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Pompéia: Cidade Eterna

Há quase 2 mil anos, uma erupção vulcânica soterrou Pompéia.Suas ruínas permitem conhecer o dia-a-dia de uma cidade romana - como se ela continuasse existindo para sempre

Por Da Redação Materia seguir SEGUIR Materia seguir SEGUINDO
Atualizado em 31 out 2016, 18h08 - Publicado em 31 mar 1988, 22h00

Foi a maior erupção do Vesúvio de que se tem notícia. Na manhã de 24 de agosto do ano 79, uma chuva de cinzas e pedras que saia da cratera do vulcão apanhou de surpresa os moradores das cidades de Pompéia, Herculano e Stabia. Localizadas no golfo de Nápoles. no Sul da Itália as três foram totalmente soterradas. Pompéia, a 23 quilômetros de Nápoles, com uma população estimada entre 10 e. 15 mil habitantes, era a maior delas. Dias antes da catástrofe, os pompeianos ouviram ruídos que vinham do solo e para os quais não encontravam explicação.

Provavelmente, a julgar pela ausência de precauções, eles nem sequer suspeitavam de que a montanha onde plantavam vinhas abrigava um perigoso vulcão. As pedras, chamadas lapíli (do italiano lapilli, pedrinhas), que a cratera expelia, alcançavam quilômetros de altura e algumas tinham espessura de 8 metros. Normalmente, os lapíli são do tamanho de uma avelã. Quem conseguiu sobreviver às pedradas acabou morrendo por asfixia: o Vesúvio soltava um gás altamente tóxico e letal. No dia 27, as cidades estavam sepultadas debaixo das cinzas e pedras. Os sobreviventes que retornaram em busca de seus pertences não encontraram mais nada.

Alguns séculos mais tarde, nem era possível precisar o local exato onde se ergueram. Só no século XVI é que foram descobertos vestígios das ruínas de Pompéia, quando o arquiteto italiano Domenico Fontana tentou abrir um túnel sob o monte La Civita; ele pretendia construir um canal que levasse a água do rio Sarno para a cidade vizinha de Torre Annunziata. Passaram-se mais dois séculos até que as pesquisas na área começassem. Em 1738, por ordem do rei Carlos III de Espanha — cujos domínios incluíam Nápoles — ,o engenheiro Rocco Giacchino de Alcubierre iniciou escavações sistemáticas onde antes se erguera Herculano, a 8 quilômetros de Nápoles.

Dez anos depois, passaram a escavar em outro local, que só em 1763, por meio de uma inscrição, foi identificado como Pompéia. Os arqueólogos contratados por Alcubierre encontraram também o primeiro cadáver e quanto mais avançavam no trabalho outros apareciam. Todos transformados em estátuas de pedras. São famosas as de uma mãe que amamentava o filho, a de um cão preso a correntes e as de três jovens mulheres surpreendidas na fuga da Vila dos Mistérios como se chamava o templo onde se celebravam os cultos ao deus Dioniso. A posição em que foram encontrados os corpos indica a luta que travaram para se livrar da morte.

Esses achados causaram grande impacto — e não era para menos. Pela primeira vez vinha a público a imagem concreta de uma cidade romana que não sofrera as mudanças que o tempo e as gerações teriam nela produzido. A princípio e por um bom tempo pensou-se que seus habitantes tinham alto nível cultural e artístico devido às esculturas de bronze e mármore e aos objetos de prata e vidro ali encontrados. Mas no decorrer das investigações ficou provado, ao contrário, que os cidadãos de Pompéia eram provincianos encerrados nos muros da pequena cidade, de onde só saiam para fazer negócios.

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Uma inscrição na casa de Vedio Sirico, um rico comerciante local, dizia: “Salve o lucro”. Para a aristocracia romana — o patriciado — lucro significava aumento de patrimônio — uma verdadeira obsessão na época. Os habitantes de Pompéia eram uma mistura de sanitas — povo itálico que ocupou a região no século V a.C.—, veteranos das regiões romanas — isto é, soldados que recebiam lotes de terra como recompensa — e ricos aristocratas interessados em especulação imobiliária e em construir casas de veraneio. As cidades e vilas da região da Campânia, Pompéia entre elas, eram inicialmente aliadas de Roma? mas no século I a.C. rebelaram-se porque queriam ter representação política junto ao Império romano. Derrotadas, foram transformadas em colônias e o latim passou a ser a língua oficial em substituição ao osco, idioma falado até então em Pompéia.

As pesquisas arqueológicas revelaram que a sociedade pompeiana, como qualquer outra do Império romano, apresentava grandes contrastes e diferenças de classe: os escravos e plebeus trabalhavam para os patrícios e o sonho dos cativos, quando conseguiam a liberdade, era ganhar dinheiro suficiente para comprar seu próprio escravo. Pompéia vivia basicamente do comércio de azeite e do vinho que produzia. Sua localização estratégica, entre o mar e a foz do rio Sarno, facilitava a exportação desses produtos para cidades do Mediterrâneo. No século II a.C., o comércio ganhou impulso e isso se refletiu de imediato nas construções, que aumentaram em número e em luxo.

As escavações mostraram também que os moradores de Pompéia veneravam os deuses oficiais romanos, tanto que havia templos em homenagem a Apolo, Júpiter e Vênus, a quem ofertavam orações e bens. Em troca, eles acreditavam receber paz de espírito. Às divindades cabia a responsabilidade de dirigir a vida das pessoas e cuidar para que os costumes não se tornassem demasiadamente devassos. A idéia muito comum de que Pompéia era o paraíso do ócio e das bacanais do Império é hoje contestada.

Ela nasceu da descoberta de desenhos obscenos, símbolos fálicos e cenas eróticas pintados nas paredes de bordéis, que aguçaram a imaginação dos escritores. A partir daí, eles construíram toda uma história na qual os habitantes de Pompéia aparecem como pessoas dissolutas. Na verdade, bordéis também fizeram parte de sociedades conservadoras e Pompéia nada mais foi que uma cidade representativa da sociedade romana da Antiguidade. Seja como for. as paredes dos bordéis são uma das atrações que levam mais de 1 milhão de turistas anualmente às ruínas da cidade. A outra grande atração fica por conta das casas, em sua maioria luxuosas e espaçosas, todas com um jardim no meio. Por meio delas, pode-se reconstruir a típica casa romana da classe média abastada ou rica.

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No romance Satyricon o escritor romano Petrônio, que morreu no ano 66, retrata bem os usos e costumes característicos dos novos-ricos que moravam em Pompéia poucos anos antes da erupção do Vesúvio. Estudiosos modernos concordam. “Ali, fortunas se faziam da noite para o dia e da mesma forma aconteciam as falências. Isso talvez explique por que os pompeianos tinham como doutrina viver intensamente o momento presente”, afirma o arqueólogo Norberto Luiz Guaraniello 29 anos, professor da Universidade de São Paulo, que realizou pesquisas arqueológicas em Pompéia no ano passado.

As descobertas dos pesquisadores desvendaram muitos aspectos do cotidiano de Pompéia e reconstituíram os seus derradeiros dias. Naquela manhã de 24 de agosto de 79, as padarias, por exemplo, estavam em plena atividade. Moinhos, máquinas de misturar farinha, fornos e até pões carbonizados testemunham isso. A cidade, que mal tinha se recuperado da destruição causada por um terremoto dezessete anos antes, possuía também numerosas oficinas de ferreiros, o que prova o grande domínio de técnicas de artesanato. As oficinas dos escultores, joalheiros? as lojas que vendiam alimentos, o mercado, as fábricas de lâmpadas a óleo ilustram outros aspectos da vida dos cidadãos locais. Também foi possível saber que uma das termas da cidade ficava aberta à noite e era iluminada por cerca de mil lâmpadas a óleo. Tanto para homens quanto para mulheres, as termas funcionavam como uma espécie de clube onde as pessoas se encontravam.

Outra descoberta importante dos arqueólogos foram os grafitos que se espalhavam por toda a cidade — de dar água na boca aos melhores grafiteiros das metrópoles do século XX. Havia inscrições para todos os gostos: desde os que anunciavam a troca de um amante por outro até citações, nem sempre exatas porque escritas de memória, de poetas como Virgílio. Além disso, nos muros das casas, edifícios públicos e até nas sepulturas gravavam-se anúncios de combates de gladiadores e muita propaganda eleitoral. Todos os anos a população elegia os duúnviros — as duas autoridades mais importantes da cidade, equivalentes aos cônsules romanos — e dois edis — espécie de vereadores que cuidavam da inspeção e conservação dos edifícios públicos.

Por isso, um com número de pessoas trabalhava à noite fazendo propaganda de candidatos. “Eles trabalhavam em grupos”, afirma o professor Guaraniello. “Um segurava a escada, outro a lanterna, um terceiro escrevia frases e havia os que depois das eleições limpavam os muros”, explica ele. Mas, além de bons grafiteiros, ao que parece os pompeianos eram também bons de briga. Pelo menos é o que se deduz de um episódio narrado pelo historiador romano Cornélio Tácito (56-120). Uma luta entre gladiadores de Pompéia e da cidade próxima de Nocera, no ano 59, acabou em tumulto generalizado das duas torcidas.

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Entre mortos e feridos, as baixas foram maiores do lado dos noceranos. Por isso, o anfiteatro de Pompéia, palco das lutas, ficou fechado por um bom tempo. A cidade tinha ainda dois teatros: um com capacidade para 5 mil pessoas. onde se representavam comédias, e outro menor, o odeon, que abrigava 1500 pessoas, onde aconteciam os espetáculos musicais. No que era considerado o centro pulsante da cidade, ficavam o fórum, os edifícios públicos, o mercado, o banheiro público e os templos, além de uma grande lavanderia e tinturaria. Comandada por uma mulher, coisa rara na época, de nome Eumachia, supõe-se que ali era tingida toda a lã de carneiro que a cidade produzia.

Com base nas reconstituições que as pesquisas arqueológicas proporcionaram, o cinema produziu a partir da década de 20 muitos filmes épicos que retrataram com fidelidade os usos e costumes da história romana da época e a tragédia que soterrou Pompéia. Os últimos dias de Pompéia é um filme que já teve quatro versões: a primeira em 1926 e a última em 1983, esta uma minissérie para a televisão. Se, de um lado, as produções cinematográficas eram grandiosas, de outro a vasta literatura deixa a desejar. Assim, o documento considerado de maior valor histórico foi escrito por Plínio, o Jovem, 25 anos depois da tragédia.

Em duas cartas que enviou ao historiador Tácito, Plínio descreve a morte de seu tio, Plínio, o Velho. Ambos se encontravam na cidade de Miseno, numa das pontes da baia de Nápoles, quase em frente a Pompéia, quando viram a erupção. Plínio O Velho, que além de comandar a frota romana foi autor de uma enciclopédica História Natural, resolveu ver de perto o que acontecia e acabou morrendo na praia de Stabia, asfixiado por gases tóxicos. As cartas são consideradas uma reportagem fiel do que se passou em Pompéia naqueles dias. Depois da erupção de 79, o Vesúvio irrompeu ainda nada menos que trinta vezes — o episódio mais recente ocorreu em 1944. Mas nunca com a violência que sepultou Pompéia.

 

 

Para saber mais:

As janelas da Terra

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(SUPER número 2, ano 3)

 

O vilão reabilitado

(SUPER número 10, ano 7)

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