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Bactérias: microfaxineira

Por Da Redação Materia seguir SEGUIR Materia seguir SEGUINDO
Atualizado em 31 out 2016, 18h51 - Publicado em 31 jan 2000, 22h00

Alexandre Agabiti Fernandez, de Paris

Ela passou por um exaustivo processo seletivo, com mais de uma centena de concorrentes, e, apesar do nome feio, venceu. A Pseudomona putida foi eleita pela GBF, o centro nacional de pesquisas em biotecnologia da Alemanha, a bactéria mais eficiente na absorção de mercúrio entre as que não são agressivas para o homem. Como prêmio, começou a trabalhar experimentalmente na fábrica de cloro Elektrochemie Ibbenüren, limpando água poluída pelo metal (veja os danos que ele causa à saúde na próxima página).

Em sua estréia, a microfaxineira já está fazendo bonito, mas pode tornar-se bem mais importante e famosa ajudando os pesquisadores a encontrar alternativas para tratar os rejeitos contaminados que os garimpeiros jogam nos rios da Amazônia, um dos grandes problemas ecológicos brasileiros.

Emissão do veneno vem diminuindo

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Além das fábricas de cloro, muitas outras poderão usar os préstimos da Pseudomona putida. O mercúrio entra na fabricação de tintas, pilhas, fungicidas, medicamentos e outros produtos. Com a bactéria alemã, espera-se reduzir em 90% sua presença nos rejeitos dessas indústrias. Filtros de carvão ativado se encarregariam de elevar a marca para 99%. Hoje, empresas maiores já usam filtros e outros métodos de controle, mas a eficiência deixa a desejar. De acordo com a Organização Mundial da Saúde (OMS), são lançadas anualmente no mundo 10 000 toneladas de mercúrio. Outras 10 000 toneladas resultam da erosão e de erupções vulcânicas. Mas a situação já foi pior. Nos anos 70, a emissão chegava a 30 000 toneladas.

No Brasil

Ninguém sabe dizer quanto mercúrio é emitido no Brasil, seja pelos garimpos, seja pelas fábricas. Em São Paulo, a Companhia de Tecnologia e Saneamento Ambiental (Cetesb) garantiu à SUPER que ele não é um problema no maior pólo industrial do país. “Temos dezessete empresas na região metropolitana da capital que emitem o metal, mas o que resta depois do tratamento dos efluentes é apenas 28 gramas, algo irrelevante”, diz o engenheiro Airton Chiurato, da diretoria de Controle de Poluição Ambiental da entidade. Ele admite que o metal foi encontrado em um dos braços da Represa Billings, que abastece a capital. Mas só no lodo do fundo. A água está livre de sua presença.

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O processo de absorção do mercúrio pelo homem ainda não foi inteiramente compreendido. O que se sabe é que, jogado na água, ele entra na cadeia alimentar. Absorvido por plantas, passa aos peixes menores e, deles, para as espécies carnívoras. “Nestas, a concentração pode ser vários milhões de vezes superior à da água”, avisa Alan Boudou, do Laboratório de Ecotoxicologia da Universidade de Bordeaux I, na França.

O mercúrio também está presente no amálgama usado para obturar dentes. Estima-se que quem tem o material na boca absorve de 3,8 a 21 microgramas do metal diariamente. A OMS diz que o consumo tolerável é de, no máximo, 28 microgramas por dia. Por isso, Suécia e Alemanha já proibiram o uso do amálgama.

Além de controlar todas essas fontes, é preciso educar a população para ensinar a não comer peixes de rio em área de risco e, nas cidades, a não jogar lâmpadas, pilhas e termômetros que contêm mercúrio no lixo comum – eles devem ser devolvidos aos fabricantes. Além disso, na hora de fazer compras, vale a pena procurar similares sem o veneno. A bactéria Pseudomona putida poderá ajudar, mas não vai evitar contaminações se não houver empenho de todos.

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Algo mais

Não se sabe ao certo quanto de mercúrio os garimpeiros jogam na vastidão da Amazônia. As estimativas vão de 5 a 100 toneladas por ano. O metal é adicionado à lama retirada do solo e o ouro se liga a ele. Depois, ambos são queimados, o que resulta em ouro puro e vapor de mercúrio, que viaja pelo ar. Muita lama contaminada também é despejada nos rios.

Heroína kamikaze

Depois de limpar a água poluída, as bactérias morrem. Veja como elas trabalham.

A Pseudomona putida tem de 6 a 8 micrometros de diâmetro e um gene que a torna resistente ao mercúrio

Colônias com bilhões de bactérias se acomodam na pedra-pomes, mineral ultraporoso onde é despejada a água que contém mercúrio diluído.

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As bactérias atraem o mercúrio e, pela ação de enzimas, o convertem à forma metálica, insolúvel. Microbolinhas, como as que você vê quando quebra um termômetro, acabam grudadas nos microorganismos.

As bolinhas se juntam por centrifugação, tornando-se visíveis a olho nu. O metal pode, então, ser separado e reutilizado. As bactérias morrem no processo.

Se você quebra um termômetro, o mercúrio líquido que está dentro não esparrama, mas se agrupa em bolinhas. O metal também aparece na forma de sais, solúveis em água, como o cloreto de mercúrio e o iodeto de mercúrio, igualmente tóxicos. Sob a ação de enzimas ele se combina com moléculas orgânicas, ou seja, de seres vivos. Aí, é mais perigoso porque entra na cadeia alimentar da qual faz parte o homem.

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Efeitos devastadores

Uma dose de 350 miligramas de mercúrio pode matar um homem de 70 quilos, na hora. Mas o metal também faz mal ingerido aos poucos.

O cérebro é o órgão mais atingido. No começo, a intoxicação causa insônia, fadiga, distúrbios de memória, tremores e diminuição do campo visual. Na fase avançada, leva à cegueira, à surdez e à morte.

Glândulas endócrinas de todo o organismo sofrem disfunções, gerando problemas hormonais, como perda de peso, ansiedade e fraqueza muscular.

Entre as degenerações causadas nos tecidos, as mais graves são as dos pulmões, que podem evoluir para fibrose, e do aparelho digestivo.

Os rins deixam de funcionar direito.

Pode haver redução nos glóbulos brancos, debilitando o sistema imunológico. O sangue leva o metal à pele, causando lesões difíceis de tratar.

Contaminação natural

Há dez anos, um estudo revelou concentrações altíssimas de mercúrio em fios de cabelo de moradores da Bacia do Rio Negro, aonde os garimpeiros ainda não chegaram. O químico Pedro Sérgio Fadini, professor da PUC de Campinas, foi investigar o que acontecia. Descobriu, agora, que o solo da região é riquíssimo no metal e que a água escura dos rios favorece sua retenção. O mais incrível, porém, é que, embora 90% da população tenha teor acima do tolerável, não há sintomas de intoxicação. Tudo indica que isso é resultado da forte presença da castanha-do-pará na dieta local. A castanha, abundante na Amazônia, é rica em selênio, que inibe a ação do poluente.

Um triste alerta

A ameaça do mercúrio só começou a ser considerada após 1956. Naquele ano, apareceu a primeira vítima da contaminação da Baía de Minamata, no Japão, onde morreriam 1 043 pessoas e outras 2 200 ficariam doentes, envenenadas pelo metal. Desde os anos 30, indústrias químicas vinham jogando nos rios da região, junto com outros restos de sua produção, fartas doses de metilmercúrio, uma das formas orgânicas do metal. A poluição chegou ao mar e contaminou peixes usados na dieta local. “As vítimas apresentavam graves lesões no sistema nervoso, freqüentemente irremediáveis”, disse à SUPER Claude Amiard Triquet, da Faculdade de Farmácia da Universidade de Nantes, na França, que estuda o caso. Somente em 1968, o governo japonês reconheceu o acidente ambiental. Aí, o mundo acordou para o problema. As emissões diminuíram e o estudo dos efeitos do mercúrio avançou. Mas ainda há muito o que descobrir.

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