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Repense muito mais que o CBD

Por Tarso Araujo
Atualizado em 21 dez 2016, 08h49 - Publicado em 16 jan 2015, 21h08

A reclassificação do canabidiol, na última quarta-feira, completou um ciclo importante. Há pouco menos de um ano, quase ninguém sabia que maconha podia ser remédio. Hoje, o país sabe que a maconha tem utilidade medicinal. Deu no Fantástico e no Jornal Nacional, na Globo e na Record, na Folha e no Estadão, foi discutido na Câmara e no Senado, por “doidões” e “caretas” – principalmente pelos caretas. Mas, não vamos nos iludir, este ciclo é apenas um primeiro passo.

É importante avançar no debate, porque ainda é preciso debater algumas coisas. Uma é o futuro do mercado de CBD no Brasil. A outra é o acesso de pacientes a outros componentes da Cannabis, como o THC, e a outras formas de apresentação da planta para uso medicinal, como a maconha em si, para vaporização.

Para não deixar essa discussão parar como a reclassificação do CBD, a campanha Repense lançou um novo filme no dia da decisão da Anvisa. O curta (IN)JUSTIÇA mostra a história de Thais Carvalho, paraense que teve ajuda da maconha para suportar a quimioterapia e vencer um câncer, mas teve um problema inesperado em seguida. Assista:

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A campanha detonou o debate sobre maconha medicinal, em março passado, quando mostramos o poder do canabidiol para controlar as convulsões da pequena Anny Fischer, primeira paciente autorizada a usar a substância no Brasil. Agora, mais do que nunca, está na hora de falar sobre o THC e o que ele pode fazer por pessoas com outras doenças. Afinal, maconha medicinal é muito mais que o CBD.

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Reclassificou. E agora?

Muita gente tem perguntado o que muda com a reclassificação do CBD. Na prática, pouca coisa. Simbolicamente, no entanto, a mudança é muito importante. Ao reclassificar, o Estado brasileiro reconhece, via decreto, aquilo que a opinião pública entendeu desde o ano passado: que a maconha tem sim propriedades terapêuticas.

Vale lembrar que nem a ONU reconhece esse fato comprovado por centenas de estudos sérios. E por isso mesmo mantém a maconha na lista mais “barra pesada” de drogas controladas – aquelas com alto potencial de causar danos e sem qualquer valor medicinal reconhecido.

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Acontece que a ONU mantém essa classificação, contra as evidências clínicas e laboratoriais, por questões morais e políticas. E essas barreiras só vão ser superadas quando houver uma mudança clara na opinião pública sobre a maconha. Aqui no Brasil, essa mudança ganhou um grande impulso com a popularização do CBD e seus efeitos.

Hoje, a maioria da população entende que a maconha tem (pelo menos) dois lados. Quando ouvem falar da droga, as pessoas ainda pensam em polícia, crime e traficante. Mas, agora, também pensam em remédio, epilepsia, CBD. Logo, vão pensar também em THC, câncer, esclerose múltipla, dores crônicas. Agora, eu posso falar sobre maconha com meu avô de 88 anos sem qualquer cerimônia. E o mesmo está acontecendo em muitas famílias onde o assunto sempre foi um absoluto tabu. Muita gente que nunca usou nem pensou em usar a droga procura informação sobre a planta.

Conforme essas pessoas se informam, conforme descobrem pessoas ao seu redor usando cânabis com sucesso para aliviar sintomas de doenças graves, elas veem que a maconha não é aquele bicho de sete cabeças que sempre pintaram. Mas, para desenvolvermos ainda mais um debate racional e construtivo sobre o assunto, vai ser importante separar o joio do trigo: as evidências da apologia, a cura do alívio, o debate sobre o uso medicinal daquele sobre uso recreativo.

Não adianta, por exemplo, usar o argumento de que maconha é remédio para “empurrar” a legalização do uso recreativo. Os dois debates são legítimos e relevantes, mas cada um tem seus argumentos e seu tempo de amadurecimento. Assim como não ajuda disseminar informações falsas sobre o potencial terapêutico da maconha, exagerando resultados e “curas” do CBD ou do THC. Não se combate a desinformação com mais desinformação.

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Próximos passos

Agora que o CBD está reclassificado, penso que é preciso ficar de olho em três coisas principais:

* Como será o acesso ao canabidiol, agora que ele está reclassificado,
* Que proveito científico vamos tirar dessa reclassificação, e
* Quando e como o Estado vai regular outros componentes e formas de uso medicinal da Cannabis sativa.

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A primeira questão é importante para democratizar o acesso ao tratamento. Muita gente já está falando em ter canabidiol no SUS, como se assim ele se tornasse grátis. Só que não existe almoço grátis. Alguém sempre paga a conta e, neste caso, o prejuízo é de todos nós contribuintes. Seria ridículo ver um país com a vocação agrícola que temos gastar milhões de dólares por ano para comprar um produto que poderia ser produzido aqui, a preços módicos. É preciso, desde já, pensar no desenvolvimento de uma produção nacional.

Na questão científica, temos uma grande oportunidade. Já são mais de 300 pessoas usando canabidiol de modo oficial, mas praticamente experimental. Está claro que cada paciente reage de modo diferente ao produto de acordo com a doença, o fabricante, a dosagem de CBD e de THC, entre outros parâmetros. O que é melhor para cada caso? Qual a dose certa?

Existe uma série de perguntas que podem começar a ser respondidas se estes pacientes tiverem oportunidade e orientação para participar de projetos de pesquisa que acompanhem seus resultados. É bom para os cientistas entenderem melhor o modo de ação da Cannabis, para os médicos prescreverem melhor e para os pacientes viverem melhor.

Por fim, mas não menos importante, é preciso chegar ao THC. Até agora, a imprensa e nossas autoridades se concentraram sobre o uso do canabidiol. Ele tem sido sempre apresentado como uma substância que “não é psicoativo e não causa dependência”. Isso foi muito útil no primeiro momento em que se falou sobre “maconha medicinal”: até os mais caretas se sentiram à vontade para defender o uso da substância, até mesmo por crianças. Mas não se pode rejeitar o potencial terapêutico do THC por produzir estes mesmos efeitos.

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Afinal, ser psicoativo ou causar dependência nunca foi empecilho suficiente para impedir o uso medicinal de uma molécula. Se fosse assim, não seríamos a “Nação Rivotril”, como bem definiu a SUPER em reportagem de 2010. É fundamental reconhecer e regular também o acesso a essa molécula que, para citar apenas suas aplicações mais consagradas por estudos, alivia efeitos colaterais de quimioterapia, sintomas de pacientes de esclerose múltipla e de dores crônicas – mesmo em sua forma fumada.

É por todos esses motivos que a reclassificação do canabidiol deve ser vista como um momento histórico do ponto de vista simbólico, mas apenas um primeiro passo, do ponto de vista prático. É o primeiro passo em busca de uma regulamentação mais abrangente, que contemple o uso medicinal da Cannabis em todas as suas formas de apresentação e de produção, a fim de garantir o acesso mais democrático possível para os pacientes de todas as doenças que podem se beneficiar dessa alternativa de tratamento.

Essa seria a atitude correta de um Estado que respeita seus cidadãos. Mas, como vimos no caso do CBD, o elefante verde-e-amarelo só vai se mexer se fizermos o nosso papel. Com um pouco de informação e mobilização social, é possível colocar o mundo para repensar. E mudar as coisas para melhor.

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