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Rezar resolve?

Na Duke University, pesquisadores investigam uma tese explosiva: orações poderiam ajudar a curar doentes

Por Da Redação Materia seguir SEGUIR Materia seguir SEGUINDO
Atualizado em 31 out 2016, 18h50 - Publicado em 31 ago 2000, 22h00

Peter Maass

A paciente está na mesa de operação. Tem 80 anos, acabou de sofrer um enfarte e pode morrer nos próximos minutos. Está cercada pelos mais fantásticos dispositivos da medicina moderna. Uma máquina de raios-X gira em torno dela. Monitores de vídeo mostram imagens do seu coração. Médicos vestidos com aventais forrados de chumbo analisam gráficos e imagens. A sala ecoa os bips e flashes dos instrumentos high-tech.

Mitchell Krucoff, cardiologista do Centro Médico da Duke University, na Carolina do Norte, Estados Unidos,. e Suzanne Crater, sua enfermeira, introduzem um cateter no coração da paciente e guiam-no até uma artéria obstruída. O procedimento, conhecido como angioplastia, já virou rotina nos últimos anos. Mas não há cirurgia cardíaca sem risco. E ambos sabem disso.

Antes de começar a intervenção, Krucoff e Crater fizeram algo que poucos livros de medicina recomendam: rezaram. Eles oram antes de toda cirurgia. Geralmente tentam fazê-lo num lugar silencioso. Mas esta angioplastia é urgente e desta vez eles tiveram de rezar na própria sala cirúrgica.

Crater olha para um monitor que mostra uma imagem de raios-X do coração da paciente – um borrão preto composto por músculos e artérias. Ela olha o coração intensamente, como se quisesse conversar com ele. Krucoff fecha os olhos. Um sorriso plácido aparece em seu rosto. Ele está longe. Em seguida, Crater termina a sua “comunicação” com o coração da paciente. Krucoff abre os olhos. A sessão de oração, ou seja qual for o nome que você quiser dar ao momento, terminou. Os dois estão prontos para assumir a responsabilidade sobre a vida de uma pessoa.

Krucoff e Crater acreditam no poder da oração. Crêem que rezar funciona mesmo se a pessoa objeto da oração estiver do outro lado do mundo, sem saber que estão rezando por ela. Estas orações são conhecidas como preces intercessoras. Sua eficácia é considerada indiscutível nas comunidades religiosas. Mas no mundo da Medicina e da ciência é difícil encontrar provas concretas de que funcionem.

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Krucoff e Crater gostariam de mudar esta realidade. Estão realizando um estudo no qual 14 grupos rezam por pacientes de angioplastia internados em cinco hospitais americanos. Espera-se que outros seis hospitais integrem o estudo nos próximos meses. No ano que vem, quando esta pesquisa, da qual participarão 1 500 pacientes, for concluída, a saúde dos pacientes alvos de orações será comparada com a saúde de um grupo similar que não recebeu orações. Se aqueles que as receberam estiverem melhor do que os outros, a tese de Krucoff e Carter estará provada: rezar funciona.

“Até que ponto isto é loucura? É doideira mesmo”, diz Krucoff. “Mas houve uma época em que se você sugerisse que tomar duas aspirinas evitaria enfartes as pessoas diriam que você era maluco. A prece intercessora pode fazer algo por uma pessoa que está sofrendo um enfarte a 500 quilômetros de distância? Não acho impossível.”

Os grupos de oração organizados por Krucoff e Carter têm representantes de várias religiões. Há 150 monges de um mosteiro budista numa montanha próxima a Katmandu, no Nepal. Os monges, vindos do próprio Nepal, da Índia, do Tibete e de outros países nas cercanias do Himalaia, sentam em fileiras de frente uns para os outros e ouvem, durante as orações matinais, o mestre de canto falar alto os nomes dos pacientes cardíacos americanos. Vestidos com as tradicionais vestes alaranjadas, eles rezam silenciosamente pela boa saúde dos enfermos.

Na periferia de Baltimore um grupo de 18 freiras de um convento carmelita entra na sua capela durante a oração vespertina e acrescenta os pacientes cardíacos à lista das pessoas por quem pedem cuidados divinos. Em Jerusalém, os nomes dos doentes são impressos em pequenos pedaços de papel e colocados no Muro das Lamentações, de acordo com a tradição judaica de pedir a atenção de Deus. (Se você quiser, pode mandar um e-mail com suas orações para o website VirtualJerusalem.com, que imprime e coloca no Muro as cartas de pessoas de qualquer país.) Na Carolina do Norte, onde fica a Duke University, diversos grupos – pentecostais, batistas, moravianos, muçulmanos – também rezam pelos pacientes.

O estudo sobre orações de Krucoff e Crater é duplamente cego: nem os pacientes nem os médicos que os tratam sabem quem está recebendo orações e quem não está. Quando o paciente aceita participar, ele é designado aleatoriamente por um computador da Duke University para receber orações ou ficar no grupo-espelho que não as recebe.

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Em pesquisas médicas, o grupo-espelho não recebe o medicamento ou tratamento que está sendo testado. Mas é mais dificil monitorar o grupo-espelho em um estudo de oração: a família e os amigos podem estar rezando pelo paciente. “A oração já está presente”, observa Krucoff. “O que estamos medindo é se um acréscimo sistemático de preces tem um efeito mensurável”.

O estudo está sendo patrocinado por organizações beneméritas e filantrópicas. Krucoff e Crater pretendiam conseguir fundos do governo mas desistiram depois que um funcionário do Instituto Nacional de Saúde americano disse que a instituição não queria se envolver com estudos sobre orações.

“A oração intercessora é mágica”, diz a Dra. Barrie Cassileth, chefe de medicina integrativa no Centro de Câncer do Memorial Sloan-Kettering Hospital, em Manhattan. Cassileth supervisiona tratamentos que antigamente eram inaceitáveis pelos grandes hospitais americanos – acupuntura e hipnose, por exemplo. Mas ela vê limites no poder das orações intercessoras. “A idéia é que algumas pessoas podem influenciar à distância o estado de saúde de alguém que não conhecem através da oração. Isto ocorre há milênios, mas não há nenhuma evidência que comprove os resultados. Eu nunca investiria recursos intelectuais ou financeiros num estudo deste tipo. É como estudar se a terra é plana ou redonda”.

O Reverendo Jerry Falwell também tem dúvidas. “Não sei se Deus responde a pesquisas como esta”, diz. “Deus quer que acreditemos com base nas promessas da Bíblia e não em pesquisas científicas.” Ele ressalta que as orações não funcionam como um concurso de popularidade onde a pessoa que mais recebe orações vive mais tempo – se fosse este o caso, a Madre Teresa de Calcutá jamais morreria. Falwell vê com reservas estudos sobre a oração. Mas diz que se fosse um dos pacientes de Krucoff, “gostaria de estar no grupo por quem as pessoas estão rezando”.

A questão do impacto da oração é discutida há bastante tempo. Num estudo de 1872 de grande repercussão – Pesquisas Estatísticas sobre a Eficácia da Oração –Sir Francis Galton, primo de Charles Darwin, pergunta diretamente: “as orações são respondidas ou não?” Galton, um cientista brilhante que entrou para a História como o pai da eugenia – o refinamento genético da espécie humana –, comparou os índices de óbitos de eminentes advogados, médicos e padres. Observou que os padres, que supostamente rezavam mais do que os outros e recebiam orações de suas congregações quando adoeciam, viviam menos do que outras pessoas. Também não achou qualquer diferença entre o índice de natimortos entre famílias que iam à igreja e as que não iam.

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O assunto ficou entregue às discussões entre teólogos e ateus durante um século, sem quaisquer experiências realizadas por médicos e cientistas respeitáveis. Hoje, com a onda da medicina alternativa, o tema está sendo resgatado. E não só ele. Tratamentos outrora considerados fora da alçada das pesquisas sérias estão sendo investigados pelo establishment médico. Mesmo o Instituto Nacional de Saúde americano está financiando um estudo sobre o valor da cartilagem de tubarão como cura para o câncer. Tudo isto espelha a crença disseminada de que a medicina moderna, por mais fantástica que seja, não detém todas as respostas.

A era moderna de estudos críveis sobre os efeitos terapêuticos da oração começaram em 1988 quando o Dr. Randolph C. Byrd, cardiologista do San Francisco General Medical Care Center, publicou o resultado de uma experiência em que dividiu 393 pacientes do setor de cardiologia do seu hospital em dois grupos. Um grupo recebeu orações e o outro grupo não, Byrd acompanhou 29 indicadores de saúde nos dois grupos e percebeu que em seis deles os pacientes que haviam recebido orações apresentavam melhores resultados.

Este estudo, porém, não é considerado conclusivo. Richard R. Sloan, diretor do programa de medicina comportamental do Columbia Presbyterian Medical Center, observou num artigo recentemente publicado no The Lancet, publicação médica inglesa, que “os grupos não eram diferentes em termos da duração da estada no setor de cardiologia e da quantidade de medicamentos prescritos”. Em outras palavras: mesmo que a oração funcione, ela não funciona tão bem assim (os defensores da oração rebatem dizendo que qualquer melhora é melhor do que nenhuma melhora).

Muita coisa será determinada este ano. Além do estudo da Duke University, o Dr. Herbert Benson, professor do Havard Medical School e presidente do Mind/Body Medical Institute, filiado a Harvard, está supervisionando um estudo com pelo menos 1 200 pacientes submetidos a pontes de safenas em vários centros médicos em todo o país. Os resultados deste estudo serão publicados em 2002.

Krucoff só começou a se preocupar com o possível ponto de encontro entre oração e Medicina no início de 1990, quando começou a realizar angioplastias em pacientes gravemente enfermos na Duke University. (Para você ter idéia, os pacientes eram instados a assinar declarações de que sabiam que tinham uma chance em três de morrer durante a cirurgia.) Para surpresa de Krucoff, o índice de mortalidade caiu de 33% para 3%. Ele diz que gostaria de atribuir tudo isso à sua habilidade e ao desenvolvimento de novas técnicas. “Mas havia algo mais. Ao avisar os pacientes do alto risco, eu sem querer os encorajava a rezar como nunca haviam rezado antes.”

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Krucoff e Crater estavam adentrando uma das áreas mais quentes da pesquisa médica – o elo entre espiritualidade e saúde. Duke hospeda o Centro para o Estudo da Religião, Espiritualidade e Saúde. E tem um setor especial dedicado à medicina integrativa. Não bastasse, há alguns anos a universidade acolheu a inovadora e controvertida pesquisa de J.B. Rhine sobre percepção extrasensorial (ESP). Ou seja: a Duke University está acostumada a sacudir as coisas.

Krucoff e Crater concentraram sua pesquisa nos efeitos terapêuticos, caso houvesse algum, da oração e de outras terapias noiéticas (nome bonito para “terapias espirituais”), como a imposição das mãos. Completaram um estudo piloto em 1998, mas como o número de pacientes recebendo orações era pequeno – apenas 30 – o resultado, que indicava que as orações intercessoras funcionam, ficou desprovido de solidez estatística. Era necessário um estudo maior, como o com 1 500 pacientes em diversos hospitais que eles estão coordenando hoje a partir de Duke.

A fé de quem recebe as preces conta? Aparentemente sim. Veja o caso de Donald, frequentador assíduo da unidade cardíaca do Veterans Affairs Hospital, de Durham, também na Carolina do Norte. Ele é um paciente de Krucoff. E não acredita em todos os tipos de oração. Seu ponto de vista explicita uma das incongruências do estudo. “Nem todas as preces são respondidas”, diz ele. “Se você não acredita em Jesus, suas preces não são ouvidas”. Ele sacode a cabeça de um lado para o outro negativamente quando perguntado se os budistas no Nepal poderiam fazer algum bem a ele: “Não, não podem”. Sequer mencionamos os papeizinhos no muro de Jerusalém…

Se o objetivo da pesquisa científica é jogar luz sobre questões irrespondidas, ainda há muitas sombras envolvendo a capacidade terapêutica das orações. E não apenas de descobrir se funciona ou não. A oração de determinada fé é mais eficaz do que a de outra? Dez minutos de reza de uma freira resolvem tanto quanto uma hora de preces de um estudante de teologia? (Na linguagem médica, essas são questões de “controle de dose”.) É possível machucar as pessoas rezando para prejudicá-las? (Uma possibilidade real, de acordo com alguns entusiastas.)

Em 1960 Bernard Grand, biólogo da McGil University, de Montreal, no Canadá, realizou um estudo para saber se a oração era um tipo de “cura à distância”. Ele fez incisões na pele de 300 camundongos e dividiu-os em três grupos. Oscar Estebany, curandeiro, segurava a gaiola de um grupo duas vezes por dia e concentrava sua energia curativa nos ferimentos. Alunos de medicina seguravam outra gaiola duas vezes por dia. Ninguém segurava a terceira gaiola. Após duas semanas os ratos de Estebany haviam cicatrizado mais rapidamente do que os outros, de acordo com o relatório de Grad, que foi publicado no Journal of the American Society for Psychical Research, uma publicação alternativa.

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Desde então, estudos similares têm sido realizados à margem do establishment médico. Embora o Instituto Nacional de Saúde americano relute em patrocinar estudos sobre preces, ele está apoiando diversos estudos sobre terapias alternativas – o que seria inimaginável há alguns anos. Também há mais fontes de recursos particulares interessadas. O estudo sobre oração de Harvard, por exemplo, está sendo financiado pela fundação John Temple.

Uma das ironias deste avanço nos estudos sobre a oração é que a coalizão de ativistas religiosos e espirituais que levaram as coisas à frente pode desmoronar se for comprovado que rezar tem, efetivamente, algum efeito. É que haverá, muito provavelmente, uma divisão entre aqueles que acreditam que a oração funciona através de poderes humanos inatos, ainda desconhecidos mas perfeitamente terrenos, e aqueles que acreditam que a cura vem de Deus.

“É uma polêmica que não deveria surgir mas que provavelmente vai causar muito barulho”, diz o doutor Larry Dossey, autor do best-seller Healing Words (Palavras que Curam). Krucoff prefere não fechar questão sobre o tema. “Acho que é uma ótima discussão”, diz. “Mas para os pacientes o que interessa mesmo é o resultado final, a cura”.

* Matéria originalmente publicada na Revista Talk

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