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O Universo é chato como uma tábua

Ao analisar com precisão inédita a cintilação produzida pelo nascimento do Universo durante a explosão do Big Bang, os cientistas deduziram que o Cosmo é plano. Ele é tão chato quanto uma tábua.

Por Da Redação Materia seguir SEGUIR Materia seguir SEGUINDO
Atualizado em 31 out 2016, 18h39 - Publicado em 30 jun 2000, 22h00

Flávio Dieguez

Nem toda a luz que chega à Terra é gerada no interior das estrelas. Isso mesmo: uma pequena parte dos raios que atravessam a atmosfera vem de muito mais longe. Na verdade, eles vêm do passado distante, pois foram criados durante o próprio Big Bang, a grande explosão que deu origem ao Universo há 13 bilhões de anos e o lançou em uma expansão permanente. Desde aquela época, essa luz cintilante percorre o espaço sem tocar em nenhuma forma de matéria, preservada como uma espécie de fóssil. É o único resquício que resta do Cosmo recém-nascido.

Para dar uma idéia do que essa luz representa para a ciência, basta lembrar que seu brilho ancestral é o único meio de se enxergar o Universo em sua totalidade original. Foi em busca dessa fantástica radiografia cósmica que, há dez anos, os cosmologistas iniciaram uma corrida para detectar a cintilação primordial e registrar sua intensidade exata em cada ponto do céu.

A imagem mais nítida e mais abrangente já feita até hoje foi revelada em abril, depois de cinco anos de trabalho, pelos cientistas do Projeto Boomerang, uma equipe de 36 pesquisadores de vários países, liderada pelos astrofísicos Paolo de Bernardini, italiano, da Universidade de Roma, e pelo americano Andrew Lang, do Instituto de Tecnologia da Califórnia. O resultado é uma visão assombrosa. Ela mostra que o Cosmo, desde o seu nascimento, é constituído de gigantescas bolhas de matéria cercadas de vácuo. Foi a luz emitida por esses aglomerados no Big Bang que os cientistas viram na forma de grandes manchas. “Essas estruturas monumentais são antiqüíssimas, pois se formaram milhões de anos antes de surgir a primeira estrela”, explicou Lang à SUPER.

Se você leu essa notícia antes e boiou – sem comprender nada –, nas páginas seguintes vai entender por que os cientistas acham que as novas imagens podem responder à pergunta do alemão Albert Einstein formulada em 1917: qual é a forma real do Universo? Para os cientistas do Projeto Boomerang, os raios ancestrais do Big Bang definem com 90% de certeza que o espaço tem a monótona planura de uma pradaria semideserta. O universo é uma tábua chata.

O Cosmo crescerá para sempre

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Para explicar como o espaço pode ser curvo, os físicos costumam compará-lo a uma superfície de borracha. Claro que ele não é uma substância – trata-se só de uma analogia, mas ela ajuda a entender o raciocínio. Se você tem uma placa elástica lisa e coloca sobre ela uma bola de ferro, sua planura fica abaulada naquele ponto. O mesmo ocorre com o espaço, que é plano quando está vazio, mas entorta perto de uma estrela ou de uma galáxia. Quanto maior o corpo, mais o espaço afunda. Einstein mostrou em 1919 que, em volta do Sol, ele afunda. Mas em nenhum momento comprovou que o Universo fosse curvo ou plano.

Isso foi o que os cientistas do Projeto Boomerang fizeram. A equipe de Lang e Bernardini descobriu que o tamanho das manchas do brilho do Big Bang revela a quantidade de matéria existente nelas. Manchas grandes implicam a existência de muitos átomos; manchas pequenas, menos átomos. “As nódoas que vimos têm tamanho médio se comparadas a simulações anteriores feitas em computador (veja o infográfico). Elas correspondem a aglomerações de matéria contendo 1 átomo de hidrogênio em cada 10 metros cúbicos”, contou Lang à SUPER. “Como há setenta anos medimos curvaturas no espaço – como a que o Sol produz à sua volta –, sabemos que essa quantidade de matéria é insuficiente para curvar o Universo. Conclusão perturbadora: ele só pode ser plano.”

A primeira conseqüência disso é que a gravidade do Cosmo é fraca, uma vez que a massa gera atração gravitacional. Ocorre que essa força, por ser atrativa, tende a manter as galáxias juntas e a frear a expansão do Universo. Daí a dúvida: quem acabará vencendo o cabo-de-guerra entre a gravidade e o impulso do Big Bang? A pesquisa de Lang mostra que o Universo não tem a força necessária para interromper essa expansão. Ela é indômita. E pode fazê-lo crescer para sempre.

Big Bang levou 300 000 anos para brilhar

Há 13 bilhões de anos, o Cosmo explodiu para a existência e começou a crescer. Mas seu brilho não surgiu de imediato. A luz só encheu o espaço 300 000 anos depois do Big Bang. O motivo é que o Universo nasceu microscópico, menor do que um núcleo atômico, apesar de conter toda a matéria existente. Era tão denso que a luz da explosão ficou presa entre as partículas de matéria, os quarks. Só aos poucos o impulso da detonação fez o Cosmo se expandir, abrindo caminho para os raios luminosos (veja o infográfico).

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O momento da libertação ocorreu 300 milênios após o Big Bang e é o Universo dessa época que os cientistas vêem hoje, quando observam a sua cintilação. A massa cósmica naquele momento era feita apenas de átomos de hidrogênio, os únicos existentes. É verdade que, ao longo de toda a história cósmica, parte da cintilação primitiva desapareceu, absorvida pelos astros. Mas ainda restam, segundo os cosmologistas, em cada centímetro cúbico do cosmo, 441 partículas de luz remanescentes do Big Bang. Com o tempo, elas perderam muito de sua força original. Basta ver que esse brilho tinha no princípio uma temperatura de 3 000 graus Celsius acima de zero e agora está reduzido a enregelantes 270 graus negativos.

É o calor da radiação que intriga os cientistas. De fato, na imagem produzida pelo Projeto Boomerang, o céu aparece coalhado de manchas vermelhas, amarelas, verdes e azuis, que mostram, em ordem decrescente, do vermelho para o azul, onde a luz é mais quente e mais fria. A diferença é minúscula, de apenas 1 milésimo de grau. Mas é decisiva porque os pontos mais aquecidos representam regiões de grande concentração de matéria – quanto mais espremida ela fica, mais esquenta. As áreas menos quentes revelam volumes vazios ou muito rarefeitos.

A diferença de temperatura revelou aos pesquisadores que o Universo, na infância, estava cheio de bolhas de hidrogênio dentro das quais surgiram, muito depois, as estrelas. Só então a escuridão ganhou outros focos de luz.

Para saber mais

Dobras no Tempo, George Smoot e Keay Davidson, Editora Rocco, Rio de Janeiro, 1995.

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Na Internet

https://www.physics.ucbu.edu/boomerang/press

fdieguez@abril.com.br

Algo mais

Em 1917 o físico alemão Albert Einstein (1879-1955) afirmou que a luz de uma estrela, ao passar muito perto do Sol, caía no afundamento que ele provoca no espaço à sua volta, desviando-se de sua trajetória. Surgiram aí as primeiras especulações sobre a forma geométrica do Universo. Em 1919, a teoria de Einstein foi comprovada durante um eclipse solar observado em Cabo Verde, na África, e em Sobral, no Ceará.

Bem acima das nuvens

Para flagar o brilho do Big Bang, um balão foi enviado à estratosfera.

1. Lançado em dezembro de 1998, da base americana de McMurdo, na Antártida, um superbalão de hidrogênio ficou dez dias no alto da estratosfera fotografando a luminescência cósmica na forma de ondas de rádio. Seus sensores mediram o calor dessa radiação.

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2. Para subir a 35 quilômetros de altura, e alcançar o topo da estratosfera, o balão precisou de muito volume. Carregava 1 milhão de metros cúbicos de hidrogênio e media 106 metros de diâmetro, o equivalente à largura de um quarteirão.

Uma forma para o vazio

Durante 70 anos, imaginaram-se três geometrias para o Universo. Agora sabemos que ele é plano.

1. Tábua plana

O espaço pode ser comparado a uma cama elástica, que afunda sob o peso de uma galáxia. Os astros fazem buracos no Cosmo, mas sua quantidade não basta para deformá-lo por inteiro. Na imagem colorida – feita agora, em abril – o tamanho das manchas vermelhas indica a quantidade de matéria existente no Universo. Elas mostram que a massa total não é suficiente para abaulá-lo. Ele tem afundamentos, mas é plano como uma tábua.

2. Alinhamento duradouro

Abaixo você vê a planura do cosmo em três dimensões. As esferas que o percorrem representam astros cuja massa não é suficiente para arquear o espaço.

3. Calota esférica

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Antes da experiência do Projeto Boomerang, os cientistas especulavam que, se as galáxias se concentrassem em grande quantidade , seus muitos afundamentos acabariam se somando. O resultado seria uma superfície abaulada e esférica. A foto simulada do brilho do Big Bang mostra como seria o céu se o Universo fosse curvo. As manchas vermelhas seriam maiores, pois conteriam muito mais matéria.

4. Distorção espacial

Projetado em três dimensões, tudo se mostraria distorcido e fora do lugar no universo esférico. Os astros, à medida que se afastassem, pareceriam diminuir e depois aumentar.

5. Sela hiperbólica

A última hipótese admitia a possibilidade de o número de galáxias ser bem pequeno. Em vez de afundar, o espaço inflaria, ganhando a curvatura que os matemáticos chamam de hiperbólica. Pareceria uma sela de cavalo. Na foto simulada, note que as manchas são pequenas. Nesse caso, a massa do Cosmo seria menor do que é.

6. Horizonte curto

A visão hiperbólica tridimensional do Universo projeta uma perspectiva similar à do espaço plano, fazendo os astros parecerem cada vez menores com a distância, como no nosso mundo. Só que eles diminuem de tamanho mais rapidamente.

História de uma luz

Como a cintilação do Big Bang chegou até nós 13 bilhões de anos depois de nascer.

1. Big Bang

A explosão que originou o Universo, à temperatura de 10 bilhões de graus, fez a matéria, então na forma de partículas atômicas – os quarks –, emitir uma avalanche de luz.

2. 1 segundo depois

Com 1 segundo de idade, a cintilação do Big Bang não conseguia escapar dos quarks ultra-apertados, que continham toda a matéria do universo (veja o detalhe). Não havia espaço para a luz brilhar.

3. 300 000 anos depois

Após esse período, o Universo já havia se expandido um pouco. A luminescência, então, pôde finalmente escapar sem colidir incessantemente com as partículas de matéria.

Naquele momento, dos extremos do Universo partiram dois raios recém- libertados para o local onde surgiria a Terra.

4. 1 bilhão de anos depois

A luz viajava a 300 000 quilômetros por segundo.

5. 5 bilhões de anos depois

Com o Cosmo dilatado os raios avançavam sem obstáculo.

6. 13 bilhões de anos depois, hoje

A luz do Big Bang chega à Terra e é captada por um balão estratosférico, sobre a Antártida, pelos cientistas do Projeto Boomerang.

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