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E se a corte portuguesa não tivesse se mudado para o Brasil em 1808?

Efeito borboleta: o país seria menor – o verde e amarelo da nossa bandeira não existiriam. Entenda.

Por Fábio Marton
Atualizado em 20 jan 2022, 13h37 - Publicado em 20 jan 2022, 13h28

Em janeiro de 1808, aconteceu algo único na história europeia: a colônia se tornou capital. Com a transferência da corte da Europa, o Império Português deixaria de ser administrado de Lisboa para ter sua nova sede no Rio de Janeiro.

A corte portuguesa veio para fugir da invasão napoleônica a Portugal. A França vinha exigindo do país que abandonasse sua neutralidade e aderisse ao bloqueio continental contra o Reino Unido, impedindo que seus navios aportassem, confiscando propriedades e apreendendo cidadãos britânicos.

Portugal não aceitou e Napoleão perdeu a paciência. A saída foi decidida em cima da hora, pelo príncipe-regente Dom João 6º, em 23 de novembro de 1807, ao receber a notícia de que os franceses já haviam entrado em Portugal dia 19 e marchavam rumo a Lisboa.

Essa saída, decidida em segredo, era uma das várias que Portugal havia cogitado até então. Outra era ceder e se aliar à França, declarando guerra ao Reino Unido – como a Espanha tinha feito. E outra ainda era aceitar a guerra e resistir, talvez enviando apenas os herdeiros ao Brasil.

Se Portugal optasse pela resistência ou se aliasse à França, um efeito seria o mesmo: o Brasil se tornaria uma colônia sem metrópole e Portugal seria dominado pelos franceses.

Se resistissem, não teriam futuro: a invasão foi acachapante. Uma semana após a decisão, os franceses já conquistavam Lisboa – dizem que os navios da comitiva de D. João 6º ainda eram visíveis no horizonte.
Tivesse se aliado à França, o destino da família real portuguesa também não seria brilhante.

É que Napoleão era um péssimo parceiro: mesmo com os reis da Espanha ao seu lado, ele patrocinou um Golpe de Estado em 1808, colocando seu irmão, José Bonaparte, como rei local e prendendo o rei Fernando 8º (que seria restituído ao trono em 1813). Mesmo se Napoleão poupasse a realeza, os portugueses não conseguiriam mais usar o Atlântico, sob o domínio dos novos inimigos, os britânicos, e ficariam isolados do Brasil.

A história da independência por aqui, então, acabaria bem parecida com a dos nossos vizinhos. Com a metrópole incapaz de mandar forças de repressão pelo Atlântico, e com a desculpa de um usurpador francês no governo da Espanha, as outras colônias da América do Sul deixaram de reconhecer a legitimidade de sua metrópole.

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Em 1810, inicialmente sob uma justificativa de lealdade a Fernando 8º (que era só uma máscara para o real desejo de independência), revoluções pipocariam na Argentina, na Venezuela e no México, espalhando-se pelo continente.

Após uma década de guerras, protagonizadas pelas figuras do venezuelano Simón Bolívar e do argentino José de San Martín, toda a América Espanhola continental se tornaria independente. À Espanha, na época, só restariam as colônias no Caribe: Cuba, Porto Rico e San Domingo (futura República Dominicana).

Por aqui, vontade de independência não faltava: quando a família real chegou, em 1808, haviam se passado menos de 10 anos desde a Conjuração Baiana e menos de 20 desde da Inconfidência Mineira. Em 1817, com a família real ainda governando do Rio, aconteceria a Revolução Pernambucana, tentando também criar uma república independente.

Sem a família real por aqui, Portugal não teria como resistir a novos movimentos do tipo. E tudo seria diferente, porque esse processo de independência certamente não acabaria em um país só. As iniciativas tinham caráter local. Em Pernambuco, o movimento era claramente separatista. No Rio Grande do Sul, idem – em 1835 os gaúchos dariam início à Guerra dos Farrapos, com o intuito de criar sua própria república.

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No fim das contas, a independência dos Brasis estaria intimamente ligada à dos vizinhos. E o timing seria quase certamente o mesmo 1810, seguindo a onda continental.

Os heróis seriam compartilhados. Bolívar e San Martín interviram em países que não eram os seus, a pedido de revolucionários locais. Revolucionários brasileiros muito possivelmente contariam com alguma ajuda em suas guerras de independência e secessão.

Ao fim desse processo, o conjunto de países herdados das colônias portuguesas não teria a forma do Brasil. E mesmo os países vizinhos da América Espanhola seriam diferentes.

Quantos países surgiriam? Dá para imaginar com firmeza apenas um: uma república do Nordeste, sem incluir a Bahia, seguindo a linha da Confederação do Equador, em 1824. Essa parte já tinha ligações políticas preparadas.

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Outros países estariam condicionados ao resultado das guerras de independência. Ao Sul, com a ajuda dos argentinos, Rio Grande do Sul e Santa Catarina poderiam formar uma entidade, que, dependendo da reação, incluiria São Paulo e Paraná.

Talvez, em meio a isso, surgissem países de identidade híbrida, como Mato Grosso com Paraguai, ou o Sul do Brasil com o Uruguai e a região argentina de Missiones. Ao norte, com a ajuda de Bolívar, poderia haver uma ou mais repúblicas, ou talvez tudo fosse unido à Venezuela, formando uma imensa república amazônica.

Do Rio à Bahia, onde a presença militar (e resistência) portuguesa era mais forte, num processo de luta mais violenta, poderia surgir um país só. Esse pedaço provavelmente decidiria ser chamado de Brasil mesmo.

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Um detalhe sobre esses eventuais países: absolutamente nenhum deles teria verde e amarelo em suas bandeiras. Essas eram as cores da família real brasileira, formada em 1822. Num cenário com movimentos de independência liderados por republicanos, ela nunca teria existido.

A bandeira do Brasil (Rio, Minas, Bahia e Espírito Santo e Goiás) seria provavelmente a da inconfidência mineira (vermelho e branco) ou da conjuração baiana (azul, vermelho e branco). O Nordeste adotaria o tema azul claro da Confederação do Equador (que poderia ser bem o nome do país). E o Norte, sob influência de Bolívar, o azul, vermelho e amarelo (representando o mar, o sangue da guerra de independência e as riquezas) da Venezuela e da Colômbia.

Todos os países resultantes teriam identidades tão distintas como as que há entre Peru e Argentina, Chile e Venezuela. Inclusive nos detalhes culturais. A feijoada não teria arroz: o arroz só entrou pra valer na dieta dos brasileiros quando plantações em alagadiços foram feitas no Rio Grande do Sul, no século 19. Com o sul separado, a farinha de mandioca continuaria sendo o complemento principal.

Outro grande unificador do Brasil, o futebol: ele chegou em São Paulo por engenheiros britânicos trabalhando em obras industriais pagas com o dinheiro do café, e daí se espalhou pelo Brasil. É o esporte mais popular do mundo, mas não teria a mesma raiz em todos os “Brasis”. Talvez o Norte preferisse beisebol, como a Venezuela, e a rivalidade ficasse entre o país do Rio e o país de São Paulo. E seria balcânica, bem maior que a entre argentinos e brasileiros.

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Brasília também não existiria. A cidade foi inspirada por considerações estratégicas do passado: deixar a capital no centro do país, imune a um ataque por mar ou porta-aviões. Mas o centro desse outro Brasil ficaria em Minas Gerais.

No final, após tanto tempo de conflitos e rivalidades, seguindo a tendência do fim do século 20, os países filhotes da colônia portuguesa talvez se juntassem novamente numa entidade como a União Europeia, permitindo a cidadania compartilhada. E teríamos levado 200 anos para construir algo parecido com o Brasil de hoje.

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