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Madeira-Mamoré: a história e o legado da “ferrovia do diabo”

No século 19, a exploração de borracha na Amazônia levou à construção de uma estrada de ferro no meio da floresta. Os trilhos fundaram a cidade de Porto Velho – e mataram milhares de trabalhadores e indígenas que estavam em seu caminho. Conheça esse capítulo penoso da história brasileira.

Por Rafael Battaglia
17 set 2024, 11h49

Texto Rafael Battaglia | Design Juliana Krauss | Edição Bruno Vaiano

Uma serpente que pode chegar a 45 metros de comprimento. Tem pele e olhos brilhantes e consegue se transformar em outros seres. Transita entre a terra e os rios e, por onde passa, abre caminho para a formação de novas correntes de água.

Essa costuma ser a descrição da Cobra Grande, uma das figuras mais recorrentes do folclore amazônico. Há um sem-fim de versões dessa lenda. Em algumas delas, a entidade protege os rios e seus navegantes (inclusive, iluminando o caminho para eles à noite). Em outras, porém, atrai desavisados para a água – e os devora.

Em Nazaré, distrito da cidade de Porto Velho (RO) às margens do rio Madeira, um mito envolvendo a Cobra Grande termina com a morte de duas crianças. É uma versão que provavelmente nasceu como forma de alerta. “Na lenda, há a intenção de ensinar aos pequeninos (…) a serem prudentes no cotidiano ribeirinho”, escreve a jornalista e pesquisadora Simone Norberto em um livro (1) sobre a região.

Com 3,3 mil km de extensão, o rio Madeira nasce na Cordilheira dos Andes e é o maior afluente do rio Amazonas. Em épocas de cheia, quando a vazão fica mais forte, as águas saem arrastando galhos e troncos de árvores que ficam na margem. É daí que vem o seu nome: 50% dos sedimentos que chegam ao Amazonas vêm do Madeira.

No trecho conhecido como Alto Madeira, que vai dos Andes até Porto Velho (RO), há 18 corredeiras, o que impossibilita a navegação. As águas barrentas, cortesia do excesso de sedimentos, escondem ainda ameaças como o candiru, conhecido como “peixe vampiro”. Trata-se de um pequeno parasita que penetra nos orifícios da sua presa para se alimentar de sangue, devorando-a por dentro.

Está explicado o excesso de cautela dos ribeirinhos. O Madeira não abriga a Cobra Grande. Ele é a Cobra Grande. Os registros mais antigos de ocupação humana na região datam de 10 mil anos atrás. Cada um à sua maneira, os povos indígenas aprenderam a conviver com o rio e a respeitar os seus limites.

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As dificuldades do Madeira só se tornaram um problema em meados do século 19. Naquela época, a demanda internacional por borracha fez o mundo olhar para as seringueiras da Amazônia. A Bolívia, grande produtora de látex, precisava de uma rota para exportar a commodity. Ir pelo Pacífico não era uma boa: além do desafio de atravessar os Andes, ainda seria preciso contornar a América do Sul para chegar à Europa (o canal do Panamá só começaria a operar em 1904).

Os bolivianos, então, optaram pelo Madeira, que nasce de três rios que percorrem o país: Beni, Madre Dios e Mamoré. A ideia era navegar a borracha até Belém (PA) e, de lá, seguir para o Atlântico. O problema: por causa das cachoeiras do Alto Madeira, os barcos tinham que descarregar em diversos pontos do rio. Em terra firme, animais levavam a carga até o próximo trecho sem corredeiras, onde haveria outro barco – e assim por diante. Era um processo lento, caro e perigoso.

Esse rolê logístico só terminou em 1912, com a inauguração da Estrada de Ferro Madeira-Mamoré. A ferrovia tinha 366 km de extensão, acompanhava o leito do Madeira e ligava a Bolívia ao trecho navegável do rio. Foi uma obra monumental, no meio da selva, que levou 40 anos para ficar pronta e envolveu trabalhadores de mais de 50 países.

O projeto só vingou na terceira tentativa, quando o Brasil entrou na jogada e se encarregou da obra (falaremos mais sobre isso adiante). A ferrovia ajudou a fundar a cidade de Porto Velho, que tem hoje 460 mil habitantes e é a maior capital em extensão territorial do país: são 34 mil km², quatro mil a mais que toda a Bélgica.

Não é uma história só de conquistas, contudo. A estrada acabou com populações indígenas que viviam nas regiões por onde os trilhos passariam. O povo Karipuna, por exemplo, foi praticamente dizimado. Enquanto isso, as péssimas condições de trabalho faziam muitos operários padecerem antes mesmo de completarem dois meses de serviço. Não à toa, a construção ganhou o apelido de “ferrovia do diabo”.

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Acima: Barraca de técnicos em acampamento. Abaixo: Vista panorâmica de Porto Velho em 1910. Ao fundo: As abundantes chuvas na região, infiltravam-se nos aterros destruindo trechos pronto da Ferrovia.
O fotógrafo Dana Merrill fez duas mil fotos durante as obras da ferrovia, mas só 10% disso foi preservado. Veja alguns registros ao longo da reportagem. (Dana Merrill (acervo do Museu Paulista da USP)/Montagem sobre reprodução)

Estima-se que 30 mil pessoas morreram durante as obras – um número que pode ser bem maior, dada a escassez de documentos daquele período. Até hoje, há porto-velhenses que não têm registros dos seus antepassados. Não sabem sequer onde eles poderiam estar enterrados. “É uma ferida aberta para a cidade”, diz Juraci Júnior, diretor do documentário Resistência, sobre o legado da ferrovia.

Vamos entender os detalhes da construção da Madeira-Mamoré e os esforços recentes para resgatar memórias que, por décadas, foram deixadas de lado.

Obras inacabadas

Na sua forma virgem, a borracha oxida e é pouco resistente a variações térmicas. No frio da Europa, ficava dura e quebradiça, motivo pelo qual os colonizadores não viam utilidade nas seringueiras, nativas da América. Tudo mudou em 1839, quando o americano Charles Goodyear desenvolveu um processo chamado vulcanização, que consiste em misturar em altas temperaturas borracha in natura com enxofre. Essa técnica tornava o produto mais resistente e elástico.

A invenção de Goodyear permitiu a exploração comercial da borracha, que passou a ser usada em diversas máquinas e produtos (não à toa, ele dá nome a uma empresa de pneus). E a Amazônia, até então, era a única produtora de látex do mundo. Começava a corrida pelo líquido da seringueira, apelidado de “ouro branco”.

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Em 1867, a Bolívia assinou um acordo com o Brasil que assegurava a exploração do Madeira. Em troca, Dom Pedro II ganhou mais um aliado sul-americano no meio da guerra contra o Paraguai (1864-1870). Todo mundo saiu ganhando.

A Bolívia contratou o engenheiro George Church, coronel do exército americano que já havia realizado expedições na Amazônia. Em 1869, ele estudou a possibilidade de canalizar o trecho de corredeiras do Madeira, mas logo percebeu que seria mais fácil construir uma ferrovia. Ele então fundou a Madeira-Mamoré Railway Company, que tomaria conta da estrada, e foi atrás de uma empreiteira para o projeto.

Church tentou construir a ferrovia com quatro empresas diferentes – e todas fracassaram. A primeira delas, a britânica Public Works, desembarcou em 1872 em Santo Antônio, uma pequena vila no começo da parte navegável do Madeira. Os engenheiros, porém, concluíram (2) que seria impossível construir naquela região e deram no pé.

A segunda empresa chegou a Santo Antônio em 1874. Mas a morte de um membro da equipe poucos dias depois fez com que ela abandonasse o projeto. A terceira sequer veio ao Brasil, e atrasou o início das obras em dois anos. Church rompeu o contrato e fechou com a americana P&T Collins.

Em 1878, a empresa inaugurou os primeiros 3 km de ferrovia. Para a viagem inaugural, trouxeram uma locomotiva a vapor feita na Filadélfia (EUA), apelidada de “Coronel Church”. Logo em uma das primeiras curvas, o trem descarrilou e tombou. Ele foi abandonado ali mesmo, no meio da floresta.

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A P&T Collins chegou a construir mais 4 km, mas parou por aí. Trabalhadores morriam em ritmo acelerado por causa de doenças tropicais como malária e febre amarela. Além disso, o navio Metropolis, que vinha dos EUA com 250 pessoas e 500 toneladas de material para a ferrovia, naufragou. A sucessão de problemas levou a empresa à falência.

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Church acabou desistindo da Madeira-Mamoré e passou a trabalhar com outras ferrovias na América. As obras na estrada de ferro da Amazônia só retomariam no século seguinte – graças ao Brasil.

Agora vai

A interrupção da Madeira-Mamoré, em 1879, coincidiu com o início da Guerra do Pacífico, travada por Bolívia e Peru contra o Chile. Eles disputavam territórios no deserto do Atacama onde haviam sido descobertas reservas de cobre, prata e salitre (usado em explosivos e fertilizantes). O Chile venceu a disputa em 1883 e, num acordo de paz selado em 1904 (contestado até hoje pelos bolivianos), assegurou as terras conquistadas no norte do país.

Com a derrota, a Bolívia perdeu seu acesso ao mar e boa parte do seu exército. Enfraquecida, ela demorou para reagir a uma ocupação que acontecia do outro lado do país.

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No final do século 19, houve um intenso fluxo migratório de brasileiros em direção à Amazônia. Atraídos pela borracha, eles se espalharam e chegaram ao Acre, que na época era um território boliviano. Não havia um acidente geográfico que dividisse a fronteira (como um rio ou uma montanha), então era difícil saber onde terminava um país e começava o outro.

Acima: Assentamento de trilhos sobre Ponte em afluente do Rio Madeira. Abaixo: Desabamento do cais de Porto Velho em construção à margem do Rio Madeira. Ao fundo: Acampamento ao longo da Ferrovia Madeira-Mamoré.
As quatro empresas contratadas por Church para as obras desistiram ou faliram. (Dana Merrill (acervo do Museu Paulista da USP)/Montagem sobre reprodução)

A Bolívia tentou retomar o controle sob o Acre. Um dos planos envolvia a concessão a uma empresa estrangeira, que administraria a região e coletaria impostos dos brasileiros. Os moradores foram contra e lutaram contra os bolivianos. Chegaram, inclusive, a declarar independência por um breve período.

A situação só se resolveu em 1903, com o Tratado de Petrópolis. No acordo, mediado pelo Barão do Rio Branco (então ministro das relações exteriores do Brasil), a Bolívia vendeu o Acre. Em troca, recebeu dinheiro, outras porções de terra e a garantia de que o Brasil construiria a Madeira-Mamoré, que ligaria Santo Antônio a Guajará-Mirim, na divisa com a Bolívia.

Em 1907, o empresário americano Percival Farquhar ganhou a licitação para construir a estrada. Não era seu primeiro negócio por aqui. Anos antes, ele havia fundado a Light, companhia que cuidava do serviço de bondes e da rede elétrica do Rio de Janeiro. Também fez o porto de Belém, administrou ferrovias em São Paulo e explorou madeira na Região Sul. Farquhar ganhava mais dinheiro com o Brasil do que o Coldplay.

A nova empreitada mudou o marco zero da Madeira-Mamoré. Em vez de construí-la em Santo Antônio, a ferrovia começaria a 7 km dali, próxima a um antigo porto do exército construído na época da Guerra do Paraguai. Não demorou para que uma vila, que acabou sendo chamada de Porto Velho, crescesse no entorno.

A justificativa para a mudança foi que Porto Velho oferecia um relevo melhor para as obras. Mas não foi só isso. “Santo Antônio ficava no Mato Grosso. Já Porto Velho era no Amazonas, que ofereceu mais vantagens fiscais para Farquhar “, diz o geógrafo Gustavo Gurgel, professor da Universidade Federal de Rondônia (UNIR).

No início, Porto Velho era um arremedo de cidade americana, com bandeiras dos EUA hasteadas e jornais em inglês. Engenheiros, topógrafos e outros funcionários em altos cargos erguiam grandes casas, com louça e móveis importados. Alguns tinham acesso a carnes enlatadas e manteiga (que, devido ao calor, só era consumida derretida).

Os operários se fixaram em locais mais afastados. Dentre os imigrantes que vieram trabalhar na Madeira-Mamoré, quase 40% eram das Antilhas, porque os arquipélagos do mar do Caribe faziam parte da rota dos navios americanos para Porto Velho. Enquanto os barcos eram reabastecidos, muitos aproveitavam para embarcar.

“Era algo comum, já que as ilhas eram superpopulosas e não havia trabalho para todos. A mesma coisa aconteceu na época do canal do Panamá”, conta a historiadora Cledenice Blackman, da UNIR. Em Porto Velho, eles ficaram conhecidos como barbadianos (por conta da ilha de Barbados, embora houvesse imigrantes de todo o Caribe) e fundaram um dos primeiros bairros da cidade.

A construção decisiva para o sucesso da empreitada foi o Hospital da Candelária. Ao contrário dos modestos postos de saúde que vieram antes, o hospital tinha ao menos 29 espaços diferentes, entre enfermarias, salas de cirurgia e as casas dos funcionários. “Havia exames clínicos iguais aos que se faziam no Rio de Janeiro. Há relatos até de uma máquina de raio-X”, diz Juliana Santi, professora do departamento de arqueologia da UNIR.

Havia ainda hortas, galinheiro e cocheiras, além de um clube com quadra de tênis. Os médicos tinham casas grandes, com vista para o Madeira. Enfermeiros e demais empregados se aglomeravam em dormitórios menores, próximos à sala de autópsia de cadáveres.

Acima: Desembarque de mercadorias e animais no cais de Porto Velho. Abaixo: Vista panorâmica da região do Hospital Candelária, entre Santo Antônio e Porto Velho. Ao fundo: Maquinista junto a locomotiva Baldwin deixada na Vila Santo Antônio.
A moderna estrutura do Hospital da Candelária (imagem debaixo) foi essencial para o êxito das obras de Percival Farquhar. (Dana Merrill (acervo do Museu Paulista da USP)/Montagem sobre reprodução)

Em 1908, estima-se que o hospital teve 30 mil internações. O sanitarista Oswaldo Cruz, que visitou as obras da Madeira-Mamoré, impressionou–se com o complexo. Ele esteve em Porto Velho para ajudar em um programa de controle da malária, que envolveu o uso do medicamento quinino, mosquiteiros e, posteriormente, a instalação do sistema de esgoto e água encanada da cidade.

A ferrovia foi inaugurada em 4 de julho de 1912, data escolhida para coincidir com o feriado da Independência dos EUA. Mas a festa durou pouco: quando a estrada finalmente começou a operar, o ciclo da borracha já havia acabado.

Chegou tarde

O monopólio amazônico sobre a borracha terminou em 1910, quando os europeus conseguiram plantar seringueiras na Ásia, algo que tentavam fazer desde o século anterior. A Malásia e outras colônias britânicas tornaram-se produtoras de látex, o que reduziu o seu preço no comércio mundial. A queda na produção por aqui não justificava mais a existência da Madeira-Mamoré, que fechou nos anos 1930.

A 2ª Guerra Mundial, porém, reaqueceu o mercado. O Japão impôs um bloqueio comercial no Pacífico, então os EUA tiveram que recorrer novamente à borracha amazônica. E a ferrovia, agora sob comando do exército brasileiro, foi reativada.

O governo Vargas criou o Território Federal do Guaporé, com partes do Amazonas e Mato Grosso (e que, mais tarde, daria origem ao estado de Rondônia). Vargas recrutou 60 mil pessoas (a maior parte delas nordestinas) para trabalhar nos seringais. Elas ficaram conhecidos como “soldados da borracha”, e foram submetidas a condições análogas à escravidão.

Acima: Negras barbadianas e norte-americano da lavanderia a vapor, em Porto Velho. Abaixo: grupo de americanos chegando de Navio a vapor em Porto Velho. Ao fundo, trabalhador indiano.
A construção atraiu trabalhadores de mais de 50 países. E os que não voltaram para casa ajudaram a fundar Porto Velho. (Dana Merrill (acervo do Museu Paulista da USP)/Montagem sobre reprodução)

O mercado do látex esfriou com o fim da guerra, e as atividades na região passaram a se concentrar na mineração – que cresceu nos anos 1950 com a descoberta de grandes jazidas de minério de estanho. A ferrovia, porém, foi desativada em 1972 e deu lugar à BR-364, rodovia planejada durante o governo de Juscelino Kubitschek que liga Porto Velho (e o restante do estado) ao Centro-Oeste e Sudeste do Brasil.

“Foi nesse momento que a cidade deu as costas para o rio Madeira”, diz Gurgel. Essa expressão, comum na capital rondoniense, tem a ver com o desenho da cidade, que passou a crescer ao longo da BR. Mas não só: está ligada também à ocupação desordenada nas décadas seguintes.

De 1970 a 1990, a população de Rondônia saltou de 100 mil para 1,1 milhão de habitantes. Foi o resultado de uma campanha do governo militar que prometeu aos migrantes terras para agropecuária, hoje a maior atividade econômica do estado. A falta de planejamento levou ao desmatamento e a disputas violentas contra os povos originários. Acredita-se que Rondônia chegou a abrigar 80 mil indígenas. Hoje, são apenas 21 mil.

Histórias apagadas

No centro de Porto Velho, uma área de 106 mil metros quadrados abriga o Complexo Madeira-Mamoré. Tombado desde 2006, o antigo terminal de trens virou ponto turístico da cidade. Há uma praça, um museu e um mirante para o rio. Seus antigos galpões guardavam diversas peças e relíquias da época da estrada.

“Guardavam” porque, em  2014, uma cheia histórica do Madeira inundou vários bairros de Porto Velho, incluindo a área do complexo. Boa parte do acervo do museu foi destruída, e a área passou anos abandonada.

Em 2019, começou uma revitalização que custou R$ 30 milhões. Quem pagou foi a Santo Antônio Energia, empresa que construiu uma hidrelétrica em Porto Velho nos anos 2000. Foi parte do programa de compensação ambiental da usina, que inundou uma área de 350 km² e desalojou mais de duas mil famílias (3).

O complexo reabriu em maio deste ano. Alguns itens foram recuperados, como a primeira locomotiva da estrada. Mas o que mais chama a atenção é que, agora, o foco não está nos grandes nomes envolvidos no projeto, como Church e Farquhar, mas sim nos imigrantes e indígenas afetados pela ferrovia – um pedaço da história negligenciado por décadas. “Para cicatrizar a ferida, precisamos primeiro olhar para ela”, diz Maíra Ramos, uma das coordenadoras da reforma do museu.

Esse esforço, porém, não se resume ao local. Desde 2019, as escavações arqueológicas na Candelária tentam jogar luz sobre o dia a dia dos operários da estrada e do hospital, sobre os quais quase não há registros. “Sempre ouvimos falar sobre médicos, topógrafos e engenheiros. Mas e as enfermeiras, os cozinheiros, os ferreiros?”, questiona Juliana Santi.

Segundo a arqueóloga, muitos registros sobre o hospital (e os cemitérios próximos a ele) foram queimados na época da Ditadura. Além disso, as escavações estão numa área que, hoje, é disputada por facções criminosas – ela e seus alunos já foram assaltados no meio de uma expedição. “Não sei o que a gente vai encontrar. Mas queremos pelo menos mostrar que essas pessoas estavam ali, que elas existiram.”

Os estudos de Cledenice Blackman sobre os afro-antilhanos, por sua vez, começaram quando a pesquisadora quis entender mais sobre seus bisavós, que vieram de Barbados para trabalhar na Madeira-Mamoré. Seus quase 20 anos de pesquisa ajudam a mostrar como esses imigrantes foram decisivos para desenvolver a educação, a saúde e a cultura da cidade. “A Amazônia também é preta”, diz Blackman.

Fotos da locomotiva coronel Church e imagem panorâmica do Rio Madeira.
Em 2014, uma cheia no Madeira inundou o museu da estrada e destruiu parte do acervo. O espaço foi reformado e reabriu neste ano. (Guilherme Nascimento (@guilhermenascimentu) e Santo Antônio Energia/Montagem sobre reprodução)

O resgate dessas memórias, claro, não é uma tarefa rápida nem fácil – ainda mais se não tiver apoio do poder público e da maioria da população. “Rondônia passou por vários processos de colonização cheios de dor e violência. Como você cria identidade, carinho e compreensão sobre um lugar se ele foi ocupado dessa forma?”, diz Juraci Júnior.

Mas há uma geração que pode mudar essa história. No dia em que visitei o complexo em Porto Velho, assisti ao pôr do sol no Madeira junto a uma multidão de pessoas. A maioria delas eram crianças e adolescentes que estavam com o uniforme da escola e tinham acabado de visitar o museu. Nenhuma delas estava de costas para o rio.

Fontes (1) livro Mito e identidade em Nazaré-RO, de Simone Norberto; (2) livro Estação 367, de Viktor Navorsky; (3) artigo “A construção da hidrelétrica de Santo Antônio e os impactos na sociedade e no ambiente”. Agradecimentos Aleks Palitot e Gabriela Nakagawa. Fotos acervo do Museu Paulista (USP), Santo Antônio Energia e Guilherme Nascimento (@guilhermenascimentu).

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