A caminhada do bêbado e o Teorema de Pitágoras
Artigo do professor Luiz Barco, em que descreve o movimento térmico através do Teorema de Pitágoras.
Luiz Barco
Ao observar um grupo de futuros engenheiros estudando a transmissão de calor, reparei na dificuldade em que tínhamos de perceber o que chamamos de Lei da desordem ou Lei do comportamento estatístico. Sugeri que eles lessem o livro de Georg Gamov Um, dois, três…infinito, onde o autor mostra o erro cometido pelos que pensam que, por sua irregularidade, o movimento térmico não possa ser bem descrito matematicamente. Para ilustrar isso, Gamov escolheu um problema clássico, o da caminha do bêbado.
Imaginemos um bêbado apoiado num poste. De repente, ele começa a caminhar sem destino, dando passos ora numa direção, ora em outra, de forma imprevisível. A que distancia do poste ele estará depois de uma centena de passos irregulares? Parece impossível responder a questão, mas pode-se supor qual a distância mais provável entre o poste e o bêbado após determinado número de ziguezagues. Vamos desenhar esses ziguezagues entre dois eixos coordenados (perpendiculares) sobre o pavimento, tendo o poste como origem.
Chamemos de R1, R2, R3,… Rn respectivamente a primeira, segunda, terceira, etc., enésima perna do ziguezague. E de x1, x2, x3,… xn e y1, y2, y3,… yn as suas projeções sobre os eixos.
Essas projeções são úteis, porque, por meio delas, pode-se calcular R, que é uma medida da distância percorrida. O Teorema de Pítagoras diz que os lados que formam o ângulo reto de um triângulo retângulo (catetos) elevados ao quadrado e somados resultam no quadrado do terceiro lado (hipotenusa).
Observe que entre os x e os y existem alguns sinais positivos (o bêbado se afasta do poste) e alguns negativos (o bêbado se aproxima). Como o bêbado se move ao acaso e tanto pode dar um passo de direção ao poste como tomar o rumo contrário, os valores dos produtos mistos (x2x3 + x4x7+…) têm 50% de chance de serem positivos ou negativos. Ao examinarmos os termos da longa soma vamos encontrar pares de mesmos valores numéricos, mas com sinais opostos que evidentemente se cancelam. Quanto maios for o número de ziguezague, tanto mais provável a ocorrência dessa compensação. Sobram, portanto, os quadrados dos x,x1²,x2²,x3³, etc.,uma vez que os quadrados são sempre positivos. Se chamarmos de x o comprimento médio da projeção das pernas do ziguezague no eixo x, teremos Nx x², o número de ziguezague (N), vezes o quadrado do comprimento médio dos x.
Repetido o mesmo raciocínio para o parêntese dos Y, teremos R²= Nx²+Ny² ou R= x(x²+y²). Tal argumentação é estatística, pois se ancora no maior ou menor número de termos que se cancelam por terem sinais opostos. Assim, a distância R mais provável entre o bêbado e o poste é: R²=N (x²+y²) ou, estraindo a raiz quadrada, R =√N x √x²+y²
Mas, ainda pelo Teorema de Pitágoras, √x²+y² é o comprimento médio de cada perna de ziguezague, que chamamos de L, e então podemos escrever R=L x √N, ou a distância mais provável entre o bêbado e o poste, após certo número (N) de ziguezague, é igual ao comprimento médio de cada linha reta (L), multiplicado pela raiz quadrada desse número (√N). Logo, se o bêbado andar 1 metro (L=1m) de cada vez antes de ziguezaguear num ângulo imprevisível, provavelmente terá de andar 100 metros para ficar a 10 metros de distância do poste.
A natureza estatística do exemplo fica clara quando escrevemos “a distância mais provável” e não “a distância exata”. Se um grande número de bêbados partir de um mesmo poste em ziguezagues diferentes, sem se trombar, depois de um tempo eles acabarão se espalhando em uma certa área em torno do poste. E a distância média na qual se encontrarão do ponto de partida pode ser calculada pela regra que expusemos. Quanto maior o número de bêbados e de ziguezagues, tanto mais precisa será essa regra. Se trocarmos os bêbados por bactérias e colocarmos um líquido, observaremos ao microscópio que elas estão em constante ziguezague, obrigadas a isso pelo calor das moléculas que as circundam – é o chamado Movimento de Brow. A regra para entendê-lo é a mesma usada para calcular a distância do bêbado ao poste.
Luiz Barco é professor da Escola de Comunicações e Arte da Universidade de São Paulo