesquisas como a sua revelaram que muitas células no corpo possuem o mesmo mecanismo químico dos neurônios. Você acha que é possível que células fora do cérebro possuam algum tipo de memória?

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Nós definimos memória como um resgate de informação sobre o passado que é expresso no comportamento. Os mesmos mecanismos moleculares podem estar envolvidos em mudanças a longo prazo no fígado ou no rim. Não chamaríamos isso de memória, e sim de mudanças adaptativas. Você levanta uma questão interessante: a de que é perfeitamente possível haver um número enorme de mecanismos moleculares para converter um sinal de curto prazo em um sinal de longo prazo. E que talvez o cérebro se utilize de apenas um deles para produzir memória. Talvez as células dos rins, assim como as do cérebro, sejam capazes de receber informações novas e fazer com que essas informações sejam registradas quimicamente. Dessa forma, elas também seriam capazes de um tipo de “aprendizado”.

Você descobriu a proteína CREB-1, responsável por converter lembranças de curto prazo em memórias de longo prazo. A indústria farmacêutica não poderia usar essa proteína para fazer um remédio que nos dê uma supermemória?

Provavelmente não, mas acho que aparecerão drogas nos próximos cinco anos que ajudarão pessoas idosas a melhorar um pouco sua memória. Não acho que haverá drogas que farão de mim ou de você um supermemorioso, mas, em breve, as farmácias venderão “aspirinas para a mente”.

Há motivos para acreditar que uma droga da supermemória não seja possível?

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Antes de mais nada, não sei se seria desejável. Existem pessoas que possuem supermemória e elas tendem a levar uma vida miserável. Os supermemoriosos se lembram de absolutamente tudo, e todos precisamos esquecer algo. Essas pessoas geralmente são pouco criativas – para ser criativo você precisa de espaço na mente. Se você saturou a cabeça com números de telefones, o nome de todas as pessoas que você já encontrou, o nome das ruas pelas quais passou, fica difícil ter idéias. Os supermemoriosos têm a impressão de que seu cérebro está repleto de lixo. Todas as drogas possuem efeitos colaterais e os efeitos colaterais, nesse caso, podem ser piores do que a doença.

Mesmo se for uma supermemória por apenas uma hora, algo que eu tome antes de uma aula de alemão, por exemplo?

Isso seria uma boa idéia. É teoricamente possível, mas não posso prever algo tão distante.

Sua pesquisa pode mudar a psicologia?

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Acho que sim. Aprendi uma quantidade enorme de coisas com a psicologia e tenho um respeito enorme por essa disciplina. Não compartilho do preconceito de vários neurocientistas, que a consideram uma pseudociência. Toda a idéia de estudar a memória é uma construção psicológica. Todo o meu trabalho deriva da psicologia. Mas essa ciência se baseava numa descrição do comportamento, sem o conhecimento do que acontece na cabeça. Termos como memória de curto e longo prazo eram conceitos abstratos e agora estamos descobrindo o substrato anatômico e fisiológico para isso. Estamos colocando a psicologia num nível biológico fundamental e, assim, vamos acabar fundindo as duas disciplinas: neurociência e psicologia serão uma coisa só.

Você tem dito também que essas pesquisas poderiam mudar a educação. Como isso aconteceria?

Por exemplo, descobrimos que o treinamento espaçado é melhor que o treinamento em massa. Ou seja, se você aprender as coisas em pequenos episódios separados absorve mais do que em uma longa sessão. Portanto, precisamos ter aulas curtas e com intervalos regulares. Acho que as pessoas ainda podem descobrir muito sobre os aspectos temporais dos eventos do aprendizado. Podemos entender melhor que parte do ciclo sono/vigília é ideal para o aprendizado, como aprender a associar as coisas, quais os tipos de dicas que facilitam a memorização de um poema. A neurociência nos ensinará uma variedade de técnicas para otimizar o armazenamento de informações no cérebro.

drusso@abril.com.br

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