A morte pode esperar… Sentada!
As ciências unem forças na tentativa de fazer o homem ganhar o máximo de batalhas na guerra contra o tempo.
Mariana Sgarioni
José Pedro é um bebê de pouco mais de 1 ano – e uma longa vida pela frente. Ao nascer, seus pais, o jornalista Pedro Bial e a cineasta Isabel Diegues, resolveram congelar o sangue de seu cordão umbilical, um celeiro de células-tronco que estará “válido para uso” pelos próximos 50 anos. A esperança dos pais é que a medicina evolua a tal ponto de conseguir usar essas células (uma espécie de célula curinga que se especializa formando diferentes tecidos humanos) para produzir em laboratório órgãos inteiros, seja um rim, um fígado, um coração ou uma parte do cérebro, substituindo qualquer região doente do organismo. Ainda não se sabe exatamente como chegar lá, mas como as pistas não param de aparecer, a corrida pela longevidade já começa na maternidade: assim como a de José Pedro, estima-se que atualmente existam mais de 100 mil amostras de sangue de cordões umbilicais congelados em diversos locais do mundo.
Essas crianças serão salvas de uma série de doenças que assombram atualmente a humanidade – a leucemia, por exemplo – e conseguirão viver mais. Num futuro um pouco menos próximo, a batalha pela vida longa vai começar antes mesmo da concepção: destrinchando o papel dos genes do envelhecimento, cientistas poderão conseguir manipulá-los em laboratório, programando os bebês para viver muito mais.
Em linhas gerais, é na direção das pesquisas celular e genética que apontam os esforços para aumentar a longevidade humana. O que fazer para não morrer tão cedo, ou pelo menos para dominar o processo do envelhecimento, é o sonho da ciência – e a idéia fixa de todos nós. Só para se ter uma idéia, em 1999, os cremes e as loções antienvelhecimento movimentaram nada menos do que R$ 466 milhões. Foram feitas mais de 300 mil cirurgias plásticas nos hospitais brasileiros no mesmo ano, o que representa um crescimento de quase 500% em dez anos. Ninguém quer ficar velho, enrugado, e muito menos encarar a morte, momento, aliás, que estamos conseguindo prorrogar cada vez mais: em 1900, a expectativa média de vida no Brasil ao nascer era de 33 anos. Hoje, já estamos na marca dos 67.
Estudos demográficos apontam que, em 2025, o brasileiro viverá em média 75,3 anos e, por volta do ano de 2050, 2 bilhões de pessoas terão mais de 60 anos. “Quem consegue chegar bem aos 60 tem uma expectativa de pelo menos mais 23 anos pela frente”, afirma João Toniolo Neto, chefe da disciplina de geriatria da Universidade Federal de São Paulo (Unifesp).
Se estamos vivendo mais, é graças aos avanços no saneamento básico, a descobertas de novas drogas como antibióticos, a fatores ambientais e de prevenção. Para chegar mais longe, cientistas querem primeiro saber sobre o processo de envelhecimento em si, assunto que só vem sendo estudado com rigor científico há cerca de 30 anos. A primeira seta aponta para a descoberta dos genes que determinam a longevidade. Em condições normais, alguns genes existem para fabricar proteínas responsáveis pelo limite da vida de cada indivíduo. Se esses genes forem modificados em laboratório, poderiam então aumentar a longevidade. A divisão celular também está sendo pesquisada com rigor. Sabe-se que nossas células nascem com um número programado de divisões e que ele está diretamente ligado ao tempo de vida.
As células humanas podem se dividir 50 vezes e nosso limite de vida é de 122 anos – marca estabelecida pela francesa Jeanne Calment, morta em 1997, que, segundo registros oficiais, foi o ser humano mais longevo a passar pelo planeta. As células de ratos, por exemplo, que vivem cerca de três anos, se dividem apenas 15 vezes. A cada divisão celular, os cromossomos perdem uma parte de seu telômero – um emaranhado de DNA que fica na ponta do cromossomo – até que ele se acaba e a célula morre. Pois bem, uma pista para a imortalidade foi a descoberta de enzimas que evitam a perda do telômero e, portanto, a morte da célula. Acontece que são exatamente essas danadas que produzem células cancerosas. Por isso geriatras e oncologistas trabalham juntos para que tal “efeito colateral” desapareça.
PROLONGANDO A VIDA
Cientistas estão realizando inúmeros testes em laboratórios para prolongar a vida – por enquanto, as criaturas beneficiadas são vermes, leveduras e moscas de banana, que por incrível que pareça têm semelhanças genéticas com nossas células. Uma experiência interessante está acontecendo em um dos laboratórios na Universidade da Califórnia. Ali, vivem milhares de Drosophila melanogaster, as mosquinhas de frutas. O biólogo Michael Rose, coordenador da experiência, conseguiu dobrar a vida dos insetos mexendo em seu processo de seleção genética. Por gerações e gerações, os ovos do inseto foram colocados em locais ideais de crescimento. Depois de dois anos nascendo em condições melhores, o laboratório tem moscas que vivem duas vezes mais. No verme C. elegans, pesquisadores descobriram que a alteração de um único gene aumenta significativamente o tempo de vida. Esse gene fabrica, no verme, uma proteína que se parece com a insulina.
Nos seres humanos, a insulina controla diversas funções, tais como o metabolismo de glicose e o crescimento celular. Portanto, embora ainda não haja estudos conclusivos, especula-se que aí possa estar uma das chaves da longevidade. A questão agora é descobrir de que forma os seres humanos reagem a tais intervenções, uma vez que os genes interagem com os fatores ambientais. “As causas do envelhecimento estão 75% ligadas às condições de vida e apenas 25% à herança genética”, afirma Clineu de Mello Almada Filho, diretor do Instituto de Geriatria e Gerontologia da Unifesp.
BOCA FECHADA, VIDA LONGA
Até agora, o único método que vem demonstrando força para intervir no processo natural de envelhecimento é a restrição calórica – uma dieta de baixas calorias, correspondentes a dois terços do que se come normalmente, apenas o necessário para manter os sistemas vitais operando. Ainda não se sabe exatamente o porquê, mas a experiência já dobrou a expectativa de vida de ratos. Estudos em andamento com 75 macacos no Instituto Nacional do Envelhecimento dos Estados Unidos, em Maryland, parecem ir pelo mesmo caminho. Mas trata-se de um experimento um tanto radical – para não dizer temerário – para ser realizado em humanos. Segundo Donald Ingram, coordenador do trabalho com os macacos, suspeita-se que a dieta de fome reduza a produção de radicais livres, que nascem durante a transformação de glicose em energia dentro da célula.
São os radicais livres, aliás, os grandes vilões do envelhecimento. Por serem potencialmente reativos com moléculas biológicas, eles são capazes de causar a oxidação e danos irreversíveis às células. Com isso em mente, o uso de antioxidantes, como as vitaminas E e C, foi amplamente divulgado para o combate ao envelhecimento. O problema é que até agora não foi provado – a não ser em vermes – que doses extras de antioxidantes realmente funcionam em humanos. O mesmo pode-se dizer das tão badaladas reposições hormonais. É verdade, sim, que os hormônios são poderosas substâncias químicas que mantêm o funcionamento normal do organismo. E também é verdade que, com a idade, despenca a produção de hormônios, como a testosterona e o estrógeno. Mas não está claro como os hormônios influenciam diretamente no envelhecimento e, pior, quais os efeitos da reposição hormonal a longo prazo. “Cada caso deve ser analisado individualmente. Para algumas pessoas, a reposição pode ser benéfica.
Mas não se pode generalizar”, explica Clineu de Mello Almada Filho.
O problema, na verdade, é que ainda se sabe muito pouco sobre o processo do envelhecimento em si. “Não existe uma única conclusão sobre como e por que ficamos velhos”, diz Huber Werner, diretor do Instituto Nacional do Envelhecimento dos Estados Unidos. “É possível que algumas das mudanças relacionadas à idade sejam determinadas geneticamente e outras envolvam danos às células causados por diversos processos, como os radicais livres, por exemplo. Mas, por enquanto, não há nenhum método comercializado capaz de reverter o envelhecimento.” Tudo bem que envelhecer é inevitável, mas o processo não precisa ser devastador. É por isso que a ciência vai comendo pelas beiradas e descobrindo novas drogas e tratamentos para doenças tidas como irreversíveis e que costumam se manifestar a partir dos 60 anos.
O mal de Alzheimer, por exemplo, doença degenerativa que age no sistema nervoso central e que afeta pelo menos 15 milhões de pessoas no mundo, conta com uma novidade que consegue retardar sua evolução: um medicamento chamado memantina. Segundo Barry Reisberg, psiquiatra da Escola de Medicina de Nova York, que testou a droga por seis meses em doentes americanos, o tratamento é o primeiro a demonstrar uma resposta imediata do cérebro na proteção contra a doença. Para diabetes, outro mal que assombra idosos, médicos têm usado com sucesso o Xenical – sim, aquele remédio para dieta que provoca diarréia. “O Xenical atua diminuindo o índice de glicose em pacientes com predisposição a diabetes, impedindo, ou no mínimo retardando, o aparecimento da doença”, afirma João Toniolo Neto, chefe da disciplina de geriatria da Unifesp.
Mas não tem jeito. Enquanto as pesquisas ainda engatinham, quem quiser realmente retardar o envelhecimento e viver infinitamente mais e melhor vai ter de dar ouvidos à máxima dos médicos: levar uma vida saudável. Não fumar, não beber, praticar exercícios físicos e mentais, comer e dormir, não ficar muito estressado. Essa é a única fórmula que está cientificamente comprovada. Repare nas fotos do jovem senhor de 75 anos que ilustram esta reportagem. O engenheiro capixaba Joel Guimarães faz ginástica regularmente há pelo menos 20 anos. Atualmente, ele exagera um pouco: acorda todos os dias às 3h da manhã para treinar para suas maratonas, que já lhe renderam mais de uma centena de medalhas. A morte, por Joel Guimarães: “Para que viver 130 anos sofrendo em uma cama? Não penso em viver muito. Penso em viver bem”.