A fantástica fábrica de elementos pesados
O Universo já nos deu uma tabela periódica com 92 elementos. Não é o suficiente para um laboratório na Rússia, que se dedica a criar átomos gigantes.
Há 13 bilhões de anos, o Universo era jovem – e notavelmente monótono. Consistia, basicamente, em três xícaras de hidrogênio para cada xícara de hélio, tudo flutuando por aí em nuvens imensas. Não dá para criar muita coisa só com dois elementos. Mas não se preocupe: eles eram só o começo.
Nuvens imensas recheadas de hidrogênio são delicadas. Principalmente por serem imensas. Basta uma pequena perturbação para que elas desabem sob o próprio peso. E aí o gás começa a ficar denso. Muito denso. Densidade é sinônimo de calor, e, quando o calor no centro da nuvem atinge um certo patamar, os átomos de hidrogênio pedem arrego. De quatro em quatro, se fundem e formam hélio. A fusão libera uma dose cavalar de energia. E aí essa bola de gás esquentadinha começa a brilhar. Nasce uma estrela.
Faz 5 bilhões de anos que nosso Sol queima hidrogênio sob pressão, e ele ainda tem mais ou menos a mesma quantidade de tempo pela frente antes de morrer. O Sol consome 600 milhões de toneladas de hidrogênio por segundo. Essa energia homérica flui para fora e compensa o esforço que a gravidade faz para dentro, evitando que o astro entre em colapso. É um cabo de guerra.
Quanto maior a estrela, aliás, mais rápido acaba o combustível. Uma com 25 vezes mais massa que o Sol, por exemplo, exaure seu estoque de hidrogênio em apenas 7 milhões de anos – um piscar de olhos na escala cósmica. A solução? Ter um motor flex. Se tudo o que resta após o fim do hidrogênio é hélio, por que não queimar hélio?
Bacana. A queima de hélio gera um produto mais pesado: carbono. O elemento mais importante para a vida na Terra. Todos os seres vivos – incluindo você – são compostos basicamente da fumaça do escapamento de um Sol obeso e falido em busca de um plano B. Um plano B que dá errado, diga-se de passagem. Em 500 mil anos o hélio acaba. E chega a hora do plano C: queimar carbono.
A história continua de elemento em elemento, como você vê no infográfico abaixo. O espírito da coisa é que cada vez que o combustível da estrela termina, ela precisa queimar um elemento mais pesado para continuar viva. E cada vez que ela queima um elemento pesado, ela gera um terceiro, mais pesado ainda. Esses elementos se acumulam no núcleo em camadas, como uma cebola. De gambiarra em gambiarra, o astro moribundo faz a tabela periódica crescer.
É no ferro que essa estratégia chega ao fim. É impossível fundir átomos de ferro dentro de uma estrela. Esse processo consome mais energia do que libera. Sem energia para combater a gravidade, a estrela finalmente desaba. Entre um e três segundos, tudo aquilo que ela já produziu é arremessado em direção ao núcleo, bate e é ejetado para todo lado a 10% da velocidade da luz. Trata-se da explosão mais violenta que a natureza é capaz de produzir. Todos os átomos que você come, bebe e respira foram entregues ao mundo dessa forma.
Brilha, brilha, estrelona
Estrelas massivas fazem a tabela periódica crescer fundindo átomos para liberar energia. Veja o que acontece no interior de uma 25 vezes maior que o Sol
A. Hidrogênio nosso de cada dia
Toda estrela, não importa o tamanho, passa a maior parte da vida unindo átomos de hidrogênio para formar hélio. Essa reação libera energia – que irradia para fora e impede que a gravidade faça tudo desabar.
B. Gasolina aditivada
Estrelas mais pesadas queimam hélio quando o hidrogênio acaba. E carbono quando o hélio acaba. E oxigênio quando o carbono acaba. Além deles, se formam resquícios de outros elementos familiares – como nitrogênio, enxofre e sódio.
C. Pesado demais
Cada vez que a estrela apela para um combustível mais pesado, ela dura menos e o núcleo fica mais quente. Até que chega o ferro, que não pode ser fundido. A estrela desaba e explode, liberando os átomos no Universo. Você e eu somos feitos deles.
Fonte: Chemical Evolution and the Origin of Life, Horst Rauchfuss (2008)
Me vê um nêutron, por favor
Os astrônomos dão a essas explosões o nome de supernovas. Como se não bastasse enriquecer o cosmos com os elementos que estavam no interior da estrela, as supernovas ainda conseguem produzir elementos novos, ainda mais pesados. Para fazer isso, não adianta repetir a receita da estrela, com fusão nuclear. É preciso usar outro método: a captura de nêutrons.
Como você aprendeu nas aulas de química, um átomo é feito de três partículas: os prótons e nêutrons, que ficam no núcleo, mais os elétrons, que ficam em volta. Os prótons são os mais importantes. É a quantidade deles que define de qual elemento é um átomo. Seis prótons? Carbono. 14 prótons? Flúor. 79? Ouro. O número de nêutrons, por outro lado, pode variar até certo ponto. A maioria dos átomos de oxigênio tem oito nêutrons, mas alguns têm dez. Mesmo assim, você pode respirá-los sem medo. Dá na mesma.
Ou melhor, quase na mesma. Se você colocar nêutrons demais em um átomo, ele fica instável. Frágil. E aí emite algo de que todo mundo já ouviu falar: radiação. Por enquanto, só um tipo de radiação importa para nós: a beta. Um átomo instável emite radiação beta para transformar um nêutron em próton. Ou um próton em nêutron. O que for mais indicado para restabelecer o equilíbrio na situação.
Por exemplo: imagine que você tem um carbono (que tem seis prótons) com oito nêutrons. Isso é demais para ele. Então o átomo transforma um nêutron em próton por radiação beta e fica mais estável, com sete prótons e sete nêutrons. Mudou o número de prótons, muda o elemento. Nasce o nitrogênio. É aí que reside a magia da radiação. Ela faz a tabela periódica crescer transformando um elemento em outro em vez de fundir um elemento com outro.
Durante o colapso da estrela, as camadas externas pressionam as internas a tal ponto que os prótons e elétrons lá no meio não aguentam o tranco: são esmagados e formam nêutrons. Isso gera um fluxo imenso de nêutrons livres, que podem grudar aos montes a qualquer átomo levinho que esteja dando sopa. Esses átomos inchados logo começam a emitir radiação para se equilibrar, e, cada vez que isso acontece, eles pulam uma casa para cima na tabela periódica. E assim nascem a prata, o ouro, a platina…
Não é só em supernovas que a mágica acontece. A maior parte do ouro que existe em cada Rolex veio da colisão de estrelas de nêutrons – eventos relativamente raros no Universo. A criação de elementos também pode ocorrer quando uma anã branca, outro tipo de estrela morta, suga a matéria de uma estrela vizinha até explodir. O que esses processos (que você pode entender melhor abaixo) têm em comum é a violência. Metais preciosos não são preciosos à toa. Fabricá-los é muito, muito difícil.
A fábrica nos céus
Entenda por que alguns elementos são estáveis e outros não – e veja os fenômenos cósmicos que produzem cada um deles
1. Andando na linha
Os átomos que estão dentro da área branca são estáveis, ou seja: possuem o número ideal de prótons e nêutrons.
2. Quanto mais, melhor
Elementos mais pesados precisam de mais nêutrons do que prótons para se estabilizar. Assim, conforme subimos na tabela periódica, a linha branca pende para a direita.
3. Chernobil feelings
Elementos com mais ou menos nêutrons que a quantidade ideal ficam fora da linha e se tornam radioativos. Caso do césio aí em cima – protagonista da tragédia em Goiânia, em 1987. Um jeito de se estabilizar é transformar um nêutron em um próton – e se tornar um elemento novo, mais pesado.
No gráfico, o eixo horizontal indica o número de prótons, e o vertical, o número de nêutrons.
Descubra de onde veio cada elemento
A. Estrelas massivas
Produzem a parte mais leve da tabela periódica por fusão nuclear.
B. Supernova IIA
É a maior explosão do cosmos: a morte de uma estrela massiva, como a do infográfico anterior.
C. Colisão de estrela de nêutrons
Estrelas de nêutrons são os restos extremamente densos de uma estrela massiva após sua morte explosiva. E às vezes uma tromba com a outra.
D. Supernova IA
Quando o cadáver de uma estrela pequena – chamado anã branca – suga a matéria de uma maior. Até superar o próprio limite gravitacional – e, é claro, explodir.
E. A morte de estrelas pequenas
Não é tão violenta, mas também gera elementos novos.
Ficou em dúvida ou quer saber mais? Você pode entender melhor a evolução estelar – e as várias mortes possíveis para uma estrela – nesta matéria.
Fontes: Jennifer Johnson, Universidade Estadual de Ohio (acesse), Inese Ivans e Iranga Samarasingha, Universidade de Utah (acesse), Table of Isotopic Masses and Natural Abundances, Mass Spectrometry Facility, Universidade da Carolina do Norte (acesse).
Uma mãozinha humana
O átomo mais pesado que você consegue encontrar dando bobeira na Terra é o urânio, com 92 prótons. Se você quiser um átomo ainda maior, serão necessários um laboratório milionário e uma pós-graduação em física nuclear. Desde 1940, quando o primeiro átomo de proveta saiu do papel, a tabela periódica cresceu incríveis 26 casas. Foi de 93 elementos a 118, uma média de um elemento novo gestado em laboratório a cada três anos.
Hoje, o melhor jeito de criar esses gigantes é com um tiro ao alvo sofisticado: átomos leves são disparados a 100 milhões de km/h na direção de átomos pesados. A trombada é tão forte que, com sorte, o elemento leve e o pesado se juntam e geram um só – muito, muito pesado.
Se você curtiu essa história de jogar Counter Strike microscópico com um acelerador de partículas, há alguns destinos possíveis. Na Alemanha, o centro Helmholtz de pesquisas sobre íons pesados (GSI) foi responsável por produzir sete elementos inéditos entre as décadas de 1980 e 1990. Já o RIBF, no Japão, se dedica a fabricar versões (o termo certo é isótopos) muito radioativas de átomos familiares para nós.
O pai de todos os laboratórios, porém, não é um pai. É uma mãe. A mãe Rússia. 110 quilômetros a norte de Moscou, na pacata cidade de Dubna, fica o JINR — o instituto de pesquisa que mais faz a tabela periódica crescer. Foi lá, no laboratório Flerov, que nasceram os elementos 113, 114, 115, 116, 117 e o maior de todos: o 118.
O nome desse monstrinho é oganesson. Nascido em 2006, ele foi feito a partir do califórnio – um elemento artificial que, por si só, é ridiculamente grande, com 98 prótons. Nele, foi atirado um feixe de átomos de cálcio, com 20 prótons. 20 mais 98 dá 118. Bingo. Seu nome peculiar é uma homenagem ao cientista armênio Yuri Oganessian, inventor da técnica que permitiu a façanha.
A Iupac, uma espécie de Fifa dos químicos, demorou uma década para reconhecer o oganesson – que só entrou na tabela periódica oficialmente em 2016. Essa demora toda tem um motivo simples: quando você produz um átomo gigante, não dá para levá-lo para casa e depois mostrá-lo para o comitê avaliador. Ele, literalmente, desaparece.
O oganesson sobrevive 0,00085 segundo. Depois disso, ele decai por alpha, um outro tipo de radiação emitida pelo átomo na tentativa de se estabilizar. Ao decair por alpha, o oganesson cospe fora dois prótons e dois nêutrons. Com isso, ele se torna outro elemento, o livermório, que também dura pouco: 0,01 segundo. Aí o átomo volta a decair e ejetar um pedaço de si. O livermório vira copernício – que, por sua vez, toma uma atitude radical: explode e se fragmenta em dois ou até três átomos menores e aleatórios, num processo chamado fissão espontânea.
Em suma, como todo átomo radioativo, o 118 é grande demais para o próprio bem. Isso quando ele consegue nascer, que fique claro. No experimento de 2006, o time do JINR disparou 4,2 trihões de átomos de cálcio por segundo no alvo. Sem parar. Ao longo de 45 dias. Mesmo assim, só três (!) átomos de oganesson se formaram. Diante de uma miséria dessas, provar a existência do dito-cujo já é motivo de comemoração.
Gigante nada gentil
A vida e a morte do maior átomo sintético de todos os tempos: o oganesson
A.
O oganesson é criado disparando átomos de cálcio com 28 nêutrons em um alvo de califórnio, outro elemento sintético.
B.
Ele dura só 0,00085 segundo antes de perder 2 prótons e 2 nêutrons – e virar um elemento mais leve, o livermório.
C.
O livermório então solta partículas e vira um elemento mais leve: o fleróvio, que rapidamente decai para copernício. O copernício, em vez de decair civilizadamente, sofre fissão nuclear: se fragmenta de maneira imprevisível em átomos menores.
Fonte: Synthesis of the isotopes of elements 118 and 116 in the Cf249 and Cm245+Ca48 fusion reactions (acesse).
“O equipamento que nós temos hoje é suficiente para descobrir novos elementos, mas não para estudá-los em mais detalhe”, explicou o russo Alexander Karpov, físico nuclear do JINR, à SUPER. “Nós dependemos de estatística. Você precisa de centenas e mais centenas de átomos para tirar conclusões confiáveis sobre as propriedades de um elemento.”
É por isso que Karpov e seus colegas já têm uma carta na manga. Neste exato momento, eles dão os toques finais a uma nova fábrica de elementos superpesados – a Super Heavy Elements (SHE) Factory. No final de 2018, quando entrar em operação, ela terá o primeiro acelerador de partículas inteiramente dedicado a aumentar a tabela periódica. 24 horas por dia, sete dias por semana.
“Nossas técnicas experimentais estão cada vez melhores. Na nova fábrica, alcançaremos níveis de energia mais altos e teremos separadores e detectores mais eficientes à disposição”, diz Karpov sobre o brinquedo novo. “Poderemos tanto produzir elementos novos quanto estudar os que já existem”.
Bem, uma vez superadas as barreiras práticas, ainda restam as teóricas. Será que a tabela periódica pode crescer para sempre, desde que a tecnologia siga avançando? Ou em algum momento vamos tropeçar num limite fundamental da natureza – um átomo tão grande que, por definição, não possa existir?
Números Mágicos, oásis atômicos
Todo elemento mais pesado que o chumbo é radioativo. Não dá para escapar. Se você é um átomo com mais de 82 prótons, uma hora vai decair em busca da estabilidade. O que muda é quanto tempo leva para isso acontecer. No caso do urânio, são 4,5 bilhões de anos. No do oganesson, menos de um segundo. O limite mínimo para a existência de um átomo é 0,000000000000001 segundo. Abaixo disso, ele não tem tempo de acumular elétrons suficientes em torno de si. E sem elétrons não existe átomo.
O melhor que podemos fazer para estudar os super heavy elements é criar versões deles que demorem mais para decair. Não muito mais – os bilhões de anos do urânio são uma meta utópica –, mas pelo menos alguns minutos ou dias, em vez de um piscar de olhos. E o melhor jeito de aumentar a vida útil de um átomo gigante é adicionar nêutrons. Muitos nêutrons.
Eu sei o que você está pensando, leitor: “No começo da matéria, você diz que nêutrons demais fazem mal para o átomo!” Bem, isso se ele for um átomo leve. Carbono de fato se equilibra com um número igual de nêutrons e prótons. Oxigênio também. Entre os pesados, porém, um único próton precisa de mais de um nêutron para segurar a onda. Veja o ouro: ele tem 118 nêutrons para só 79 prótons.
Adicionar nêutrons a elementos gigantes, porém, ainda é ficção científica. Não há tecnologia viável para isso. O melhor que podemos fazer, então, são previsões teóricas sobre esses gigantes. Esses átomos hipotéticos, ao mesmo tempo imensos e estáveis, ocupariam um domínio mítico da tabela periódica: a ilha de estabilidade (veja no gráfico abaixo).
O nome é impactante – os números, nem tanto.Veja o darmstádtio, com 110 prótons e 171 nêutrons. E se ele ganhasse, a muito custo, mais 11 nêutrons? “Sobreviveria 36 horas”, responde o físico teórico Witold Nazarewicz, da Universidade de Michigan. Isso mesmo: só um dia e meio.
Átomos artificiais
A única forma de obter elementos mais pesados que o urânio é produzi-los em laboratório
(Este infográfico é uma continuação de A FÁBRICA NOS CÉUS – acompanhe a numeração)
4. O limite das estrelas
O chumbo é o último elemento estável da tabela periódica. Dele para cima, são todos radioativos – inclusive o urânio, elemento mais pesado da natureza.
5. Ilha de estabilidade
Todos os elementos artificiais têm o mesmo problema: eles não possuem nêutrons suficientes para se estabilizar – nem que seja só por alguns minutos, o suficiente para estudá-los. Com 13 nêutrons extras, por exemplo, o gigante darmstádtio duraria 5 dias e meio – contra os 14 segundos atuais.
6. Pegando pesado
O maior átomo de proveta já feito, o oganesson, tem 118 prótons e 176 nêutrons. A seta branca mostra uma versão resumida de seu decaimento – você pode ver versão completa no infográfico anterior.
Fonte: Spontaneous fission modes and lifetimes of superheavy elements in the nuclear density functional theory (acesse).
Se você quiser um nível ainda maior de estabilidade, vai precisar apelar aos Números Mágicos. Imagine que o núcleo do átomo é como uma estante de livros, cheia de prateleiras. Cada vez que você preenche uma prateleira perfeitamente, o núcleo fica mais estável. Se faltar apenas um livro, já era: todos os outros ficam soltos, meio bambos. Se sobrar um livro, você precisa começar uma nova prateleira, que vai ficar instável até estar cheia. Números Mágicos são todas as quantidade de nêutrons capazes de preencher perfeitamente as prateleiras do átomo. Na primeira prateleira, cabem dois nêutrons. Na segunda, seis. Na terceira, 12. Portanto, 2 é um número mágico. 8 (2+6) também. 20 (2+6+12) garante três prateleiras perfeitas de nêutrons. E assim por diante. O último número mágico, aquele que enche completamente a estante, é 184.
Juntando 184 nêutrons, até o elemento mais ultrapesado ganharia alguma estabilidade. O nosso darmstádtio alcançaria quase uma semana de expectativa de vida. E essa mera fração de tempo mudaria para sempre a história da física nuclear. Chegaremos lá um dia? É provável, mas vai demorar. A natureza, afinal, levou 13 bilhões de anos para criar 92 elementos. Um pouco de paciência não fará mal a quem quer ir além.