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5 sintomas bizarros de doenças neurológicas

Apetite de avestruz, sotaque de gringo, sensação de estar morto... Tudo isso pode ser resultado de síndromes neurológicas bem esquisitas

Por Daniel Schneider
Atualizado em 31 out 2016, 18h39 - Publicado em 12 mar 2011, 22h00

Que julgamento você faria se, de repente, um conhecido seu começasse a comer pedras e tampinhas de garrafa, ou a falar com sotaque alemão, mesmo sem jamais ter pisado na Alemanha? E se ele passasse a jurar que é um morto-vivo ou a afirmar que você é um clone de si mesmo? “Coitado, ficou louco.” Sim, seu amigo poderia estar enlouquecendo. Ou não! Esses comportamentos bizarros, por mais que pareçam loucura, estão entre os sintomas de algumas das síndromes neurológicas mais esquisitas do mundo – e que a medicina ainda não decifrou completamente.

“Síndrome não é doença”, explica Almir Tavares, professor de neuropsiquiatria da UFMG. “Na verdade, ela configura apenas um conjunto de sintomas.” Os médicos podem até não entendê-los direito, mas têm certeza, pelo menos, de uma coisa: a origem está sempre no cérebro – o órgão mais complexo e misterioso do corpo humano. Isso explica, em parte, por que a ciência não foi capaz até agora de encontrar tratamento para muitas dessas síndromes, muito menos curá-las. “Algumas dessas disfunções podem ser resultantes da carência de algum nutriente, mas também de uma esquizofrenia, por exemplo, entre outros vários problemas neurológicos”, diz Tavares.

O enigma é tão grande que não se sabe explicar nem mesmo o motivo de certos portadores das síndromes se livrarem espontaneamente dos sintomas, enquanto outros permanecem atormentados por eles durante longos períodos ou até a morte. “De uma maneira ou de outra, elas sempre acarretam alguma incapacidade grave, levando o paciente a condições extremamente incomuns”, afirma o professor da UFMG. Conheça 5 dessas esquisitíssimas “doenças” abaixo.

Vontade de comer o que não é comestível

Alotriofagia
Áreas do cérebro afetadas: Não há evidências
Incidência: 8% a 74% entre grávidas; 10% a 32% das crianças de 1 a 6 anos; cerca de 25% dos pacientes de instituições para doentes mentais
Tratamento: Vitaminas e outros nutrientes nos casos em que há subnutrição; terapia e medicamentos antipsicóticos específicos quando há quadro de problema mental

Nomezinho difícil, não é verdade? Pois a denominação popular da alotriofagia é ainda mais estranha: síndrome de pica. Trata-se de uma referência a um pássaro comum na Europa, o Pica pica, que tem por hábito encher a pança com quase tudo aquilo que encontra pela frente. O bicho pega e come não apenas insetos mas também pedrinhas, galhos e qualquer outra coisa que lhe passe goela abaixo. E é exatamente isso o que acontece com uma pessoa acometida pela síndrome.

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Quem sofre desse mal desenvolve apetite compulsivo por alguma coisa específica que, além de não comestível, pode fazer um belo estrago no organismo. As mais comuns são terra, giz, carvão, gelo. Mas há relatos de pacientes que preferem pontas de cigarro, cola, objetos metálicos ou de madeira, tinta, sabão e até fezes.

Sabe-se que a alotriofagia pode atingir pessoas de todas as idades e sexos, embora seja mais comum em crianças e mulheres grávidas – principalmente se estiverem subnutridas. Essa constatação leva alguns pesquisadores a acreditar que uma das causas da síndrome possa ser a carência de determinados nutrientes (em muitos casos, o “alimento” ingerido contém a substância em falta). Não há, porém, qualquer comprovação científica dessa tese. “No meio acadêmico, inexiste uma explicação consensual sobre a causa do transtorno”, diz a nutricionista Renata Figueiredo. “Entre os fatores que podem influenciar esse distúrbio alimentar, são citados praticamente todos: sociais, culturais, psicológicos, biológicos, comportamentais e ambientais.”

Muitos pacientes de alotriofagia têm histórico de outros problemas neurológicos – o que é preocupante, porque essa condição pode levá-los a comer objetos cortantes ou perfurantes, como pregos e agulhas. Ainda que certas substâncias ingeridas não representem risco imediato de morte, outros riscos estão associados, como obstrução intestinal, intoxicação e contaminação parasitária.

Doutor, será que estoy quedando loco?

Sotaque estrangeiro
Áreas do cérebro afetadas: Várias, responsáveis pela percepção e pela articulação da fala
Total de casos: Cerca de 60 em todo o mundo
Tratamento: Terapia fonoaudiológica, embora nenhum tratamento tenha se mostrado realmente eficaz até hoje

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Acredite: tem gente que, de uma hora para outra, começa a falar com sotaque estrangeiro. Não pense que é brincadeira, nem que seja o efeito de uma longa viagem ao exterior. Do nada, o sujeito sai falando como se fosse espanhol, alemão, francês, americano, japonês… Mesmo que jamais tenha pisado em nenhum desses países. O fenômeno é raríssimo. Se acontecer com você, pode ter certeza: a síndrome do sotaque estrangeiro o pegou.

Um dos casos mais famosos foi registrado na Europa, durante a 2ª Guerra Mundial. Em 1941, uma jovem norueguesa sobreviveu a um ataque desferido pela Luftwaffe, a temida força aérea de Hitler. Ao recobrar a consciência, no entanto, ela estava pronunciando as palavras de uma maneira estranha. E adivinhe: seu sotaque era justamente alemão. A pobre moça acabaria hostilizada por seus conterrâneos – além de ferida no bombardeio, ficaria com fama de vira-casaca.

Não há estudos conclusivos sobre a origem da síndrome. Mas os casos identificados desde 1907, quando o distúrbio foi descrito pela primeira vez, demonstram que ele costuma se manifestar em vítimas de derrames cerebrais. Estariam no grupo de risco também aqueles que sofrem acidentes – como nossa amiga norueguesa – e têm afetadas pequenas partes do cérebro responsáveis pela percepção e pela articulação da fala. O aparente sotaque (na verdade, uma dificuldade para pronunciar certos fonemas) é incontrolável. E pior: alguns nem percebem que estão falando diferente. Só notam quando ouvem a própria voz numa gravação.

Segundo Jack Ryalls, especialista em desordens da comunicação e professor da University of Central Florida, nos EUA, o sintoma desaparece sozinho em um terço dos casos. “Mas ainda não sabemos por que apenas alguns portadores da síndrome se recuperam espontaneamente.”

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Ela tem vontade própria e pode até te matar

Mão alienígena
Áreas do cérebro afetadas: Principalmente corpo caloso e área motor suplementar
Total de casos: 50 a 60 descritos na literatura médica até hoje
Tratamento: Exercícios de reabilitação e estratégias práticas, como dar ordens verbais à mão rebelde (se a comunicação entre os hemisférios é falha, o truque pode cumprir esse papel) ou mantê-la ocupada com um objeto

Dá para imaginar quantas situações constrangedoras – ou até perigosas – alguém encararia se, de repente, perdesse o controle sobre uma das mãos. Já pensou se ela resolvesse desrespeitar a namorada de um lutador de jiu-jítsu? Parece piada de mau gosto, mas pode acontecer de verdade com pessoas que sofrem de um distúrbio neurológico conhecido como síndrome da mão alienígena.

O problema é conhecido faz tempo, desde 1908. Não se trata de loucura, apenas do resultado de uma falha do cérebro que, aparentemente, pode ser provocada por derrames, tumores cerebrais ou pancadas muito fortes na cabeça. “Os pacientes frequentemente relatam que uma das mãos [o mais comum é que seja a esquerda] começa a se comportar como se tivesse vontade própria, agindo de maneira surpreendente e muitas vezes indesejada”, afirma o neurologista italiano Sergio della Salla, professor de neurociência da Universidade de Edimburgo, na Escócia. “São movimentos complexos, dirigidos a um determinado objetivo e executados com precisão, ainda que claramente não intencionados.” Em casos graves, diz Della Salla, o paciente pode até tentar se autoestrangular enquanto dorme.

Embora identificada há mais de um século, pouca coisa se descobriu sobre a síndrome até agora. Uma das explicações para o distúrbio pode estar relacionada à – já comprovada cientificamente – independência dos hemisfério cerebrais (o esquerdo controla o lado direito do corpo, e vice-versa). Os defensores dessa tese costumam citar testes feitos na década de 1990 na Universidade da Califórnia, nos quais portadores do distúrbio tiveram os olhos vendados e seguraram objetos facilmente identificáveis pelo tato em cada mão. Com a direita, não encontraram dificuldade para reconhecê-los. Já com a esquerda, o resultado foi oposto – presumivelmente porque o hemisfério direito não conseguiu transmitir a informação para o esquerdo. Essa falha de comunicação estaria na origem da síndrome.

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A mão alienígena não tem cura. Mas alguns dos poucos pacientes conhecidos apresentam melhora espontânea – como se o cérebro, subitamente, aprendesse a compensar a disfunção.

A síndrome dos que juram estar mortos

Delírio de Cotard
Áreas do cérebro afetadas: Giro fusiforme medial e sistema límbico
Total de casos: Não estimado
Tratamento: Terapias psicológicas, medicamentos antidepressivos e até eletrochoques – todos com eficácia duvidosa

Gente supostamente capaz de conversar com os mortos é algo relativamente comum. Difícil é encontrar alguém que, vivinho da silva e olhando nos seus olhos, jure que está morto. Essa situação absolutamente surreal pode acontecer. Basta que você se depare com uma pessoa que sofra do chamado delírio de Cotard.

Vítimas desse distúrbio nem sempre acreditam apenas que já morreram. Algumas afirmam que não têm mais sangue correndo nas veias. Outras, que perderam algum órgão. E há também as que pensam estar em decomposição. Nos casos extremos, o paciente passa a dizer que virou imortal – pois tem certeza de que morreu, mas continua circulando por aí.

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Os delírios seriam cômicos se não fossem trágicos. Entre os que sofrem dos graus mais severos da síndrome, não são raros casos de suicídio ou morte por inanição. Um dos registros mais curiosos de que se tem notícia ocorreu com um paciente que, após ter alta de um hospital na Escócia, foi levado para a África do Sul. Chegando lá, convenceu-se de que acabara de desembarcar no inferno.

A síndrome de Cotard – assim batizada por ter sido descrita, em 1880, pelo neurologista francês Jules Cotard – é um mistério que já dura 130 anos. Suas causas continuam obscuras, apesar do grande avanço conquistado pela neurociência nas últimas décadas. Para alguns cientistas, a origem dos delírios pode estar relacionada a um corte na conexão entre as regiões cerebrais responsáveis pelo reconhecimento facial e aquelas que associam emoções ao semblante humano. Outros acreditam que exista uma ligação entre a doença e outra síndrome de natureza neurológica: a de Capgras (leia mais no texto abaixo). De fato, existe na literatura médica um caso de paciente que sofreu das duas disfunções simultaneamente. Mas um só registro não pode ser usado como prova científica – até porque vários pacientes trazem consigo um histórico de esquizofrenia e distúrbio bipolar.

Clones tomando o lugar de pessoas que a gente ama

Síndrome de Capgras
Áreas do cérebro afetadas: Giro fusiforme medial e sistema límbico
Total de casos: Mais de 400 entre 1958 e 2004
Tratamento: Terapias psicológicas e medicamentos antipsicóticos, com sucesso duvidoso

Tão estranha quanto o delírio de Cotard é a síndrome de Capgras. Seu sintoma mais típico renderia um bom filme de ficção científica: o paciente acredita que alguém bem próximo a ele – pais, cônjuge, filho – foi substituído por um clone. Isso quer dizer que o doente reconhece as características físicas da pessoa, mas não tem dúvida de que se trata de um impostor.

A origem do distúrbio parece ser a mesma da que se especula para Cotard: perda de conexão entre a área do cérebro responsável pelo reconhecimento facial e aquela que armazena informações emocionais sobre a pessoa que o paciente julga ter sido clonada. Em 1984, um estudo publicado pelo psicólogo Russell Bauer reforçou essa hipótese ao mostrar que, quando viam o suposto clone, portadores da síndrome apresentavam respostas galvânicas (sinais elétricos mensuráveis na pele), indicando um reconhecimento emocional, mas não consciente. Em compensação, outro estudo, feito em 1990 pelo psicólogo Hadyn Ellis, demonstrou o oposto: pacientes reconheciam conscientemente o alegado impostor, mas não apresentavam reação emocional.

Para complicar ainda mais a situação dos cientistas que investigam o mal, algumas vítimas de Capgras reconhecem o suposto clone quando conversam com ele sem estabelecer contato visual – por telefone, por exemplo -, o que demonstra que o problema, aparentemente, é com a imagem. Mas como explicar os casos de indivíduos cegos que também sofrem do distúrbio? Ninguém tem a resposta.

Descrita em 1923 pelo psiquiatra francês Joseph Capgras, a síndrome – assim como o delírio de Cotard – é mais comum em pacientes com diagnóstico de esquizofrenia ou dano cerebral. A literatura médica aponta para um número maior de casos entre os que já passaram dos 40 anos, principalmente mulheres. O “impostor” mais frequente é o marido – e, como se pode facilmente imaginar, a convivência do casal fica muito complicada.

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