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O que é assexualidade?

O tema repercutiu após um participante assexual do BBB demonstrar interesse romântico por outra pessoa. Entenda essa orientação tão pouco conhecida.

Por Marcel Verrumo, editado por Tiago Jokura
Atualizado em 13 fev 2020, 16h27 - Publicado em 18 mar 2016, 20h15

Na última quinta-feira (13), um participante do Big Brother Brasil foi tema de discussões nas redes sociais devido a sua orientação sexual. Victor Hugo é assexual, ou seja, não tem interesse pleno em relações sexuais. Mas durante o reality show, o ele demonstrou interesse em outro colega, o que causou certa confusão para os telespectadores, que não entenderam que, apesar da falta de interesse no envolvimento físico, assexuais podem desenvolver sentimentos amorosos por outras pessoas.

Victor Hugo não é o único. Dados sugerem que há muitos brasileiros indiferentes ao sexo. De acordo com um relatório do Programa de Estudos em Sexualidade (ProSex), ligado à Universidade de São Paulo (USP), 7,7% das mulheres e 2,5% dos homens não sentem necessidade de manter relações sexuais – e não sofrem com isso. A pesquisa, realizada em 2008 no Brasil, entrevistou 8.200 maiores de 18 anos de diferentes regiões. Não há dados mais recentes sobre o tema.

Os números do ProSex destoam de outros estudos e surpreendem por caracterizarem um país com fama de hipersexualizado. Um dos primeiros trabalhos que levantaram quantas pessoas não têm desejo sexual data de 1948, conduzido pelo norte-americano Alfred Kinsey.

10.5 milhões de brasileiros e brasileiras não pensam naquilo, considerando percentuais da pesquisa do ProSex (USP), de 2008

O fundador do então Instituto para Pesquisas sobre Sexo descobriu que 1% da população não aprontava nada e nem pensava naquilo. Sem saber que nome dar a essas pessoas, nomeou-as como “categoria X”. Décadas depois, em 2004, o psicólogo Anthony Bogaert se debruçou sobre uma pesquisa semelhante, dessa vez a respeito da população britânica, e identificou que a mesma porcentagem de súditos da rainha dizia nunca ter sentido interesse sexual.

Obrigação social

A vendedora e escritora Luciana do Rocio, de Curitiba, continua virgem após os 40 anos. Não se interessa por sexo e não tem medo ou vergonha de falar sobre isso. Ela conta que a falta de desejo a fez ser vítima de preconceito desde a adolescência, quando, por não querer beijar, era chamada de “sapatão” pelos colegas. Mas o pior se passou mais tarde, aos 33, em uma consulta ginecológica. “A médica perguntou a data da minha última relação. Eu me declarei assexual, disse que nunca tinha transado e que nem tinha interesse. Me olhando com um misto de dúvida e espanto, examinou minhas partes íntimas com uma lanterna e soltou: ‘nossa, você é virgem MESMO’. Me senti um ET e, naquele dia, decidi que nunca mais iria a uma ginecologista”, conta.

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Acredito que afetividade nada tem a ver com sexualidade. Assim como pode haver atração sexual sem afeto, também pode haver afeto sem sexo.

Bruno Torrão, 37 anos

A sensação de estranheza consigo não é exclusividade de Luciana. A SUPER ouviu 24 indivíduos que não são atraídos por sexo e todos declararam que, em algum momento, passaram por uma confusão mental. “É natural que um assexual passe por um período de dúvidas, angustiado. Somos criados em uma sociedade sexonormativa. Está na nossa cultura que precisamos fazer sexo e que, em um relacionamento amoroso, essa prática precisa existir. Esse modelo social parte da prerrogativa de que todo ser humano tem atração sexual e não considera que pode haver quem não tenha e que, ainda assim, seja feliz”, aponta a pedagoga Elisabete Regina de Oliveira, autora de uma tese de doutorado sobre assexuais, defendida em 2014, na USP.

Profissional em Logística, Alex Lima, de São Paulo, sabe bem o que é essa imposição. Com 28 anos, só transou uma vez, aos 17, quando namorava e se viu sem saída. Não conseguiu finalizar o ato, sentiu-se sujo e teve certeza de que não deveria ter ido até o fim para descobrir que não gostava daquilo. “Parece que é obrigatório fazer e falar de sexo. Na hora do almoço no serviço ou em festas, sempre há uma rodinha falando disso. Se você diz que não gosta e não sente necessidade, falam que você é louco ou doente”, relata Alex.

A ciência do desejo

Aos poucos, quem não pratica sexo por opção – e não por falta dela – tem ganhado respeito na área médica. Desde a versão de 2013 do DSM (Diagnostic and Statistical Manual of Mental Disorders), publicação que cataloga os distúrbios mentais, a ausência de atração sexual não é classificada como doença, a não ser que prejudique o indivíduo. “A falta de interesse sexual é o que chamamos de desejo hipoativo. A assexualidade, ausência total de apetite sexual durante a vida, é o que o livro considera o seu grau máximo. No entanto, quem não tem vontade de transar não é doente. Se alguém não quer se relacionar sexualmente e se sente bem com essa situação, isso não é tido como doença ou distúrbio”, informa Carmita Abdo, psiquiatra especializada em sexologia à frente do ProSex/USP.

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Mas o que pode bloquear o interesse sexual de um indivíduo? Os profissionais entrevistados sugerem cautela; afinal, o diagnóstico varia conforme o caso e, inclusive, pode nem ser definitivo. “Se alguém está se sentindo mal por não ter desejo e nos procura, fazemos uma investigação preliminar para verificar se não há um fator social ou um quadro de depressão impedindo a libido”, conta Abdo.

O roxo é a cor do movimento; o branco simboliza quem deseja e pratica sexo; o preto representa quem não tem interesse sexual; o cinza designa quem sente atração sexual só em situações específicas. (Divulgação/Reprodução)

Exames para avaliar a bioquímica do organismo também são realizados; afinal, a libido é produzida pelo nosso corpo. “Ao ser submetido a um estímulo, neurotransmissores acionam o hipotálamo. Essa região do cérebro, responsável pelas emoções, então libera hormônios no sangue que provocam a sensação de prazer e despertam o desejo. Se há um desequilíbrio hormonal ou um desajuste dos neurotransmissores, pode ocorrer perda do apetite por sexo”, afirma Giancarlo Spizzirri, médico psiquiatra do Hospital das Clínicas (SP). No caso de quem quer voltar a sentir tesão, sessões de terapia e medicamentos que agem no sistema nervoso ou na regulação hormonal podem ser prescritos.

Mas, há muitos casos em que não há relatos de fatores sociais nem químicos impedindo o desejo e, ainda assim, ele não aparece – por um período ou pela vida inteira. Foi o que aconteceu com a dona de casa Kátia S., de São Paulo. Desde a adolescência, ela se sentia desajustada por não valorizar os garotos fisicamente, apenas admirá-los com afeto. Na faculdade, começou a namorar, mas terminou com o rapaz acusando-a de não o satisfazer. No entanto, o clímax de sua assexualidade foi recente, quando estava noiva havia nove anos e não conseguia mais transar com o parceiro. “Resolvi fazer exames médicos e procurar um psicólogo. Ouvi o que eu já imaginava: tudo dentro de mim estava sadio”, conta. O diagnóstico foi a gota d’água para o término e para Kátia acessar a internet e digitar “me sinto uma ameba assexuada”. Os resultados da busca a conectaram com parceiros que a satisfizeram como o sexo nunca fora capaz de fazer.

Saindo do armário

A comunidade assexual, como grupo organizado, é recente e se uniu pela internet. Tudo começou quando Zoe O’Reilly postou o relato My Life as Ameba (Minha Vida como Ameba) em um fórum de discussão, em 1997. Com uma referência ao protozoário que vive sem copular, a jovem assumia sua falta de vontade de transar e mostrava que vivia bem assim.

“Eu tenho orgulho de ser assexual. Meu povo é um grupo minoritário e quer ser reconhecido como todas as outras minorias. Queremos uma fita colorida, um feriado nacional, cupons para fast food. Queremos que o mundo saiba que nós existimos”, começava o texto, apresentando ao mundo o termo assexual (e não “assexuado”, considerado pejorativo pela comunidade). O post viralizou e atraiu muita gente que se sentia como Zoe. Foi como um match do Tinder: abriram-se janelas para o diálogo e a troca de ideias e experiências.

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1% da população não pensa em sexo nem sente atração sexual, segundo estudos nos EUA (1948) e Inglaterra (2004)

“Assexuais sempre existiram, mas ficavam em casa, calados e, em muitos casos, cedendo às necessidades do companheiro para manter o relacionamento. Com a internet, descobrem que não são os únicos no mundo que não carecem de sexo para serem felizes”, esclarece a pedagoga Elisabete.

Mas o grupo nasceu com apenas um ponto em comum: o desinteresse por sexo. Não havia símbolos nem um vocabulário para definir a variedade de experiências assexuais. Sim, assim como há muitas formas de viver a sexualidade (heterossexualidade, homo, bi, pan etc.), há diversidade na assexualidade. Tem quem não curta o ato nem se apaixone; quem não transe, mas se apaixone; quem passe a ter desejo ao se apaixonar; e até quem seja ideologicamente contra a prática sexual. Quanto maior era a aproximação entre os usuários, mais complexo o grupo se tornava.

Namoro há um ano e sempre converso com minha parceira sobre o que gostamos e se, naquele dia, tudo bem rolar determinado toque. É como um relacionamento deve ser: respeitoso e compreensivo.

Lucca Golizia, 25 anos

Em 2001, o universitário americano David Jay criou a Aven (Rede de Visibilidade e Educação Assexual), um site que mudou a história do movimento ao inspirar a criação de páginas online mundo afora e encorajar os assexuais a sair às ruas e lutar para não serem tidos como doentes, carentes de atenção ou infelizes – apenas por não quererem o mesmo que a maioria.

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“No Brasil, a assexualidade ainda é pouco conhecida. Tornar essa forma de viver a sexualidade visível é importante. Assim, assexuais solitários, que não compreendem sua condição, podem descobrir que há muitos como eles”, diz Júlia Luchiari Fioretti, que preparou a 1ª Parada Assexual do Brasil em 2016.


Outros 500 tons

A assexualidade é como um leque repleto de sub-orientações. Cada indivíduo pode sentir de uma forma única. Entenda algumas dessas variações:

Antissexo 
Tipo raro, não pratica o ato e prega que outros também não transem.

Arromântico 
Não sente atração sexual nem interesse amoroso pelo outro.

Radical
Não sente atração sexual nem amorosa, mas não recrimina a prática.

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Romântico
Não sente atração sexual, mas pode ter interesse amoroso pelo outro.

Autoerótico
Não se atrai sexual ou amorosamente, mas pratica masturbação.

Gray-A 
Pode sentir desejo sexual em algumas situações específicas.

Demissexual
Pode ter interesse sexual numa relação afetiva com namorado ou amigo.

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