A planta real que “vê” plantas de plástico – e muda de forma para imitá-las
Pesquisa inusitada realizada por um pesquisador brasileiro em parceria com um dono de casa americano ganhou o jocoso prêmio IgNobel.
O prêmio IgNobel, concedido a pesquisas “que fazem rir e depois pensar”, acaba de revelar seus ganhadores de 2024. Entre os vencedores deste ano, estão pesquisas sobre sobre usar pombos para guiar mísseis, constatações sobre a natação de trutas mortas e a descoberta de que mamíferos podem respirar por via retal.
Há também uma pesquisa que um brasileiro, mestre em ecofisiologia pela UNESP, Felipe Yamashita, desenvolveu durante o seu doutorado na Alemanha. Ele descobriu que um certo tipo de planta trepadeira tem estruturas equivalentes a olhos que são usados para copiar outras plantas ao seu redor.
Felipe estudava a inteligência das plantas na Universidade de Bonn, quando seu orientador sugeriu que ele desse uma olhada nas mensagens que um desconhecido estava enviando.
Era Jacob White, um dono de casa dos EUA, sem formação científica, mas com muita curiosidade. Há tempos ele se correspondia com o orientador de Felipe para comentar pequenos experimentos que conduzia em casa com a planta trepadeira Boquila trifoliolata.
Para entender as informações chocantes que White apresentou, precisamos antes entender melhor essa plantinha chilena.
Nativa das florestas tropicais do Chile, ela é única pela sua capacidade de mimetizar, ou imitar, folhas de outras plantas. Esse é um tipo de adaptação que já era conhecido: a planta se mistura visualmente com seu hospedeiro e se protege de animais que poderiam comê-la.
Entretanto, a boquila é especial: um mesmo espécime pode imitar simultaneamente folhas de várias plantas em uma única videira – um fenômeno conhecido como polimorfismo mimético. É mais ou menos assim: se o galho se esticar até uma outra planta, o formato da folha naquela parte do galho muda para acompanhar a mudança.
E ela é tão boa nisso que levou mais de 200 anos até alguém reparar que havia uma imitadora disfarçada no meio da floresta. Quem percebeu foi o botânico Ernesto Gianoli, da Universidade de La Serena, no Chile, que notou que um caule esquisito de uma árvore era, na verdade, a boquila mimetizando sua companheira.
Gianoli publicou suas descobertas em 2014, descrevendo como a trepadeira é capaz de imitar o tamanho, a forma e a cor das folhas de mais de 20 espécies. Mas ninguém sabia ao certo como.
Inicialmente, o pesquisador especulou que elas poderiam estar captando algo das plantas, como algum tipo de molécula química volátil ou material genético que ajudaria a orientar o crescimento das folhas. Mais recentemente, ele passou a sugerir que a microbiota (as bactérias que habitam) a trepadeira e a vítima são semelhantes e podem estar envolvidas no processo.
Todas as folhas indicadas por setas amarelas são de boquilas, cada uma mimetizando uma espécie diferente. Na imagem H, a boquila autêntica, sem imitar ninguém.
Quando Jacob White leu sobre isso, ficou intrigado. Lembrou que havia lido também um texto de um professor da Universidade de Bonn discutindo uma hipótese antiga, de 1905.
Naquela época, o botânico Gottlieb Haberlandt defendia que as células da superfície das folhas podem funcionar como olhos simples, chamados de ocelos. Essas estruturas detectam a intensidade e direção da luz, mas não são capazes de formar imagens.
White juntou os pontos, e resolveu testar a teoria de Haberlandt nas suas boquilas, e com um toque especial: usando plantas artificiais. A hipótese dele era a seguinte: se as trepadeiras imitadoras copiarem uma planta artificial, significa que elas não dependem de sinais químicos, genéticos, microbióticos, nada disso. Elas necessariamente enxergam.
Seus testes foram feitos numa prateleira de casa, em um quarto do qual ele retirou todas as outras plantas. Quatro boquilas foram colocadas em uma prateleira mais baixa. À medida que subiam, encontravam uma prateleira superior e, nela, havia uma planta artificial.
Em pouco tempo, o que parecia impossível aconteceu: as folhas foram ficando mais pontiagudas, com mudanças profundas nos padrões de canais, semelhantes à planta artificial.
Os resultados confirmavam sua hipótese, e White não sabia o que fazer com aquilo. É aí que entra o brasileiro Felipe Yamashita, cujo orientador se correspondia com White. Doutorando em botânica, ele foi coautor do estudo, e foi responsável por trazer dados mais concretos e uma análise embasada para a pesquisa.
Algum tempo depois, em 2021, depois de ser revisada por outros cientistas da área, a descoberta foi publicada na revista Plant Signaling & Behavior, que é editada pelo seu orientador. A pesquisa foi bem recebida por uma parte da comunidade científica, ao menos por sua inovação. Entretanto, há muitas e muitas críticas ao trabalho, especialmente em relação ao método de pesquisa.
Não havia, por exemplo, uma planta de controle, que estivesse crescendo sem nada para copiar. Sem isso, não dá para eliminar outras possibilidades, como a das mudanças terem ocorrido por causa da mudança da incidência solar causada pela altura da prateleira, ou da estação do ano, por exemplo.
Gianoli, o maior especialista na espécie, considera um mau sinal que ele não tenha sido chamado para revisar o trabalho. Em uma entrevista ao The Scientist, ele disse que, na opinião dele, o artigo “nunca deveria ter sido publicado.”
Ele diz que existem vários fatores de confusão que não permitem isolar a mudança de formato da folha e vinculá-la diretamente à presença da planta de plástico.
Ao site Vox, Yamashita disse que atribuía as críticas ao fato de seu trabalho desafiar o que chamou de “a ciência convencional”. Ele acrescentou que a teoria da visão das plantas ainda precisa de mais estudos, e que a publicação foi apenas um experimento.
Somente Yamashita compareceu à cerimônia de recebimento do IgNobel, que é um pequeno espetáculo de piadas nerds e informalidade apresentado por ganhadores do Prêmio Nobel de verdade.
“Nossa hipótese é que essa planta, boquila, tem algum tipo de olho e consegue ver o que está acontecendo ao redor. E como ela faz isso? Nós não temos ideia.” ele comentou, ao receber o prêmio, arrancando risos da plateia.
“Precisamos continuar estudando essas plantas, mas para estudá-las eu preciso de um cargo. Acabei de concluir meu doutorado e preciso de um emprego agora para continuar essa pesquisa.”
Parece que os cientistas não estão nem perto de descobrir o segredo do mecanismo de imitação da boquila. Mas não tem problema: a ciência se faz assim, com ideias inusitadas, discordâncias, idas e vindas.
De uma coisa podemos ter certeza: a plantinha que consegue trocar de forma e imitar o formato de dezenas de outras vai continuar chamando a atenção.