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Pedofilia: como funciona a mente dos abusadores de crianças

A raiz desse comportamento criminoso está num conceito torpe de dominação. Usar uma criança ou adolescente como objeto sexual é ter uma ilusão de potência.

Por Leandro Sarmatz
Atualizado em 24 out 2022, 09h18 - Publicado em 30 abr 2002, 22h00

Ela está de bruços, os braços pousados em uma cama. O rosto não transmite sentimento algum. Ela apenas olha para a lente, sem roupa.

Ela tem apenas 9 anos. No mesmo site de nudez infantil, há uma menina de 11 anos, despida numa praia do Báltico, mais uma infinidade de fotos de bebês ainda lactentes, pequenos seres naquela fase em que ainda choram para pedir a atenção carinhosa dos pais.

O que leva alguém a excitar-se sexualmente com crianças? Como explicar a mera existência desse distúrbio? Recentemente, veio a público um vídeo em que o presidente do Brasil, Jair Bolsonaro, diz ter “pintado um clima” entre ele e meninas de 13 e 14 anos, e que entrou na casa delas por isso. A revelação trouxe o tema dos pedófilos de novo à tona.

E vamos começar pelo ponto principal: a raiz da pedofilia está num conceito torpe de dominação. “A criança nunca é parceira na relação de um pedófilo, mas seu objeto, pois se trata de um ser indefeso, dominado sadicamente”, afirma o psicanalista carioca Joel Birman, que atende em seu consultório antigas vítimas de investidas de adultos. “Usar uma criança como objeto sexual é ter uma ilusão de potência”. Tal ilusão excitaria o pedófilo.

O psiquiatra francês Patrick Dunaigre, especializado no assunto, defende a existência de dois tipos de pedofilia: a “de situação” e a “preferencial”. A primeira talvez seja o tipo mais difícil de detectar. Alguns adultos, principalmente homens, atacam crianças sem, no entanto, se sentirem excitados com elas. O ataque não envolve necessariamente relações sexuais mais diretas, como penetração. A agressão pode ser uma carícia disfarçada de inocente cócega ou mesmo beijos em partes mais íntimas do corpo infantil. Na maior parte dos casos são crimes isolados e que, muitas vezes, não irão se repetir no futuro.

O segundo tipo de pedofilia, o “preferencial”, é o mais conhecido. Ocorre quando o agressor deliberadamente escolhe bebês e crianças na pré-puberdade – antes dos 13 anos – como obscuros objetos para sua satisfação sexual. Na maior parte dos casos é praticada por um adulto que adquire a confiança da vítima.

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Glenn Wilson, professor de Psicologia na Universidade de Londres, Inglaterra, realizou extensa pesquisa para definir o padrão de um pedófilo típico. De acordo com ele, a maioria dos tem entre 30 e 45 anos e é do sexo masculino (95%). Desses, 71% abusam preferencialmente meninos, de 12 a 15 anos.

Uma estatística mais conhecida, e não menos revoltantes: 80% dos casos ocorrem na intimidade do lar: pais, tios e padrastos são os principais agressores, de acordo com o psicólogo David L. Burton, especialista em agressão infantil da Universidade de Michigan.

“Há um pacto de silêncio”, denuncia o psicólogo Antônio Augusto Pinto Júnior, coordenador do Centro de Referência à Infância e à Adolescência de Guaratinguetá, município do interior paulista. Antônio Augusto, que atende crianças que sofreram abuso sexual dentro de casa.

Um dos casos atendidos pelo psicólogo é o de uma menina de 13 anos, abusada pelo avô. Detalhe: suspeita-se que o avô, na verdade, seja pai da menina, pois anteriormente ele mantivera relações sexuais com a mãe dela – e filha dele. Episódios aterradores (e comuns) como este são pouco divulgados. “A mãe geralmente é cúmplice do abuso”, afirma Antônio Augusto.

Por medo da reação da sociedade, grande parte dos casos de pedofilia familiar não vêm à tona. “Os casos são muito mais numerosos do que nós sabemos”, diz a coordenadora do Lacri, a professora de Psicologia da USP Maria Amélia Azevedo.

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Não fica nisso, claro. Países como Sri Lanka, Filipinas e República Tcheca abrigam mercados de turismo sexual – e o Brasil está nessa lista. É comum ver, nas praias do Nordeste, parrudos europeus desfilando com meninas e meninos completamente imaturos para qualquer relação íntima.

As conseqüências nas crianças molestadas são as piores possíveis. O abuso provoca danos na estrutura e nas funções do cérebro, incluindo aquelas que desempenham papel importante na cognição, na memória e nas emoções.

Depressão, propensão a abuso de álcool e drogas são algumas das seqüelas observadas pelos pesquisadores. A maioria percebe que, mais crescidas, as crianças costumam apresentar problemas ligados à sexualidade – de inibição e pavor ao sexo a comportamentos que podem se transformar em pedofilia. O círculo vicioso, então, se completa – e deixa atrás de si um rastro de frustração, raiva, medo e silêncio.

Acabar com esse silêncio é um dever de cada um de nós.


Esta é uma adaptação da reportagem Inocência Roubada, publicada originalmente na versão impressa da SUPER, em abril de 2002. Atualizado por Alexandre Versignassi. 

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