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Os 100 anos do acordo secreto que ajudou a causar o caos do Oriente Médio

Há 100 anos, um encontro secreto entre dois diplomatas, o inglês Mark Sykes e o francês François Georges-Picot, contribuiu um bocado para a lambança lamacenta em que o Oriente Médio está atolado até hoje. No dia 16 de maio de 1916, a dupla riscou no mapa as áreas de influência que seriam dominadas assim que […]

Por Felipe van Deursen
Atualizado em 4 set 2024, 11h26 - Publicado em 19 Maio 2016, 21h05

Há 100 anos, um encontro secreto entre dois diplomatas, o inglês Mark Sykes e o francês François Georges-Picot, contribuiu um bocado para a lambança lamacenta em que o Oriente Médio está atolado até hoje. No dia 16 de maio de 1916, a dupla riscou no mapa as áreas de influência que seriam dominadas assim que o Império Turco-Otomano, que ainda mandava na região, fosse derrotado. Corria a Primeira Guerra, e eles estavam certos de que se sairiam vencedores (o que de fato ocorreu, dois anos depois).

O britânicos decidiram ficar com um vasto cinturão que embarca o que hoje é o sul do Iraque, a Jordânia e um pedaço de Israel e da Cisjordânia. Os franceses, com o Líbano, a Síria, o norte do Iraque e um naco da Turquia.

Os russos, que formavam a Tríplice Entente com a França e o Reino Unido, logo meteram a colher no acordo clandestino, de olho na joia da coroa de seus arqui-inimigos otomanos. Ao tomar Istambul, eles acabariam com séculos de dominação muçulmana na cidade e levariam de volta a Igreja Ortodoxa a sua antiga e jamais esquecida Constantinopla.

Risca-faca: assim nasceram os modernos Iraque e Síria | imagem: Royal Geographical Society
Risca-faca: assim nasceram os modernos Iraque e Síria | imagem: Royal Geographical Society

 

Só que o acordo não entrou em prática da forma como as potências queriam. O terreno diplomático sobre os escombros otomanos era instável demais. Mudanças de interesses coloniais e outras negociações fizeram com que o mapa desenhado por Sykes e Picot sofresse mudanças.

A divisão acordada e as atuais fronteiras | imagem: The Economist
A divisão acordada e as atuais fronteiras | imagem: The Economist

 

Apesar disso, o documento hoje é um símbolo da política colonialista das potências ocidentais, que ao longo do século 20 influenciaram os rumos do Oriente Médio a ponto de ignorar completamente outras negociações com as partes realmente envolvidas, as populações locais. Em 1915, os britânicos prometeram apoiar a fundação de um Estado único árabe (que incluía a Palestina), caso tivessem ajuda para derrotar os otomanos na guerra. Sim, disseram que defenderiam um novo país para os árabes, mas um ano depois dividiram, secretamente, a área com os franceses. Para completar, em 1917, os ingleses decretaram a criação de um Estado judeu na Palestina. Ou seja, em dois anos, prometeram esse naco de terra aos árabes, aos judeus e, o mais importante, a eles mesmos. Ora, tinha tudo para dar certo.

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Mais tarde, quando descobriram que a região de Mosul, que estava na zona de influência francesa, tinha petróleo, os ingleses tomaram esse pedaço, juntaram com seus domínios da Mesopotâmia e, tchanam, criaram o Iraque, país rico em xiitas, sunitas, curdos e petróleo que jamais vivenciou um período duradouro de estabilidade.

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François Georges-Picot

O país de Picot também aprontou. A França, que se fez dona da antiga província da Síria, arrancou-lhe um pedaço para fazer o Líbano, onde há a maior concentração de cristãos do Oriente Médio e onde, de 1975 a 1990, 144 mil pessoas morreram devido a uma guerra civil – justamente entre cristãos e muçulmanos.

 

Sykes-Picot bate fundo no imaginário árabe e foi muito usado na propaganda nacionalista para denunciar os desmandos na região que resultaram em tantas guerras ao longo das últimas décadas. Esse ressentimento é um dos combustíveis, por exemplo, do Estado Islâmico, que em 2014 tomou Mosul e declarou abertamente que pretende apagar as fronteiras desenhadas pelos europeus. 

 

Sir Mark Sykes
Sir Mark Sykes

Apesar de tudo, alguns historiadores defendem que o acordo virou um bode expiatório de todos os problemas da região. Afinal, há uma série de outros fatores, como a ancestral história desses povos, seus contextos antes e durante o domínio otomano e as décadas de governos problemáticos, assassinos, ditatoriais e corruptos que vieram em seguida. E, apesar de toscamente riscado em um mapa por dois europeus representando potências esnobes, Sykes-Picot levou em conta antigas divisões administrativas otomanas e vários acordos políticos regionais anteriores.  

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Fora isso, houve outros tratados, que também tiveram importância na formação da bagunça atual. Caso do Tratado de Sèvres, que em 1920 selou a paz entre Aliados (grupo de países liderados pela Tríplice Entente) e o Império Turco-Otomano e retalhou a Anatólia entre os vencedores – para mais tarde ser derrotado e revertido pela rebelião que formaria a atual Turquia, deixando os curdos sem Estado. 

 

Mas se o acordo era secreto, como se sabe tanto sobre ele, a ponto de haver opiniões conflitantes?

Porque ele não é secreto há 99 anos.

O acordo veio a público em pouco tempo, graças à Revolução Russa. O jornal Pravda denunciou o esquema, em 1917, num claro movimento de minar a influência ocidental no Oriente Médio em favor da própria.

Por mais que o legado de Sykes-Picot seja superestimado, cem anos depois lá estão russos e turcos se desentendendo no céu da Síria, país em uma guerra civil com toques internacionais americanos, ingleses e franceses. A história segue.

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