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Intestino: seu segundo cérebro

Ele tem 9 metros de comprimento e 500 milhões de neurônios. Controla muito do que você faz - e influencia tudo o que você pensa.

Por Bruno Garattoni, Alexandre de Santi e Sílvia Lisboa
Atualizado em 16 set 2021, 21h21 - Publicado em 11 out 2016, 15h00

Quase todo mundo é ansioso. Segundo a Associação Internacional de Controle do Stress (ISMA), 72% dos trabalhadores brasileiros são estressados. Mais da metade da população está acima do peso e tem problemas de sono – hoje se dorme 1h30 a menos, por noite, que na década de 1990. E nunca houve tanta gente, no mundo, sofrendo de depressão. De onde vem tudo isso? Cada um desses problemas tem suas próprias causas. Mas novos estudos têm revelado um ponto em comum entre todos eles: a sua barriga.

Dentro do sistema digestivo humano existe o que alguns pesquisadores já chamam de “segundo cérebro”, com meio bilhão de neurônios e mais de 30 neurotransmissores (incluindo 50% de toda a dopamina e 90% da serotonina presentes no organismo). Tudo isso para controlar uma função essencial do corpo: extrair energia dos alimentos. Mas novas pesquisas estão revelando que não é só isso. Os neurônios da barriga podem interferir, sem que você perceba, com o cérebro de cima, o da cabeça – afetando o seu comportamento, as suas emoções e até o seu caráter. E o mais incrível é como eles fazem isso. Mas primeiro: que história é essa de neurônios lá embaixo?

Ao longo da evolução, animais foram desenvolvendo uma rede de neurônios no sistema digestivo

Sem energia, não existe vida. Você precisa dela. E, ao contrário das plantas, que se viram com CO2 e luz solar, os animais obtêm energia comendo – e digerindo – outros seres. É um processo fundamental da nossa vida, mas não é nada simples. Tanto que, ao longo da evolução, animais primitivos – como os vermes de 600 milhões de anos atrás – foram desenvolvendo uma rede de neurônios no sistema digestivo. Lá, eles coordenavam o processamento da comida, que graças a isso se tornou mais sofisticado (ou seja, capaz de extrair energia de mais e mais tipos de alimento). E também desempenhavam outra função crucial: detectar e expulsar substâncias tóxicas, evitando que o bicho morresse ao comer algo venenoso. Deu certo. Tão certo que a rede de neurônios digestivos foi aumentando e se sofisticando, até chegar ao que, hoje, é conhecido como sistema nervoso entérico (SNE).

Essa rede de neurônios percorre todo o abdômen: são de 6 a 9 metros

Ele existe em todos os animais vertebrados e, nos humanos, é uma rede de neurônios que percorre todo o abdômen: são de 6 a 9 metros, começando no esôfago, passando pelo estômago e pelo intestino e indo até o reto (os neurônios ficam numa espécie de “forro”, atrás das mucosas que processam os alimentos). Você já nasce com eles, mas o SNE aprende e evolui com o tempo – o que ajuda a explicar por que os bebês nascem com dificuldade para digerir qualquer coisa, até o leite materno.

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Quando você coloca na boca aquela batatinha frita do boteco, provavelmente ignora a verdadeira alquimia que está prestes a ocorrer: ao final do processo, a batata será parte de você. Mágico, não? Mas, para que o feitiço ocorra, uma série de processos precisam estar sincronizados. Enquanto você mastiga a batata, o estômago começa a ser preparado para recebê-la. Assim que engole, os neurônios da barriga mandam liberar enzimas e sucos gástricos. São eles também que, algum tempo depois, decidem que a batata já foi suficientemente dissolvida pelo estômago, e pode seguir para o intestino (ou que, ao detectar comida estragada, fazem você vomitar). Ao mesmo tempo, outros neurônios mandam o intestino empurrar o bolo alimentar da refeição passada para abrir espaço. Quando sente que você já comeu o suficiente, o SNE manda o organismo parar de liberar grelina, hormônio que causa a fome. Algumas horas depois, ou no dia seguinte, ele avisa que é hora de ir ao banheiro. E só aí o seu cérebro reassume o comando.

Você pode perguntar: mas e daí? O sistema digestivo não está fazendo mais que a obrigação, certo? Certo. Só que ele vai além – e graças a uma força que nem humana é.

Você e elas

Desde que a ciência descobriu as bactérias (graças ao cientista holandês Antoine van Leeuvenhoek, em 1676), a humanidade sempre desprezou, odiou e temeu essas criaturas. Com alguma razão: podem causar infecções mortais. Mas o fato é que as bactérias nem sempre são nocivas. A maior parte é fundamental para o organismo – tanto que o corpo humano abriga uma enorme quantidade delas. Um homem de 1,70 m e 70 kg possui aproximadamente 30 trilhões de células humanas, segundo um estudo publicado este ano pelo Weizmann Institute of Science, de Israel. E 39 trilhões de bactérias. Ou seja: o seu corpo contém mais células não humanas do que humanas.

Essa população de micro-organismos é chamada de microbiota, e a esmagadora maioria dela vive no sistema digestivo, onde existem 300 espécies de bactéria. Elas moram lá porque, como você, precisam de energia para sobreviver: no caso, a comida que você come. As bactérias da sua barriga são benéficas, ajudam na digestão dos alimentos. Mas também podem provocar efeitos estranhos e surpreendentes. Isso foi demonstrado pela primeira vez em 2011, quando cientistas da Universidade Cork, na Irlanda, descobriram que bactérias da espécie Lactobacillus rhamnosus, encontradas em iogurtes, eram capazes de alterar o comportamento de ratos de laboratório. Os pesquisadores dividiram os ratinhos em dois grupos, alimentados com dois tipos de iogurte: um com essa bactéria e outro sem. Os camundongos que tomaram o iogurte turbinado tiveram o dobro de disposição para atravessar labirintos e nadar. Ratos de laboratório nadam por 4 minutos, em média, antes de desistir de lutar contra a água (eles simplesmente boiam depois disso). Os bichos que tomaram iogurte com L. rhamnosus nadaram 50% mais.

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“Talvez, no futuro, os antidepressivos possam ser comprados no supermercado, na forma de iogurte”

Também ficaram mais relaxados, como se tivessem tomado um calmante. Um exame de sangue, feito depois, comprovou que eles tinham 50% menos corticosterona, uma substância ligada ao stress, e melhor distribuição do ácido gama-aminobutírico (GABA), um neurotransmissor que ajuda a conter a ansiedade. Ou seja: as bactérias do iogurte mexeram com o “segundo cérebro” dos ratinhos – que alterou os níveis de várias substâncias e, por sua vez, influenciou o cérebro principal. “A microbiota pode se comunicar com o cérebro”, explica o neurocientista brasileiro Gilliard Lach, do laboratório que fez o estudo. “Talvez, no futuro, os antidepressivos possam ser comprados no supermercado, na forma de iogurte”, acredita.

Para não deixar dúvida, os pesquisadores fizeram um último teste. Pegaram os ratinhos e cortaram seu nervo vago, que conecta o sistema digestivo com o cérebro (e também existe em humanos). E o iogurte turbinado deixou de fazer efeito. Ou seja: eram mesmo os neurônios da barriga, influenciados pelas bactérias, que estavam manipulando o comportamento dos ratinhos.

Em seres humanos, acontece a mesma coisa. Isso ficou provado em 2013, quando cientistas da Universidade da Califórnia recrutaram 36 voluntárias. Elas foram divididas em três grupos. O primeiro tomou iogurte com quatro tipos de bactéria (bifidobacterium, streptococcus, lactococcus e lactobacillus) ao longo de um mês. O segundo consumiu uma bebida que tinha gosto de iogurte, mas não continha essas bactérias. O terceiro não tomou nada – manteve a dieta de sempre. Os cérebros das mulheres foram analisados, em exames de ressonância magnética, antes e depois da experiência. O resultado foi claro. As bactérias modificaram várias regiões que processam sensações do corpo, emoções e até funções cognitivas. Caiu a atividade de regiões como a ínsula (responsável por processar certos estímulos do corpo, como fome) e o córtex somatossensorial (que processa o tato e outros sentidos). E aumentaram as conexões entre a substância cinzenta periaquedutal, que ajuda no controle da dor, e o córtex pré-frontal – a área racional do cérebro. Ou seja: alterações no sistema digestivo provocaram alterações no cérebro.

Os cientistas ainda estão tentando entender de que forma os neurônios ‘abdominais’ agem sobre o cérebro. Mas ficou provado que a barriga realmente pode mandar na cabeça – e, como qualquer pessoa que já teve dor de barriga porque ficou ansiosa sabe, também pode ser influenciada por ela. “É um caminho de duas mãos. Tanto o seu humor pode afetar o aparelho digestivo, quanto o seu aparelho digestivo pode afetar o humor”, diz o médico Carlos Francesconi, professor da UFRGS e especialista em neurogastroenterologia, área da medicina que estuda os neurônios do sistema digestivo. E esses processos são influenciados por bactérias. “Elas exercem um papel regulatório, como se fossem um órgão a mais”, diz Marcio Mancini, chefe do grupo de obesidade do Hospital das Clínicas da USP. Qualquer modificação nesse pool de inquilinos do seu corpo pode provocar um desequilíbrio – e estar na raiz de várias doenças.

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Ansiedade, por exemplo. Pesquisadores da Universidade McMaster, no Canadá, descobriram que ratos com maiores níveis de bactérias lactobacillus e bifidobacterium no sistema digestivo são menos ansiosos. E o oposto também é verdadeiro. Os cientistas coletaram bactérias do intestino de um rato ansioso, e injetaram em um ratinho calmo. Os micro-organismos mataram a maior parte das bactérias “boas” – e, como consequência, o camundongo passou a ter comportamento ansioso e nervoso.

Em pessoas, também há indícios de que seja assim. No ano passado, um estudo da Universidade de Oxford avaliou 45 voluntários, divididos em dois grupos. O primeiro recebeu placebo. O outro, doses de um carboidrato chamado galactooligossacarídeo (GOS), naturalmente presente no leite materno e em alimentos como cebola, alho, banana, soja e chicória. Esse carboidrato é o alimento preferido das bactérias lactobacillus e bifidobacterium (as mesmas da pesquisa com ratos). A ideia era turbinar a população desses micro-organismos, e ver se fazia algum efeito sobre as pessoas. Os voluntários que ingeriram o tal carboidrato desenvolveram mais bactérias – e ficaram com níveis 50% mais baixos de cortisol, o hormônio do stress. Também se saíram melhor numa bateria de testes psicológicos, apresentando respostas mais otimistas e menos sinais de ansiedade.

Outros estudos já encontraram relação entre a falta de lactobacillus e doenças como depressão e anorexia. Esses micro-organismos ajudam a manter a camada de muco que protege o intestino. Quando eles não estão presentes, essa barreira fica mais fraca, e surgem pequenas inflamações no intestino – que são encontradas em 35% das pessoas deprimidas. Para tentar entender o porquê, os cientistas autores da descoberta injetaram lactobacilos em ratos. As bactérias protegeram o intestino e produziram efeitos semelhantes aos de remédios antidepressivos.

As bactérias do sistema digestivo também estão relacionadas ao sono.

As bactérias do sistema digestivo também estão relacionadas ao sono. Isso foi descoberto nos anos 1990, quando cientistas da Universidade de Newcastle, na Inglaterra, deram antibióticos para ratos de laboratório durante uma semana. Previsivelmente, os níveis de bactérias despencaram. O surpreendente foi outra coisa: os ratinhos passaram a dormir menos e pior, passando menos tempo na chamada fase REM (movimento rápido dos olhos, em inglês), a fase em que o corpo mais descansa – e, também, em que o indivíduo sonha.

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Há estudos mostrando que pessoas com autismo, Parkinson, Alzheimer e obesidade possuem uma seleção diferente de micro-organismos na barriga. Tanto que o transplante de fezes tem sido considerado como possível tratamento para o autismo. Dois pesquisadores do Instituto de Tecnologia de Pasadena, na Califórnia, descobriram uma relação entre bactérias intestinais e autismo. Pelo menos em ratos. Eles criaram uma ninhada de ratinhos autistas (o que foi feito de um jeito meio cruel: infectaram uma rata grávida com um vírus que ataca os fetos). Depois, analisaram a população de micro-organismos no sistema digestivo deles. Descobriram que era bem diferente da encontrada em ratos normais.

Cientistas da Universidade Columbia e do Hospital Geral de Massachusetts já haviam observado que pessoas autistas costumam ter déficit de um tipo de bactérias, as bacteroides. Também costumam apresentar problemas gastrointestinais.

Se existe mesmo essa relação entre bactérias e autismo, pode haver um tratamento em comum que mire os dois alvos. Os pesquisadores de Pasadena decidiram alimentar os ratinhos autistas com bacteroides. Resultado: os animais pararam de fazer os movimentos repetitivos típicos do autismo severo, e ficaram mais sociáveis e abertos a interações com outros ratos. Ainda é cedo para saber se bactérias – no caso, a falta delas – são as culpadas pelo autismo. Mas, se a hipótese se confirmar, o tratamento desse transtorno pode passar também por um prosaico pote de iogurte.

Em todos esses casos, é preciso fazer mais estudos. “Não se sabe ainda se estamos diante do ovo ou da galinha”, explica Dan Waitzberg, professor de medicina da USP e especialista em aparelho digestivo. Quer dizer: a diferença na população de bactérias pode tanto ser a causa quanto mera consequência dessas doenças. Mas o sistema digestivo, e os bichinhos que moram nele, têm uma conexão nítida com os dois grandes males do mundo moderno: a obesidade e o câncer.

Guerra e paz

A medicina tem feito progresso na luta contra o câncer. Mas vários dos remédios mais modernos estão envoltos em um enigma: funcionam em certas pessoas, mas em outras não produzem o menor efeito. E ninguém sabe o porquê. Uma das respostas pode estar no tipo de bactérias que habitam a barriga de cada pessoa.

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O francês Mathias Camaillard e sua equipe da Universidade de Ille, na França, descobriram, após fazer testes em ratos, que uma droga usada no tratamento do melanoma (o câncer de pele mais agressivo) não funciona na ausência das bacteroidales. Os cientistas descobriram isso ao examinar ratinhos tratados com o remédio, que se chama ipilimunab e faz o sistema imunológico atacar o câncer. Ele é usado em casos graves, quando o melanoma já se espalhou pelo corpo, e pode prolongar a vida dos pacientes em cinco anos. Para saber se as bactérias eram mesmo decisivas, a turma de Camaillard fez um novo (e meio nojento) teste: coletou fezes de 25 pacientes humanos, todos portadores de câncer, e injetou no intestino dos ratinhos. Ou seja, transplantou as bactérias dos humanos para os camundongos. Adivinhe só: nos ratos que receberam bacteroidales, o remédio anticâncer começou a fazer efeito, como que por milagre. Não era milagre, claro, mas os cientistas ainda não sabem explicar o resultado. Eles suspeitam que as bactérias ajudem a “acordar” o sistema imune, turbinando o efeito da medicação. No futuro, a ideia é que pacientes com melanoma avançado tenham suas fezes analisadas antes de começar o tratamento. Se o teste apontar que eles carregam poucas bacteroidales no organismo, poderão recebê-las via transplante de fezes.

Em 2009, um estudo liderado pelo médico americano Jeffrey Gordon, da Universidade Washington, em St. Louis, começou a desvendar a relação entre bactérias e obesidade. Ele analisou o sistema digestivo de um grupo de gêmeas com uma característica bem peculiar: em todos os casos, uma irmã era obesa e a outra não. Depois de analisar as bactérias intestinais das 154 voluntárias, os pesquisadores concluíram que as irmãs obesas tinham flora intestinal menos diversa e com menos bacteroidetes. Um resultado instigante, mas ainda restava uma dúvida: essa diferença na quantidade de bactérias era a causa da obesidade, ou o efeito dela?

O grupo decidiu, então, buscar a resposta em experimentos com ratos. Ficou quatro anos fazendo uma experiência que se mostraria revolucionária. Os cientistas pegaram ratinhos recém-nascidos e estéreis, ainda sem nenhum micro-organismo intestinal, e injetaram neles bactérias tiradas de intestinos humanos. Metade dos ratinhos recebeu bactérias “gordas”, ou seja, que haviam sido coletadas nas gêmeas obesas. A outra metade ganhou bactérias “magras”, extraídas do intestino das gêmeas magras.

Todos os ratos comeram a mesma ração, na mesma quantidade. Adivinhe só o desfecho: os bichos que receberam bactérias “gordas” ficaram gordos. E aqueles que receberam bactérias “magras” ficaram magros.

Mais tarde, a equipe repetiu o experimento, mas, dessa vez, uniu os dois grupos de ratos num mesmo espaço. Assim, os animais se contaminaram uns com as bactérias dos outros (pois os ratos têm o lindo hábito de comer fezes). Com o compartilhamento de bactérias, os dois grupos de ratos ficaram magros. Os cientistas também transplantaram bactérias dos ratos magros para os obesos – que ficaram magros. Em suma: os cientistas provaram, de várias formas diferentes, que as bactérias intestinais podem causar, ou prevenir, a obesidade. Em ratos, pelo menos. Não se sabe exatamente o porquê, mas os cientistas acreditam que tenha a ver com as calorias (certos tipos de bactéria turbinam a digestão, permitindo extrair mais energia dos mesmos alimentos).

Um ponto importante: os ratos gordos só emagreciam se recebessem 54 tipos de bactérias do outro grupo. Os cientistas também tentaram transferir menos espécies, apenas 39 tipos, e não deu certo – os ratos continuaram gordos. Isso significa que a chave está na diversidade de bactérias dentro do corpo. Mas a vida moderna está acabando com elas.

Nova cura, nova doença

De 5% a 10% da população mundial têm úlcera gástrica, um ferimento na parede do estômago que nunca cicatriza completamente, causa dores fortes e, em casos graves, pode matar. É uma doença crônica e incurável, cujo tratamento sempre consistiu em tomar Antak (cloridrato de ranitidina): um remédio paliativo, que reduz a produção de suco gástrico – e, com isso, as dores – e se tornou o medicamento mais vendido do mundo na década de 1980.

Até que um dia um médico desconhecido, que se chamava Barry Marshall e trabalhava num hospital da Austrália, apareceu com uma ideia: a úlcera, na verdade, era causada pela proliferação excessiva da Helicobacter pylori, que ele havia encontrado no estômago de pacientes com úlcera. Ninguém levou a sério, e Barry não podia fazer estudos em seres humanos (pois isso significaria condená-los a uma vida de dores). Desesperado, ele fez o impensável: infectou a si mesmo com a tal bactéria. Como seria de se esperar, desenvolveu úlcera – que então curou, em uma semana, com um antibiótico. Barry havia descoberto a cura, simples e definitiva, para uma doença que afetava dezenas de milhões de pessoas. Um conto de fadas da medicina moderna.

Mas essa vitória também teve um lado ruim. Estudos mais recentes sugerem que a H. pylori também desempenha um papel importantíssimo para o organismo: controla a produção de grelina, o hormônio que controla a sensação de fome. Foi isso o que descobriu o médico Martin Blaser, da Universidade de Nova York. “Eu tenho acumulado mais e mais evidências de que o desaparecimento desse micróbio (a H. pylori) pode estar contribuindo para epidemias atuais”, escreve no livro Missing Microbes: How the Overuse of Antibiotics Is Fueling Our Modern Plagues (“Micróbios sumidos: como o uso excessivo de antibióticos está alimentando as pragas modernas”, ainda sem versão em português). Ele descobriu que a H.pylori, que até os anos 1980 era comum no estômago dos americanos, hoje se tornou rara. E é isso que pode estar fazendo as pessoas comerem mais e engordarem – porque, sem essa bactéria, o sistema digestivo não dá o sinal para a pessoa fechar a boca.

Para o pesquisador, a relação da humanidade com os antibióticos é similar ao de outras invenções revolucionárias, como o motor à combustão. Começou ótimo, revolucionou o mundo, mas acabou produzindo grandes efeitos colaterais (como o efeito estufa, a poluição das grandes cidades e as guerras por petróleo). Os antibióticos podem seguir pelo mesmo caminho. Embora sejam fundamentais para controlar infecções, podem estar ajudando a criar novos problemas. “A perda da diversidade da microbiota nos nossos corpos está cobrando um preço terrível. E será pior no futuro”, escreve Blaser.

Nem todo mundo é tão pessimista. Há quem acredite que, entendendo a importância das bactérias, aprenderemos a conviver com elas de outra forma e controlá-las usando menos remédios. “Em 20 ou 30 anos, vamos ter um chip implantado no corpo que será lido pelo computador do médico. Ele vai poder analisar o perfil do indivíduo e receitar uma alimentação personalizada para tratar determinadas doenças”, projeta Dan Waitzberg, da USP. O jogo da humanidade contra as bactérias pode, no máximo, terminar empatado. Não devemos ceder, mas também não podemos querer exterminá-las. Afinal, elas são parte de nós. A maior parte.

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