A extinção dos dinossauros não foi culpa (só) do meteoro
Não há dúvida que o impacto em Yucatán ocorreu. Mas pesquisas recentes mostram que o pedregulho cósmico pode ter sido a cereja no bolo de uma tragédia que já estava em andamento.
Um meteoro pôs fim ao reinado dos dinossauros, certo? Certo. Ou, talvez, meio-certo. Não há a menor dúvida de que a colisão ocorreu. Mas cada vez mais pesquisas vêm mostrando que o caldo dos nossos amigos répteis já estava entornando, e que o meteoro pode ter sido “só” o último prego no caixão. Vamos falar da mais recente delas, publicada em outubro.
Antes, porém, precisamos de alguma contextualização pré-histórica. É importante ressaltar que eventos de extinção em massa não são exatamente algo raro na natureza. Os dinossauros, principalmente, tiveram um bocado de experiência com catástrofes.
O grupo de répteis mais famoso da pré-história surgiu logo após a Grande Morte, na fronteira entre o período Permiano e o Triássico (P-Tr), quando 70% dos vertebrados terrestres desapareceram. Essa extinção em massa, ocorrida há 251 milhões de anos, foi a mais devastadora da história da Terra.
Então, os dinossauros tiveram a oportunidade de tomar conta do planeta após uma segunda extinção, ligeiramente mais light ocorrida entre os períodos Triássico e Jurássico (Tr-J), há 201 milhões de anos. A vida é assim: quando um nicho ecológico fica vazio, novas linhagens ganham a oportunidade de se irradiar para ocupá-lo.
Do mesmo jeito que os dinossauros precisaram de uma extinção para limpar o terreno para o seu domínio, os mamíferos só puderam se tornar os principais vertebrados da Terra depois que os dinossauros saíram de campo. Entra em cena a extinção mais famosa: a do Cretáceo-Paleógeno (K-Pg), há 65 milhões de anos. A do meteoro.
Hoje, a hipótese do pedregulho cósmico é comum no imaginário popular e um consenso na comunidade científica. Mas, até os anos 1970, não era bem assim. A hipótese do vulcanismo foi a mais aceita no mundo acadêmico até a descoberta da cratera de Chicxulub, na Península de Yucatán, no México. A prova do crime.
Embora, hoje, não haja nenhuma discussão sobre a ocorrência o evento em si – a pedra caiu, é fato –, pesquisas recentes vêm resgatando a ideia de que vulcões e a emissão de gases tóxicos ainda tiveram um papel proeminente na eliminação desses animais. O meteoro foi só a cereja do bolo.
O planalto de Deccan, na Índia, é um elemento chave nesse debate. A região é conhecida por ter sido palco de uma intensa atividade vulcânica no final do Cretáceo, que deixou indícios na forma de uma espessa camada de basalto – um tipo de rocha formada por lava solidificada.
Em 2019, pesquisadores começaram a investigar se houve alguma relação entre esse pico de atividade vulcânica e o meteoro. E eles descobriram que, apesar do impacto no México ter intensificado o fluxo de lava na região, já havia um bocado dela escorrendo antes.
Vulcões soltam doses cavalares de dióxido de carbono, metano e dióxido de enxofre na atmosfera, que são gases de efeito estufa. Ou seja: é possível que já houvesse um surto de aquecimento global causando desequilíbrios ecológicos graves antes da pedra bater.
Nenhum vulcão ou conjunto de vulcões ativo hoje é grande o suficiente para mexer sozinho com o clima do planeta, mas o que rolava em Deccan deixava o vulcanismo atual no chinelo: deixou para trás uma camada de basalto de dois quilômetros de espessura, que abrange 500 mil km².
Em 2020, por exemplo, um grupo de cientistas analisou a composição química dos basaltos de Deccan para estimar se a quantidade de carbono que foi liberada na atmosfera desempenhou, de fato, algum papel na extinção dos dinossauros. A conclusão foi que a liberação de carbono pode, sim, ter tido um impacto considerável nas mudanças climáticas do evento K-Pg.
Ainda não existe consenso em torno do assunto. Mas, hoje, essas são as duas principais hipóteses para o fim dos dinos. A maioria dos pesquisadores acredita que, no fim das contas, a extinção foi uma combinação de vulcanismo e meteoro – sendo o timing entre os dois acontecimentos, talvez, o fator decisivo.
O que nos leva ao noticiário paleontológico de 2023.
Uma pesquisa recém-publicada no periódico especializado Science Advances acaba de adicionar algum tempero a esse debate. Um grupo de pesquisadores de várias univerisades aplicou um novo método de análise às rochas vulcânicas do Deccan e concluiu que as emissões teriam sido suficientes, por si só, para induzir algo equivalente a um inverno nuclear.
“Nossos dados sugerem que a desgaseificação de enxofre vulcânico poderia ter causado quedas globais repetidas e de curta duração nas temperaturas”, conta a Sara Callegaro, geocientista da Universidade de Oslo, e uma das pesquisadoras do estudo. Durante eventos catastróficos desse gênero, a temperatura na superfície da Terra cai porque a luz solar não consegue atravessar a atmosfera.
Dito isso, o vulcanismo também pode ter tido um importante papel no pós-meteoro. O impacto, além de toda a destruição causada diretamente, pode ter sido crucial para aumentar a atividade vulcânica no planeta e, por tabela, as emissões de gases na atmosfera.
Com a atmosfera bloqueada, as plantas não conseguem obter luz solar suficiente para fazer a fotossíntese. Os herbívoros, que se alimentam de folhas, vão ficando sem alimento, e morrem. Por fim, os carnívoros ficam sem animais dos quais possam se alimentar. Um efeito dominó que torna a cadeia alimentar insustentável.