Black Friday: Assine a partir de 1,49/semana
Continua após publicidade

As forças ocultas por trás da política do desmatamento

Uma herança ideológica da ditadura e uma teoria conspiratória sem cabimento ajudam a explicar o descaso do governo Bolsonaro com a Floresta Amazônica.

Por Claudio Angelo
Atualizado em 26 set 2022, 11h25 - Publicado em 23 ago 2019, 11h33

Pouca gente se lembra, mas o Brasil começou a monitorar a Amazônia por satélite para poder destruí-la melhor. Eram os anos 1970, e a ditadura militar fazia sua grande intervenção na maior floresta tropical do mundo. O plano dos generais era mandar colonos nordestinos atingidos pela seca, os “homens sem terra”, para a “terra sem homens” amazônica.

Assim se cumpriria um duplo objetivo: aliviar a pressão social do Nordeste e povoar a região Norte, que representa mais de metade do território nacional e cujas riquezas em madeira e minérios supostamente despertavam enorme cobiça internacional. O lema dessa estratégia de ocupação era “integrar para não entregar”. Os colonos ganhariam terras na Amazônia, desde que cumprissem o pré-requisito de botar a floresta abaixo para formar pastagens. Sim. E para garantir que os donatários estivessem mesmo desmatando, os militares encomendaram ao Inpe (Instituto Nacional de Pesquisas Espaciais), em 1977, o sistema Prodes, que começou a dar taxas anuais de desmatamento em 1988.

Agora a relação entre Inpe, militares e Amazônia voltou a ocupar o noticiário. O governo de um capitão reformado do Exército, Jair Bolsonaro, passou a atacar o instituto porque seus sistemas de monitoramento estão fazendo o que foram feitos para fazer: medindo a destruição da Amazônia. Seu diretor, o físico Ricardo Galvão, foi demitido em 2019 por dar a real sobre o aumento na velocidade dessa destruição.

O episódio expôs para o Brasil e o mundo a grande estratégia de Bolsonaro para a Amazônia. Como tudo no bolsonarismo, é uma estratégia trôpega: reafirmar a soberania entregando a floresta às forças responsáveis por sua aniquilação. Numa adaptação do lema da ditadura, o capitão quer “estragar para não entregar”.  Jair Bolsonaro, afinal, foi eleito prometendo estimular os agentes do desmatamento e ativamente reduzir ou eliminar os fatores que o controlam: disse que iria “meter a foice no Ibama”, reverter a demarcação de terras indígenas e unidades de conservação e legalizar o garimpo. Para não deixar dúvidas sobre suas intenções, entregou o Ministério do Meio Ambiente a um condenado por fraude ambiental.

É difícil entender por que um presidente da República defenderia a predação da Amazônia. Muito menos por que faria disso um cavalo de batalha, atraindo para si o desgaste inevitável decorrente dessa posição – a revista britânica The Economist chamou o Jair de “o líder mais perigoso do mundo” para o ambiente. Os generais da ditadura pelo menos podiam dizer honestamente que não sabiam que suas políticas iriam dar ruim para a floresta.

Continua após a publicidade

O PIB agropecuário quase dobrou entre 2004 e 2012. E esse foi justamente o período em que o desmatamento caiu 80%

Bolsonaro insiste num discurso segundo o qual o desmatamento é o preço do crescimento econômico. Só que na Amazônia isso não faz nenhum sentido: mais de 90% do desmate ali é ilegal; grande parte dele está ligada ao crime organizado e à grilagem de terras. É destruição que não gera arrecadação nem empregos. Ao contrário, os municípios campeões de desmatamento estão entre os menores IDHs da Amazônia e do Brasil. E o oposto se verifica: o PIB agropecuário da região Norte quase dobrou no período em que o desmatamento caiu 80%, entre 2004 e 2012. O setor da soja convive muito bem, obrigado, com uma moratória à produção em novas áreas desmatadas na Amazônia em vigor desde 2006.

Como explicar a obsessão amazônica do presidente, então?

Continua após a publicidade

Talvez ele acredite mesmo que potências estrangeiras estão a fim de tomar a Amazônia do Brasil, como fantasiavam os governos militares. O ambientalismo tornou-se o avatar do inimigo imaginário externo desde o fim dos anos 1980, quando o reconhecimento científico do papel da floresta no equilíbrio do clima global levou a pressões contra o desmatamento. Uma série de declarações desastradas de líderes estrangeiros não ajudou a sossegar os ânimos soberanistas – de François Miterrand defendendo a “soberania relativa” do Brasil sobre ela a Al Gore dizendo que a Amazônia “é de todos nós”.

Paranoia extremista

Desde então, o céu tem sido o limite para as fake news sobre o tema: a história das aldeias indígenas onde só se fala inglês e agentes do Estado brasileiro não entram. A história do mapa-múndi pregado nas escolas dos EUA onde a Amazônia aparece como “território internacional”. A história de ONGs ambientalistas agindo a mando ora do príncipe Charles, ora dos criadores de gado franceses, ora dos sojicultores americanos.

As versões modernas desse delírio vêm de autores de extrema-direita. É o caso do jornalista mexicano Lorenzo Carrasco, coautor de um livro chamado Máfia Verde – o Ambientalismo a Serviço do Governo Global.

Continua após a publicidade

Um post de Carrasco quase tirou o Brasil do acordo do clima de Paris, que o mundo levou uma década para negociar. Ele tratava do chamado Corredor Triplo A, uma proposta de criar conectividade entre áreas florestais já protegidas numa faixa que vai do Amapá até a Colômbia (abarcando Andes, Amazonas e Atlântico).

O mexicano inventou que o corredor fazia parte de um plano da Coroa britânica para internacionalizar a Amazônia. Como o presidente colombiano Juan Manuel Santos declarou numa entrevista que aproveitaria a COP21, a conferência do clima de Paris, para discutir o tema com outros presidentes sul-americanos, em 2015, criou-se a lorota de que o Acordo de Paris pressupunha a internacionalização da Amazônia.

Ao beber das teorias conspiratórias, Bolsonaro mergulha toda a discussão sobre Amazônia num caos arranjado para evitar qualquer política pública ou qualquer atuação do terceiro setor – o que é um problema grave, já que, frequentemente as ONGs são o único meio de interlocução das populações amazônicas com as políticas do Estado.

Enquanto isso, liberam-se as forças predatórias e o crime organizado, associado aos poderes locais, para empreender a rapinagem na floresta. E o resultado é essa escalada nas taxas de desmatamento. O irônico é que, ao queimar as árvores, o Brasil está, sim, internacionalizando a Amazônia. Do pior jeito: transformando-a em gás carbônico, que aumenta as temperaturas no mundo inteiro.

Publicidade

Matéria exclusiva para assinantes. Faça seu login

Este usuário não possui direito de acesso neste conteúdo. Para mudar de conta, faça seu login

Black Friday

A melhor notícia da Black Friday

BLACK
FRIDAY
Digital Completo
Digital Completo

Acesso ilimitado ao site, edições digitais e acervo de todos os títulos Abril nos apps*

a partir de 5,99/mês*

ou
BLACK
FRIDAY

MELHOR
OFERTA

Impressa + Digital
Impressa + Digital

Receba Super impressa e tenha acesso ilimitado ao site, edições digitais e acervo de todos os títulos Abril nos apps*

a partir de 10,99/mês

ou

*Acesso ilimitado ao site e edições digitais de todos os títulos Abril, ao acervo completo de Veja e Quatro Rodas e todas as edições dos últimos 7 anos de Claudia, Superinteressante, VC S/A, Você RH e Veja Saúde, incluindo edições especiais e históricas no app.
*Pagamento único anual de R$71,88, equivalente a 5,99/mês.

PARABÉNS! Você já pode ler essa matéria grátis.
Fechar

Não vá embora sem ler essa matéria!
Assista um anúncio e leia grátis
CLIQUE AQUI.